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Morreu Norodom Sihanouk, uma das mais formidáveis, multifacetadas e controversas personalidades da história do século XX. Várias vezes Rei, Presidente ou Primeiro-Ministro, foi bem um exemplo da desordem que a prepotência do colonialismo europeu instalou nas muito tradicionais sociedades asiáticas. Deslumbrado por aquilo que julgara ser o progresso e a modernidade, comprometeu seriamente os seus iniciais e bem sucedidos esforços pela emancipação do antigo protectorado francês do Camboja, oscilando entre instáveis posições políticas internas e uma complicada estratégia internacional, impossíveis de conciliar com a instituição que encarnava. Da cegueira, violência congénita e ignorância norte-americana perante as realidades de um sudeste asiático na encruzilhada do conflito entre um ocidente em declínio e os avanços do imperialismo maoísta, Sihanouk procurou a síntese numa quimérica neutralidade, cujo resultado final consistiu no total comprometimento com as tiranias de Pequim e de Pyongyang. Endossando alguma credibilidade interna aos genocidas Khmers Vermelhos que com a sua adesão conseguiram angariar uma sólida base de recrutamento de camponeses guerrilheiros, Sihanouk atravessou a barreira do inaceitável, mas passado o vendaval assassino, uns anos mais tarde e uns tantos milhões de mortos bem contados nas guerras e nos Killing Fields, regressaria como monarca constitucional restaurado, descobrindo na acalmia geral dos anos noventa, o papel para que fora talhado e rejeitara em benefício da ambição por aquele poder político tão transitório quanto enfeudado a interesses alheios aos do seu povo.
Neste momento, agravam-se as tensões naquela região do planeta e uma nova investida chinesa poderá estar em preparação, obrigando a um realinhamento das pequenas potências com poucas opções de escolha, senão uma neutralidade benevolente para com Pequim - os chineses ainda não esqueceram o período imperial e os correspondentes Estados vassalos -, ou a declarada inimizade plena de consequências. Aliando-se a ocidente ao Irão e apoiando-se a leste na Coreia do Norte, a China desafia abertamente os japoneses, enquanto a Coreia do Sul, as Filipinas e a Formosa temem pela sua segurança, até hoje sustentada pelos EUA. O próximo objectivo será claramente, o enfeudamento ou neutralização do Vietname, Camboja, Laos e Tailândia, deixando a Monarquia dos Norodom perante o eterno dilema das escassas opções.
Com a ascensão do seu sucessor Norodom Sihamoni ao trono de Phnom Penh, o Camboja parecia ter finalmente encontrado o ponto de equilíbrio interno, numa região onde a instabilidade poderá ciclicamente regressar. Infelizmente, Pequim terá como sempre uma palavra a dizer.