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Num excelente artigo hoje publicado pelo Expresso, Henrique Raposo explica com cristalina clareza, o porquê da aparentemente final eliminação do estudo da obra de Camilo nas escolas portuguesas. Mais que um incómodo para a corrida pela estatística da nota positiva, o escritor representa um Portugal que pouco interessa a quem do próprio país tem uma estranha ou avessa opinião, eximindo-se à própria pertença a esse todo a que chamamos de "nossa gente".
Jamais reconheceram o país que atirou Miguel de Vasconcelos janela abaixo. O Portugal da fraqueza, das lutas estéreis pela côdea do pão emprestado pelo vizinho, é o país que os decisores gostam de ver retratado como seu, único e intemporal. Como Henrique Raposo muito bem faz ver, o Portugal de Camilo é outro, bastante abrasivo, ousado e por vezes quixotesco, mas muito mais seguro de si próprio, impante de qualidades e de defeitos que aceita como passado e destino. O outro Portugal, o imaginado por alguns poucos que lá fora durante algum tempo viveram ou se limitaram à virtual convivência fora de portas nas páginas de umas tantas obras de situação, vive da negação da evidência de uma história que já era antiga, quando as vozes se ergueram no Casino que decretou um até agora ainda não cumprido Finis Patriae. Todos já escutámos com o relativo desinteresse que a habitualidade garante, longas tiradas que debulham o milheiral de defeitos, mesquinhezes e pequenas misérias vomitadas para as costas dos compatriotas. Tomam Lisboa, ou melhor, os clubezinhos de interesses que na capital decidem por milhões, pelo todo. O escusado refinamento chega sempre ao ponto estelar da prosa discorrer perante convivas estrangeiros, quase como se se tratasse de um auto-reconhecimento da absurda situação de diferença, do estar "mais próximo de ti e não dos de cá". Nada pode ser mais estúpido e estapafúrdio, confirmando-se aos olhos dos visitantes, os rezingados séculos de estereótipos que se foram avolumando através de viagens ou curtas estadias de comerciantes defraudados nas expectativas, de diplomatas fracassados nos apetites de submissão da periférica Corte de Lisboa, ou de serralhos de Madames Rattazzis de furores uterinos sem hipótese de atempada refrigeração. Pior ainda, os rosnadores de impropérios jamais serão aceites pelos estrangeiros como os iguais que julgam ser.
Estes pesporrentes parvos que gostam de se condecorar de europeus, como se os demais portugueses nunca o tivessem sido, cobrem-se com pífios galões do conhecimento e da reivindicação das "mentes abertas" sempre atribuídas a outras paragens, aquelas mesmo que no momento em que o português "grosseiro e ignorante de folhos e de espírito" colocava pé no Japão, se contorciam em europeias e épicas chacinas na ténue linha divisória que pouca destrinça faz entre a Alsácia, o Franco-Condado ou o Bade. Num pretenso continente onde 500.000 Km2 - menos de metade de uma Angola! - bastavam e sobejavam para se bater moeda com a declaração de Empire Français ou Deutsches Kaiserreich, o tal bisonho habitante do ocidente peninsular possuía fazendas açucareiras que no Brasil se mediam pela extensão de infindáveis principados europeus. Se atendermos à realidade dos factos como se apresentam, o lusomundo dos 200 milhões de falantes que corroboram uma História que é um libelo acusatório dirigido às abonadas barrigas sem fundo aconchegadas em Lisboa, torna-se cada vez mais, num reflexo daquele Portugal violento, endemoninhado e que não hesitava no ajuste de contas sempre que necessário fosse. O tal "espírito Eça" jamais teria permitido a arrancada para sul do Mondego e muito menos ainda, a travessia dos oceanos e selvas e quanto muito, esses portugueses pequeninos e ao gourmet gostame estrangeiro, teriam como gesta única, a simbólica ocupação das Berlengas. É o Portugal da ínfima chacota, da destruição do eu alheio, da invenção boateira e da baixa intriga que apenas avilta o mensageiro. Enfim, é um certo Portugal bastante lisboeta e que se noutras décadas percorria a pé o eixo Rossio-Chiado, entretendo-se nos cafés e diante dos escaparates das bancas de jornais, hoje coça-se em painéis televisivos. Estes selectos inteligentes não passam de terminais digestivos ambulantes, com esponjoso cérebro acoplado.
Se atendermos bem ao cronómetro da nossa História, é precisamente o Portugal da República que verdadeiramente começou no tal Casino. Melhor teriam feito os comparsas da ora, se se tivessem perdido em bilhares, jogos da bisca ou umas tantas bebedeiras acompanhadas pelas Rattazzis a que pudessem ferrar a unha.
Foi decidida a remoção de Camilo Castelo Branco do programa do Ensino Secundário. Forçados à novilíngua e a um obrigatório facilitismo para adequar a estatística aos comparsas da U.E., aproveitam para suprimir Camilo. Politicamente, trata-se de um ajuste de contas, um daqueles desaparecimentos da foto e bem ao estilo da gente que se sabe.
Num país que hoje conta com uma "presidenta" (sic) do Parlamento e onde Sampaio dizia "véstoria", Soares "hadem" e "Húngria", compreendemos o incómodo.
Esta gente perdeu qualquer tipo de pudor. Esperemos agora uma adequada resposta de Nuno Crato, doa a quem doer.
não me resisto a aqui dela trasladar um niquinho, por tão delicioso o topar.
Deste contar do tio Cosme, singelamente lavado, fora tirando o lorde quanto é o povo fiel guardador da portuguesa linguagem, logo nisso encontrando a razão de o seu amigo Camilo tão asseadamente escrever.
E, bem se vê, esse assear não iria cair em saco roto, pois que nele encontraria herdeiro, no seio de uma escola mais vasta começada pelo homem de Seide.
deitar cedo para começar o dia com uma caminhada, e...; uma porta que se abre, o bastante para me despertar...; e o que se faz quando surge uma insónia?
Começo por ler o post do João Pedro, assusto-me quando leio a palavra Federalismo, como um chocolate preto, na tentativa de afastar os fantasmas libertados pela dita, e continuo a lutar com a invasora recorrendo à leitura de umas páginas de « Camilo Broca », de Mário Cláudio, como que uma biografia romanceada, agradável no recurso a uma linguagem quase poética, do que viria a ser marido de Ana Plácido, mas mais do que isso, o grande escritor que ainda hoje tem uma enorme corte de admiradores, entre os quais me incluo.
Recomeço, pois, onde tinha parado, e leio: Decorridos muitos anos, persistiria eu numa recordação da chegada à casa de Vila Real, em absoluto desaderida de toda a realidade,
E dou-me conta de que o sono fica adiado...
releio bocados de « Estrelas Propícias », Romance quase integralmente passado nesta nossa Região mais a Norte - o Porto é um protagonista sempre presente-, num cenário mais bucólico do que nunca, com ponto de partida nas margens desse " rio das saudades e dos pavores da mitologia ", e digo como o meu outro autor de cabeceira " morro de amor pelo meu pátrio Minho ", mas sem poder impedir-me de ter saudades desse Minho que foi o deles....
Em «A Paixão de Camilo: Ana Plácido », Rocha Martins escreve que ' à porta de Camilo geraram-se sempre novelas: lá dentro do lar, passava-se o seu drama ' »
Leio, da Editora Opera Omnia, e de autoria de Secundino Cunha, « Casas de Escritores no Minho », e detenho-me nas fotografias daquela que melhor conheço -a de S. Miguel de Seide..
Se na primeira visita me encontrava totalmente alheada deste tão grande drama, quando pela segunda vez fui à casa que testemunhou os seus males, mas onde escreveu páginas e páginas que para sempre lhe valerão a imortalidade estava já bem ciente desse drama pessoal...
Casa de Casares- Arcos de Valdevez
«Tinha de escrever o romance, um provável novo Eusébio Macário, visto que de novo encarnara o sarrafaçal camiliano, lambendo botas, gastando quartilhos de cuspo em lambidelas de botas.
Na tarde em que tal decidira, relido o livro castigador, até só a espessura das paredes talvez houvesse tirado que de fora lhe ouvissem as gargalhadas. Relera e ria.
Ah! Eusébios Macários reincarnados! »
( Tomaz de Figueiredo, in «Fim » )
Sabia-o Camiliano.
Quando, logo no dia a seguir a ter ouvido falar, com tanto fulgor, daquele, até então por mim desconhecido, escritor, me dirigi à livraria do costume, em busca dos seus livros,
Casa de Camilo-S. Miguel de Seide
o amigo a quem peço conselho, na hora de trazer para casa novas leituras, esse seguidor de Camilo, recebeu-me com um "- Oh,esse!... Tenho um filho adolescente com pretensões literárias. Se um dia me disser que quer ser escritor, dir-lhe-ei para primeiro fazer cópias dos escritos de Camilo e de Tomaz".
me falha neste dialecto de escrever livros, volto-me para Camilo, que é sempre rei mesmo em terra de ciclopes».
Vou a meio do livro, sugerido por João Marchante, mas, a cada passo, volto ao princípio, para reler esta frase que tenho como emblemática.