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Do poder e da estupidez em tempos de coronavírus

por Samuel de Paiva Pires, em 29.05.20

Quando, há uns dois meses, escrevi que iríamos assistir a mudanças sistémicas à escala global, não tomei partido quanto à direcção destas, isto é, não formulei nenhum juízo sobre se as mudanças seriam para melhor ou pior. Mais ou menos na mesma altura, começaram a manifestar-se na opinião pública aqueles que, pretendendo avançar as suas agendas ideológicas, logo vaticinaram velhinhos “amanhãs que cantam”. Muitos decretaram pela milésima vez a morte do liberalismo e do capitalismo e anunciaram um mundo novo marcado pela bondade e pela compreensão de que os nossos excessos das últimas décadas teriam necessariamente de dar lugar a um mundo mais harmonioso - uma manifestação da fé iluminista no progresso (seja lá este o que for). Outros, em posição diametralmente oposta, preferiram defender a globalização e a ortodoxia liberal, proclamando alguns deles, também pela milésima vez, o império da economia sobre a política, como se estas fossem mutuamente exclusivas. 

Ora, o mais provável é que Richard Haass tenha razão, a crise acabará apenas por acelerar as tendências verificadas nos últimos anos. Os crentes nos diferentes progressismos parecem esquecer-se que a história não progride de forma linear e que há duas características da condição humana aparentemente imutáveis e frequentemente amalgamadas: a luta pelo poder e a estupidez.

Não é por acaso que o poder é o fenómeno central da Ciência Política, assim como na Teoria das Relações Internacionais, especialmente para realistas e neo-realistas, segundo os quais o poder é a moeda da política internacional e esta é sinónimo de power politics. Nem sequer o projecto de integração mais avançado no mundo escapa a isto, como temos vindo a aprender duramente desde 2008. Porém, em Portugal, não faltam defensores da narrativa espelhada na capa de uma revista holandesa, segundo a qual os países do norte da Europa são muito produtivos e frugais ao passo que os países do sul são pouco produtivos, gastadores e pedintes em relação aos do norte. Como já escrevi anteriormente, para estes, que no ano de 2020, tendo já passado pela crise do euro, ainda não conseguiram perceber que a União Económica e Monetária tem falhas estruturais conducentes a um funcionamento perverso que privilegia os países do norte e prejudica os do sul, dificilmente haverá salvação. Os seus vieses cognitivos e ideológicos, para além da ignorância da história do projecto de integração europeia, não lhes permitem vislumbrar e compreender a dimensão política, de luta pelo poder, no cerne do projecto do euro. Para outros, aqueles que acreditam num qualquer modelo de harmonia à escala global que descerá sobre todos nós em resultado da crise actual ou de outra qualquer, também não sei se haverá salvação, mas um estudo minimamente aturado da história da humanidade poderá ajudar a alcançar uma melhor compreensão da condição humana e da centralidade do poder nesta.

Por outro lado, a crise actual permitiu também perceber - se dúvidas houvesse - que a fé iluminista nas capacidades da razão humana é assaz sobrevalorizada. Num mundo hiper-mediático, a estupidez tornou-se particularmente visível. Entre líderes mundiais, lideranças políticas domésticas e burocratas que decidem e implementam medidas abstrusas, opinion makers que se aliviam de disparates e cidadãos que nas redes sociais partilham teorias da conspiração e óbvias fake news, este tem sido um período particularmente prolixo. Haverá muito trabalho para aqueles que se queiram dedicar a documentar as diversas manifestações de estupidez a que temos assistido, como o Nuno Resende aqui fez ontem. Certamente poderão apoiar-se nos trabalhos desenvolvidos por Paul Tabori e Carlo M. Cipolla. 

publicado às 15:15

Da falta de significado no trabalho

por Samuel de Paiva Pires, em 11.07.17

Rutger Berman, "A growing number of people think their job is useless. Time to rethink the meaning of work"

In a 2013 survey of 12,000 professionals by the Harvard Business Review, half said they felt their job had no “meaning and significance,” and an equal number were unable to relate to their company’s mission, while another poll among 230,000 employees in 142 countries showed that only 13% of workers actually like their job. A recent poll among Brits revealed that as many as 37% think they have a job that is utterly useless.

They have, what anthropologist David Graeber refers to as, “bullshit jobs”. On paper, these jobs sound fantastic. And yet there are scores of successful professionals with imposing LinkedIn profiles and impressive salaries who nevertheless go home every evening grumbling that their work serves no purpose.

Let’s get one thing clear though: I’m not talking about the sanitation workers, the teachers, and the nurses of the world. If these people were to go on strike, we'd have an instant state of emergency on our hands. No, I’m talking about the growing armies of consultants, bankers, tax advisors, managers, and others who earn their money in strategic trans-sector peer-to-peer meetings to brainstorm the value-add on co-creation in the network society. Or something to that effect.

So, will there still be enough jobs for everyone a few decades from now? Anybody who fears mass unemployment underestimates capitalism’s extraordinary ability to generate new bullshit jobs.

(...).

Our definition of work, however, is incredibly narrow. Only the work that generates money is allowed to count toward GDP. Little wonder, then, that we have organized education around feeding as many people as possible in bite-size flexible parcels into the employment establishment. Yet what happens when a growing proportion of people deemed successful by the measure of our knowledge economy say their work is pointless?

That’s one of the biggest taboos of our times. Our whole system of finding meaning could dissolve like a puff of smoke.

(...).

I believe in a future where the value of your work is not determined by the size of your paycheck, but by the amount of happiness you spread and the amount of meaning you give. I believe in a future where the point of education is not to prepare you for another useless job, but for a life well lived.

 

(também publicado aqui.)

publicado às 08:52

O problema do workhalism nas startups (e não só)

por Samuel de Paiva Pires, em 31.05.17

David Heinemeier Hansson, Trickle-down workaholism:

It’s not hard to understand why such a mythology serves the interest of money men who spread their bets wide and only succeed when unicorns emerge. Of course they’re going to desire fairytale sacrifices. There’s little to no consequence to them if the many fall by the wayside, spent to completion trying to hit that home run. Make me rich or die tryin’.
(...)
The sly entrepreneur seeks to cajole their employees with carrots. Organic, locally-sourced ones, delightfully prepared by a master chef, of course. In the office. Along with all the other pampering and indulgent spoils AT THE OFFICE. The game is to make it appear as though employees choose this life for themselves, that they just love spending all their waking (and in some cases, even sleeping) hours at that damn office.
(...)
Not only are these sacrifices statistically overwhelmingly likely to be in vain, they’re also completely disproportionate. The programmer or designer or writer or even manager that gives up their life for a 80+ hour moonshot will comparably-speaking be compensated in bananas, even if their lottery coupon should line up. The lion’s share will go to the Scar and his hyenas, not the monkeys.
(...)
So don’t tell me that there’s something uniquely demanding about building yet another fucking startup that dwarfs the accomplishments of The Origin of Species or winning five championship rings. It’s bullshit. Extractive, counterproductive bullshit peddled by people who either need a narrative to explain their personal sacrifices and regrets or who are in a position to treat the lives and wellbeing of others like cannon fodder.

(também publicado aqui.)

publicado às 19:06

What exactly is an entrepreneur?:

In a new paper Magnus Henrekson and Tino Sanandaji argue that the number of self-made billionaires a country produces provides a much better measure of its entrepreneurial vigour than the number of small businesses. The authors studied Forbes’s annual list of billionaires over the past 20 years and produced a list of 996 self-made billionaires (ie, people who had made their own money by founding innovative companies as opposed to people who inherited money or who had extracted it from the state). They demonstrated that “entrepreneur density” correlates with many things that we intuitively associate with economic dynamism, such as the number of patents per head or the flow of venture capital.

 

They also demonstrated it correlating negatively with rates of small-business owners, self-employment and startups—in other words that many traditional measures are about as misleading as you can get.

 

Countries with a lot of small companies are often stagnant. People start their own businesses because there are no other opportunities. Those businesses stay small because they are doing exactly what other small businesses do. The same is true of industries. In America industries that produce more entrepreneur billionaires tend to have a lower share of employees working in firms with less than 20 employees.

 

This makes sense: successful entrepreneurs inevitably destroy their smaller rivals as they take their companies to scale. Walmart became the world’s largest retailer by replacing thousands of Mom-and-Pop shops. Amazon became a bookselling giant by driving thousands of booksellers out of business. By sponsoring new ways of doing things entrepreneurs create new organisations that employ thousands of people including people who might otherwise have been self-employed. In other words, they simultaneously boost the economy’s overall productivity and reduce its level of self-employment.

publicado às 15:53

Sabe bem não pagar nada

por João Pinto Bastos, em 22.12.13

Entendamo-nos: o drama do desemprego é, em todas e quaisquer circunstâncias, um flagelo que corrói vidas, aspirações, vontades, anseios, e, acima de tudo, o bem comum. Quanto a isto não há, creio eu, a menor dúvida, a não ser, claro, para os cínicos que dedicam as suas pobres vidas à indiferença canhestra perante a sorte do outro. Dito isto, é, absolutamente, inacreditável, e friso bem a palavra inacreditável, o que se passou, hoje, no Pingo Doce da Rua 1.º de Dezembro, em Lisboa. Em primeiro lugar, é, no mínimo, ridículo organizar um protesto em frente de um estabelecimento comercial, no caso, um estabelecimento pertencente a um grande grupo económico, tendo como fito exigir um cabaz de produtos. Como era de esperar, dado que não houve da parte do Pingo Doce qualquer intenção de proceder em conformidade com as exigências dos organizadores do protesto, o pedido foi liminarmente recusado, o que, em seguida, motivou um ror de queixas, escrevinhadas no tão famigerado livro de reclamações, cujo cerne residia na recusa por banda dos responsáveis do Pingo Doce em fornecer os alimentos requeridos. Em segundo lugar, este protesto demonstra que, infelizmente, a mentalidade das gentes portuguesas, ou, de algumas dessas gentes, continua a ser, bastamente, reaccionária. Reparem que o argumentário permanece o mesmo: o senhor Soares dos Santos é rico, foge aos impostos, finge a caridade, e lucra com as compras dos clientes. O último argumento é, então, um must. Onde já se viu um empresário, ainda por cima riquíssimo e com fortuna investida na Holanda, ter lucro? Bem vêem que, se nós, portugueses, admitirmos tal coisa ficaremos, segundo a visão desta seita de retardados políticos, repletos de vigaristas sociais. Em resumo, um problema tão sério como o desemprego é, por pura politiquice, totalmente mistificado, servindo, desse modo, agendas obscurantistas, que não têm outro objectivo a não ser fazer Portugal retroceder a um PREC conjurado por alpinistas sociais oitocentistas. É pena, pois, em boa verdade, quem perde com tudo isto são, infelizmente, os desempregados, sobretudo aqueles que não têm voz e que vivem, dia-a-dia, num desespero lancinante em busca de uma migalha de pão ou de um emprego mal pago. É, de facto, lamentável.

publicado às 00:07

Portugal tem vindo a ser delapidado em consequência da política de austeridade imposta pela Troika. Todos os sectores da sociedade sentem na pele os cortes. Uns mais profundos, outros à flor da pele, mas deixando à mesma cicatrizes duradouras. À medida que o Estado falha nos compromissos para com a sociedade, e o governo interpreta a realidade de uma modo contrário aos interesses da população, alguns efeitos de substituição ocorrem por iniciativa privada. O talento e as competências de uma nação se não são aproveitados pelas estruturas locais, outros saberão acarinhar projectos que merecem ter um alcance global. Enquanto alguns atacam indiscriminadamente as conquistas do capitalismo, outros entenderão que as receitas obtidas através do mercado aberto, podem e devem ser reinvestidas na sociedade civil. A fundação Bill & Melinda Gates apenas existe porque um bilionário eticamente movido decidiu partilhar o seu espólio com o resto do mundo. A Esquerda que sonha com um mundo sem capital, sem mais-valias e com igualdade utópica, tem, nestas ocasiões de engolir em seco e aceitar os cheques que falam por si. A investigação levada a cabo por uma "dream team" portuguesa para desenvolver uma vacina contra a malária, acaba de receber um cheque de um milhão de dólares da fundação do "inventor" da Microsoft. Provavelmente sem este financiamento os trabalhos correriam o risco de ser arrestados. O Instituto de Medicina Molecular faz parte da matriz da ciência que deve ser cega perante a carga ideológica do dinheiro. Portugal que está em sérias dificuldades económicas e sociais, demonstra que tem gente ao mais alto nível com trabalho de excelência desenvolvido em nome da humanidade. Sei que este país tem mais equipas sensacionais que se excedem em tantos campos de saber e prestígio. É neste campeonato que Portugal deve apostar, e se não o conseguir fazer, deve agradecer ao "capitalista ganancioso e especulador" que investiu sem reservas um bom punhado de dólares. Gostava de ver a Esquerda praticar esta religião capitalista de partilha antes de se pôr a contestar os malefícios do tabaco.

publicado às 20:51

O infortúnio do dinheiro maduro

por John Wolf, em 10.11.13

Nos dias que correm somos vergastados por um pau de dois bicos. Na arena, alinhado para um combate feroz, temos num dos cantos do ringue, o campeão da esquerda alucinada, que necessita de conquistar a qualquer custo o beneplácito dos seus súbditos. A Venezuela, mergulhada que está numa profunda crise económica e social (com inflação a rondar os 50%), observa a praxis revolucionária do seu presidente Nicolas Maduro. Numa espécie de fenómeno de assalto à Pingo Doce (Pingo Amargo) com a imposição de um desconto, ordenou ao exército a ocupação de uma importante cadeia de lojas, para pôr cobro aos excessivos lucros da empresa. O preço justo, que este preconiza, rasga com as leis de mercado, e impõe-se à força. Naquele país a ideia de empreendedorismo morreu. Ou melhor, foi assassinada. Não vale a pena pensar na mais-valia, no lucro e no esforço - capitalismo é uma actividade criminosa. Ponto final. No outro canto do ringue, do outro lado do Atlântico, o banco suiço UBS acaba de publicar o seu relatório sobre a evolução das grandes fortunas do mundo. Portugal viu crescer o seu número de multimilionários para 870. Em jeito de aproveitamento da azia, logo se estabeleceu a ideia que todo o grande dinheiro é nefasto. Que fortuna é sinónimo de roubalheira. Os analistas de caras ou coroas foram lestos em pegar numa ponta solta. O recém-eleito e independente presidente da câmara do Porto Rui Moreira, foi colocado na prateleira da grande fortuna. E esse facto tem a sua relevância. Em Portugal serve de precedente para a peregrinação política, mas feita em sentido inverso. De cima para baixo. O político não chegou roto de Castelo Branco, para volvidos poucos anos estar metido em alegados esquemas de fortuna escondida em off-shores. Este político já teve uma vida de dinheiro. Este político já viveu à grande e à francesa. Este político já tem quanto baste e esse facto deve servir de exemplo. Este tipo de perfil de servidor de causas públicas deve ser destacado em Portugal. Serão aqueles com mais meios que devem de um modo ético e voluntário, colocar a sua energia ao serviço de causas maiores. O problema em Portugal não está nas grandes fortunas, mas sim na quase total ausência do espírito filantrópico - a inclinação ética para colocar a nossa sorte ao serviço de outros. Quando um político chega com a sua mala de cartão, temos motivos de sobra para ficar desconfiados. Quanto ao oposto, desde que a fortuna amassada tenha sido realizada de modo honesto, não vejo porque razão esta deva ser atacada. Afinal, qualquer actividade humana se rege por esse princípio de vantagem maior. Que eu saiba a natureza humana firma-se mais na coluna da acréscimo, a soma. Na predisposição para acumular o máximo possível. Chamem-lhe capitalismo, sim senhor. Uma modalidade praticada à esquerda e à direita, por falsos ideólogos e sonhadores, pelo mercado de activos e sujeitos passivos. Por escritores que se querem destacar perante os outros. Por editores que trabalham para gigantes monopolistas e que querem os lucros colossais de um best-seller (pagando por isso um pequeno royalty ao autor). Por intelectuais que querem dominar a cena, esmagando os rivais com a força dos seus argumentos. Por artistas plásticos que dominam por completo o espaço de vários Versailles, sem deixar um pequeno lote que seja a pequenos aspirantes. Portanto, como podem ver, esta falsa moralidade de fortunas e dinheiros não tem nada a ver com divisas. A questão que as nossas sociedades enfrentam, tem a ver com a ideia de concessão de oportunidades aos menos afortunados. O dinheiro não é necessariamente uma coisa suja. São sujas as mãos que embalam as notas de cem, de milhar ou milhões, mas que esquecem os outros que fazem tilintar escassos trocos nos bolsos furados. 

publicado às 08:54

The Pervert's Guide to Ideology

por Samuel de Paiva Pires, em 03.11.13

 

Alguns apontamentos interessantes, outros altamente discutíveis e demasiadas interpretações abusivas que Zizek tenta passar como verdades alicerçadas na psicanálise de Jacques Lacan compõem The Pervert's Guide to Ideology, um filme que irá provavelmente ser um sucesso de bilheteira num Ocidente cada vez mais à deriva e em que a larga maioria dos espectadores provavelmente não terá recursos intelectuais para o desmontar e criticar, especialmente quanto a erros de palmatória (por exemplo, Zizek afirma que Kant defende a ideia de nobre mentira de Platão, quando, na verdade,  Kant é um dos poucos grandes filósofos a ter defendido que mentir é sempre moralmente errado, estando na companhia apenas de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino). Mais uma lança avançada do marxismo cultural contra o capitalismo, mas que acaba numa mão cheia de nada em que aquilo que me parece mais importante reter, especialmente em resultado do óbvio viés ideológico e de várias deficiências intelectuais de Zizek, é que este alegado filósofo é extremamente sobrevalorizado. Que seja um dos mais reputados intelectuais mundiais diz muito da degenerescência intelectual do Ocidente.

publicado às 14:06

 

Está um porta-aviões norte-americano em Lisboa, o USS Dwight Eisenhower. Amanhã vou visitá-lo, a convite da Embaixada dos EUA. Sim, para algumas mentes brilhantemente mentecaptas, sou um ultra-neo-liberal-capitalista-fássista-imperialista-militarista-atlantista, ou seja, um filho do Demónio. O mesmo é dizer que não me queixo hipocritamente do capitalismo que produz as armas que os moderninhos revolucionários de sofá tanto gostam de utilizar, e muito menos me indigno selectivamente e aplaudo alguns eleitos como Steve Jobs, embora não deixe de notar, como Chesterton, que o conceito de propriedade foi corrompido pelos grandes capitalistas e que estamos, como Tiago Caiado Guerreiro fazia notar há dias, a viver num sistema cada vez mais semelhante ao feudalismo em que a maioria das pessoas são meros servos da gleba. Afinal, não consta que os grandes senhores neo-feudais sejam propriamente defensores do liberalismo e do capitalismo que pugna pelo mercado livre, aquele onde as empresas (como os bancos) mal geridas vão mesmo à falência, não sendo resgatadas por dinheiro dos contribuintes obtido através de uma sempre crescente carga fiscal. Num tempo em que o debate político se deixa enredar pelo economês e as partes em contenda tendem a barricar-se em trincheiras com categorias pouco ou mal definidas e/ou que dificilmente correspondem às realidades que pretendem explicar, vale a pena citar José Adelino Maltez:


«Um liberal não precisa de ser anarco-capitalista para reconhecer que o Welfare State sofre de raquitismo, quando se admitiram estruturas adiposas de gordura sem adequado músculo e calcificada ossatura, que puseram em causa as articulações e a própria estrutura óssea do corpo social. Contudo, ao mesmo tempo que fala em menos Estado, relativamente aos intervencionismos anteriores, também clama por um melhor Estado, isto é, por uma nova intervenção da esfera pública em domínios como os da qualidade de vida, do ambiente e da descentralização, visando responder, com justiça, às novas questões sociais.

Ser liberal não significa ceder às forças reivindicadoras do capitalismo autenticamente selvagem e multinacional que, mantendo a justiça e a dimensão ética dentro dos respectivos espaços político-culturais, exportam, para os terceiros e quatros mundos, essas vias super-liberalistas para a construção de um laboratório do mercado da concorrência perfeita.

Mas esta não passa de um mero exercício mental daqueles ideologismos economicistas que não foram, nem serão, aplicados em qualquer lugar e em qualquer tempo, salvo nos exercícios de imaginação teórica dos modelos académicos e dos manuais pedagógicos, dado que os povos, feitos de homens concretos, de carne, sangue e sonhos, não podem ser cobaias de experimentação para tais tratamentos de choque.»

publicado às 15:59

Ratzinger, a polemização necessária

por João Pinto Bastos, em 03.01.13

Não tenho por norma dissentir das postas dos meus ilustres confrades, aliás, concordo geralmente com tudo o que os escribas deste blog escrevem. Contudo, e como há sempre uma primeira vez para tudo, desta feita sou obrigado a discordar em parte do longo comentário da Regina da Cruz a propósito da Mensagem de Ano Novo, de Sua Santidade Bento XVI. Subscrevo a opinião da Regina no tocante ao erro que Bento XVI cometeu ao afirmar que o "capitalismo desregulado" é o grande responsável pela crise económica e financeira do último lustro. Erro esse, justificado pela observância imprescritível da doutrina social da igreja que não é propriamente um receituário ou uma súmula de prescrições liberais. Como podem depreender do que venho escrevendo neste blog e noutros fóruns não considero o capitalismo como o grande responsável pela crise. Sou, à semelhança da Regina, um apreciador inveterado das virtudes do capitalismo. Gosto do frémito da liberdade induzido pela criatividade que só um regime de mercado e livre concorrência consegue gerar. Liberdade e criatividade devidamente temperadas pela ética, como muito bem sublinhou a Regina. O busílis do argumento desfiado pela caríssima colega prende-se não com a apologia do capitalismo, que acompanho e suporto, mas sim com o breve libelo contra o Papa e a Igreja. A Igreja, não obstante os erros, desvios e imperfeições que qualquer instituição naturalmente possui - e, aqui, mais uma vez sigo a opinião da Regina - é uma das derradeiras formas de vida inteligente que existem neste mundo pós-moderninho. Mais, se há alguém que tem apelado à renovação espiritual do homem, esse alguém tem sido Bento XVI. Com os vitupérios do costume provindos dos artesãos do politicamente correcto. Portanto, quando a Regina fala em reabilitação dos valores humanos fundamentais deveria olhar, em primeiríssimo lugar, para a Igreja, por uma razão bastante singela: em tudo o que diga respeito à vida humana, a Igreja está e estará sempre na primeira linha de defesa do justo e do direito. Ontem, hoje e amanhã. A raiz do catolicismo bebe, justamente, nesta predisposição para a dádiva.

 

A Igreja não tem uma história impoluta? É um facto indesmentível. A Igreja deixou em vários momentos de viver a palavra de Cristo? Sim, é verdade. A Igreja favoreceu, em muitas circunstâncias, os grandes deste mundo? Infelizmente, sim. Tudo isso é verdade, porém, o que atrás foi dito não ajuda, de todo, a explicar o porquê de, ainda hoje, muitas pessoas devotarem à autoridade papal um respeito invejável. A relevância da Igreja mostra-se no dia-a-dia, nos magistérios da palavra e da acção, com o Homem como pano de fundo. As "palavras vazias" e os "rituais anacrónicos" são a razão de ser da Igreja. Sem eles nada faria sentido. Com eles a comunidade de fiéis alarga e fortalece os seus horizontes. O Governo da Igreja, tão criticado por alguns, é a prova de que a conjugação entre autoridade e liberdade é uma possibilidade bem real, testada ao longo de dois mil anos. Não são muitas, se não mesmo nenhumas, as formas políticas que podem gabar-se de combinar hierarquia com autonomia, justapondo autoridade pessoal com descentralização. O Governo da Igreja, considerado amiúde como uma antigualha bárbara, é um resguardo imprescindível em tempos de niilismo político e cultural. Bento XVI soube interpretar, como poucos, a impessoalidade do mundo contemporâneo, chamando a atenção para o relativismo que acomete todos os recantos da vida social. Impessoalidade que não brota apenas da falta de ética que perpassa os mecanismos económicos. A origem desta maleita é bem mais funda, grave e periculosa. É por isso que, por mais que eu possa discordar desta ou daquela afirmação do Santo Padre, nada me levará a dizer que a Igreja pouco ou nada faz pelo bem-estar espiritual do Homem. Faz e muito, sobretudo junto dos que mais precisam, assim como, dos que anelam por um futuro melhor. Talvez o tom seja demasiado apologético, mas a verdade é que nunca como hoje a Igreja foi tão necessária. O filisteísmo relativista só será combatido com autoridade e auctoritas. Bento XVI encarna na perfeição estes dois predicados.

publicado às 01:22

Socialismo bancário

por João Pinto Bastos, em 20.12.12

A crítica do neoliberalismo provinda do centro-esquerda é um must imperdível. Estamos, basicamente, a falar dos sectores políticos que mais beneficiaram do conluio com o sector financeiro. Entretanto, como não poderia deixar de ser porque o que é tem sempre muita força, o sector financeiro, por outras palavras, a bancocracia, continua incólume e intocada no altar dos dogmas inamovíveis. Como disse há tempos o Jorge Costa, vivemos no regime do socialismo bancário. No fundo, uma boa descrição do estado a que chegámos. Um regime que acolheu tudo e todos, esquerda e direita, esquerdinhas e direitinhas. E não me venham com os neoliberalismos, paleoliberalismos e capitalismos do costume, porque isto não tem rigorosamente nada a ver com um sistema de mercado e de livre concorrência. Trata-se tão-só de socializar os prejuízos, uma espécie de senhoriagem global que ninguém controla. Sobretudo nós, os papalvos que amarfanhamos tributos e contribuições infindáveis. Sempre em nome da sacrossanta democracia de pechisbeque.

publicado às 01:47

Maradona em grande

por Samuel de Paiva Pires, em 16.05.12

Ou de como os comunistas não são capazes de ver o óbvio, "Qual é o valor da tua ferramenta?":

 

«150 ou coisa assim anos depois do início da luta comunista propriamente estruturada contra o capitalismo, ainda existem comunistas que escrevem coisas assim: "Até para o mais fiel defensor da boa fé dos mercados e do capitalismo, [não sei quê não sei que mais]". Isto significa que o Tiago Mota Saraiva vê o defensor do capitalismo, ou seja, a pessoa contra a qual dedica grande parte da sua energia ideológica, como alguém que alimenta as suas tácticas e estratégias políticas segundo o pressuposto de que "os mercados" possuem, ou são capazes de gerar, uma moral e justiça inquestionáveis, as quais devem ser preservadas e emolduradas em talha dourada. Ora, excepto para uma meia dúzia de excêntricos, nenhum defensor do capitalismo possui qualquer ilusão quanto à verdadeira competência do capitalismo: é, de muito longe, a forma de organização que mais informação consegue produzir para uso efectivo das relações económicas entre pessoas, organizações e países; e que, em consequência disso, a diferença de capacidade produtiva entre uma sociedade comunista e uma sociedade capitalista é tal que mesmo uma ideologia de inequívoca "boa fé" como o comunismo nunca jamais conseguirá oferecer aos seus súbditos condições de vida comparáveis ao capitalismo mais escandalosamente amoral e selvagem, e isto mesmo descontanto as mundialmente famosas desigualdades. E é só isto, um gajo não se põe a protestar boas fés, muito menos a nossa. Enquanto o Tiago Mota Saraiva não for a banhos com esta simples observação, a sua luta será sempre contra uma mera meia dúzia de fantasmas da raia capitalista, que com certeza lhe permitirão viver sem atribulações dialécticas, mas que muito dificilmente avançarão a sua causa (...)»

publicado às 12:50

O normalíssimo François Hollande

por Samuel de Paiva Pires, em 13.05.12

Alberto Gonçalves, "Liberdade, igualdade, normalidade":

 

«Enquanto obedece à tradição local e enche a boca de fanfarra nacionalista para falar de "la France", François Hollande gosta de se proclamar "um homem normal". A imprensa, por lá e por cá, gostou do auto-retrato e, decerto para evitar canseiras, desatou a usá-lo com abundância nas manchetes da vitória: "uma presidência 'normal'"; "um senhor 'normal' no Eliseu"; "a vitória de um homem 'normal'", etc. O adjectivo define menos o sr. Hol- lande do que a concepção que o sr. Hollande e, pelos vistos, boa parte dos jornalistas têm da normalidade.

 

Basta espreitar o currículo do sujeito. Em 1974, ainda estudante universitário, o sr. Hollande voluntariou-se para a campanha de François Mitterrand. Mal se licenciou, conseguiu emprego numa comissão governamental. Aos 25 anos, inscreveu-se no Partido Socialista. Aos 27, concorreu ao Parlamento nacional. Não ganhou, mas viu o esforço recompensado com um cargo de conselheiro do então recém-eleito Mitterrand. Em 1983 foi vereador de uma cidadezinha do interior e, em 1988, chegou enfim a deputado, posto que perdeu em 1993 e recuperou em 1997. Pelo meio, divertiu-se em tricas partidárias e Lionel Jospin escolheu-o para porta-voz do PS. Nem de propósito, em 1997 tornou-se líder do PS, honra que lhe caberia por mais de uma década. Em 2001, pairou pela autarquia de Tulle. Desde 2008, o sr. Hollande prosseguiu o tirocínio numa presidência regional. Agora, é presidente da República.

 

Um homem normal? Normalíssimo, se a palavra definir as criaturas que passam a vida inteira sem, digamos, trabalhar. Esta linha de pensamento olha de viés os que algum dia arriscaram colocar o pé fora da política e experimentaram uma profissão a sério. O sector privado é coisa de excêntricos e, convenhamos, de excêntricos pouco confiáveis. Na França e aqui, o Estado é a norma.

 

As ideias do sr. Hollande também são normais. Naquilo que nos toca, conheço-lhe uma: a austeridade é má. E não custa nada encontrar gente, igualmente normal, que partilha a opinião. Só em Portugal, Francisco Louçã reclama o fim da austeridade, Mário Soares jura que a austeridade não faz sentido e António José Seguro, que naturalmente tomou o triunfo do sr. Hollande a título pessoal, acha a austeridade excessiva e dispõe-se a sair à rua em protesto.

 

É inacreditável como é que ninguém se lembrou disto antes. Afinal, a solução não passa por apertos que nos atormentam a bolsa e a existência: passa, obviamente, pelo crescimento, definição lata para a estratégia que consiste em gastar acima das possibilidades, viver de prometidos mundos e fundos, contemplar a descida das promessas à Terra, acumular dívida, rebentar com estrondo e atribuir a culpa de tudo às agências de rating, à sra. Merkel e, grosso modo, ao capitalismo selvagem.

 

Para surpresa de uns poucos (muito poucos), a solução dos problemas implica o regresso ao estilo descontraído que alimentou os problemas. E se a solução talvez não seja o sr. Hollande, entretanto já empenhado em desmentir os delírios de campanha e prevenir os franceses para as maçadas que os esperam, é garantido que a solução virá, no mínimo espiritualmente, de França. Chama-se José Sócrates e é, para sermos educados, outro homem normal.»

publicado às 14:23

Idiotas úteis

por Samuel de Paiva Pires, em 29.02.12

publicado às 15:51

O mito da desregulação financeira

por Samuel de Paiva Pires, em 15.12.11

Aconselha-se vivamente a leitura deste artigo e deste paper, ambos datados de 2009, sobre um mito papagueado por muita gente.

 

Anthony Randazzo:

 

«Given all the talk of deregulation, you would expect to find dozens of deregulating laws put in place over the past few years. Surprisingly, there have only been three major deregulatory actions in the past 30 years. Ultimately, the data points to bad regulation as complicit in the creation of the financial crisis, not deregulation.»

 

(...)

 

Had mark-to-market regulations been more flexible banks would have had more time to raise capital and sell assets. Had Wall Street firms not seen Washington as a lender of last resort that would bail out investments gone awry, they would have managed their risk better. Had capital reserve ratios been higher banks and investment institutions would have had more liquidity when prices dropped (though some firms, like AIG, simply became insolvent and wouldn't have been saved by higher reserves). Or, if qualified special purpose entities—an off-balance sheet accounting method—had required more transparency, banks would have had to keep more risky mortgages on their books, subject to reserve requirements.

 

Indeed, even if these three deregulations had no caveats explaining away their supposed link to the current financial crisis, they would still hardly constitute a historical trend. In contrast, historical periods of high regulation have proven decidedly unfavorable. Financial sector regulation during the 1970s was much heavier than today, and that did not prevent stagflation, with unemployment reaching nine percent in May 1975 and inflation nearly topping 14 percent.

 

Similarly, Europe currently boasts some of the world's tightest financial sector regulations, and its banks have suffered just as much, if not more than American banks in this recession. European banks made the same bad bets, the same poor investments, and the same over-leveraged mistakes—despite more regulation and government oversight.

 

However, the answer is not increased layers of government oversight. Giving regulators increased oversight of hedge funds, forcing the standardization of derivatives, or creating a systemic risk council will cause more harm than any good. Neither will expanding the Fed's powers ex post facto. Richard Fisher, President of the Federal Reserve Bank of Dallas, told the Wall Street Journal last month that regulators had enough authority to prevent a crisis. They simply failed to do so.

 

A far more prudential regulatory response is to fix broken rules—like the government has done with mark-to-market—and to have regulating agencies do a better job of oversight for 21st Century financial products. In a world of continually innovative investment strategies, flexible regulation from a loose government hand will prove most beneficial to a sustainable economy. The worst thing Washington could do is buy into the false history of phony deregulation and create more oppressive rules and stifling agencies that extend our economic struggles.»

 

 

Peter J. Wallison:

 

«The causes of the financial crisis remain a mystery for many people, but certain causes can apparently be excluded. The repeal of Glass-Steagall by GLBA is certainly one of these, since Glass-Steagall, as applied to banks, remains fully in effect. In addition, the fact that a major CDS player like Lehman Brothers could fail without any serious disturbance of the CDS market, any serious losses to its counterparties, or any serious losses to those firms that had guaranteed Lehman’s own obligations, suggests that CDS are far less dangerous to the financial system than they are made out to be. Finally, efforts to blame the huge number of subprime and Alt-A mortgages in our economy on unregulated mortgage brokers must fail when it becomes clear that the dominant role in creating the demand—and supplying the funds—for these deficient loans was the federal government.»

publicado às 00:35

Vejo Vítor Ramalho na TVI24 a explicar o porquê do manifesto soarista de hoje. Lanço um desafio muito simples a todos os que "querem corrigir as leis económicas" regulando os mercados: concretizem essa ideia vácua. O que querem regular? Porquê? E como? Digam só uma medida concreta do que pretendem fazer, vá lá, não deve custar muito.

publicado às 21:34

O Paradoxo dos Indignados

por Samuel de Paiva Pires, em 17.11.11

(Artigo publicado no n.º 3 do Lado Direito, jornal da Juventude Popular de Lisboa)

 

O mês que passou viu as ruas de centenas de cidades em todo o mundo serem varridas por uma vaga de indignações e ocupações. Enquanto na Europa o efémero movimento já perdeu força, nos Estados Unidos da América os ocupantes de Wall Street continuam a aumentar os seus números. Motivados pelo livro panfletário Indignez-vous! da autoria do intelectual francês Stéphane Hessel e, certamente, pelo revanchismo patente em Inside Job, uma película cinematográfica à boa maneira de Hollywood, plena de pseudo-moralismo esquerdista, os “indignados”, a começar por Hessel, acertam no diagnóstico mas falham redondamente na cura, conforme Axel Kaiser e Russ Roberts evidenciam.

 

Os indignados acertam em cheio quando reclamam contra a relação promíscua entre o poder político e a banca. Tanto nos EUA como na Europa, assistimos nas últimas décadas a uma convergência de interesses entre políticos e banqueiros. Os políticos expandiram o aparelho estatal a coberto do Estado Social, prometendo benefícios e direitos como forma de ganhar eleições, e ao aperceberem-se que não seria aceitável aumentar (ainda mais) os impostos cobrados aos contribuintes, descobriram que a forma que tinham de continuar a financiar as suas clientelas eleitorais e partidárias era através de empréstimos, ficando em larga medida à mercê da banca. Na Zona Euro, acresce ainda uma outra perversão, a da moeda única. Esta incentivou os países conhecidos jocosamente como PIIGS a endividarem-se a juros baixos, que se justificavam em virtude dos investidores terem encarado os títulos de dívida destes tão seguros quanto os da Alemanha, crendo que esta e a França os resgatariam se algum deles entrasse em incumprimento. Com estes incentivos, não admira que os políticos dos países do sul da Europa tivessem aproveitado a oportunidade para prometer aos eleitores mais benefícios, assim conseguindo vitórias eleitorais e alargando redes clientelares onde a promiscuidade entre políticos, banqueiros e empresários é a regra. E tanto na Zona Euro como nos EUA, a actividade dos bancos centrais é também ela perversa, pois não só criam dinheiro a partir do nada e mantêm taxas de juro artificialmente baixas, como se prestam ainda à função de credor de último recurso, resgatando bancos privados mal geridos em vez de os deixarem falir, como defende o mercado livre e o capitalismo.

 

Mas os ocupantes de Wall Street e os seus camaradas europeus falham redondamente quando ao criticarem este panorama o denominam como capitalista, visto que na realidade aquilo a que assistimos é mais correctamente designado por crony capitalism, ou seja, uma perversão do capitalismo em que os privados se tornam próximos do poder político e fazem depender o seu sucesso dos favores que este lhes confere. O diagnóstico dos sintomas está correcto, mas a doença não é demasiado capitalismo mas sim pouco capitalismo. O capitalismo e o mercado livre fundamentam-se, como Kaiser assinala, na concorrência entre actores privados como os bancos e empresários, na ausência de agências de planeamento monetário centralizado, na falência de empresas que são geridas de forma irresponsável, numa moeda forte que assegure o poder de compra do dinheiro das pessoas, e na ausência de relações promíscuas entre o governo e as elites económicas. Ou seja, exactamente o oposto daquilo a que vimos assistindo um pouco por todo o Ocidente.

 

A solução dos indignados para um problema que é reflexo da expansão do aparelho estatal é mais estado, o que é perfeitamente ilógico: é o paradoxo dos indignados. Para Hessel, se os políticos e burocratas tiverem mais poder, o sistema será menos corrupto. A evidência histórica mostra precisamente o contrário, e não é por acaso que os países mais corruptos são aqueles onde o estado e os políticos têm mais peso na sociedade. Esta solução errada baseia-se em ideias que há muito vêm fazendo escola no pensamento político, tendo contribuído para alguns dos maiores desastres da humanidade, nomeadamente a combinação entre o colectivismo e o bem comum na perspectiva de Rousseau e a rejeição da liberdade individual que é o fundamento essencial da civilização ocidental.

 

Torna-se, por tudo isto, perigoso que no debate público as ideias erradas dos indignados, subscritas por muitos intelectuais, criem raízes duradouras. Indignações fundamentadas em ideias erradas reflectem-se em soluções erradas, apenas agravando o problema. E é por isso que intelectuais, académicos e políticos com especial responsabilidade na criação e difusão de ideias devem esforçar-se para que o debate público não se torne, como em outras épocas, propício a que ideias potencialmente totalitárias se tornem dominantes.

publicado às 12:54

Capitalismo e moral

por Samuel de Paiva Pires, em 10.11.11

Anthony de Jasay, Finance in Parrot Talk:

 

«Where capitalism is superior to its real or putative alternatives is in its relation to morality. It is the only system where the optimal rule to follow in order to achieve success is "honesty is the best policy", ( though following a rule is not the only or necessarily a better road to success than not following one). Capitalism, as has been recognised by the more intelligent among its defenders, systematically economises morality: it needs less of it than other systems in order to function properly. It achieves more with morally fallible human agents than in other systems could hope to do by relying on the scarce supply of clean-handed, selfless, public-spirited people they could find. Capitalism shrinks the opportunities for corruption, pre-capitalist and socialist systems open them widely.»

publicado às 01:10

Sugestões de leitura

por Samuel de Paiva Pires, em 09.10.11

Os índios de Wall Street, por Alberto Gonçalves:

 

«Nas últimas semanas, diversas cidades dos EUA acolheram manifestações de jovens furiosos. Embora a fúria se prenda com a suspeita de que terão de trabalhar para sobreviver, os jovens preferem inventar razões menos prosaicas e reclamam-se dos "valores" dos acampados de Madrid e dos insurgentes do Norte de África, curiosas inspirações que, no limite, significariam a oposição ao sabonete e, no segundo caso, o desejo de levar uma existência de acordo com os sábios preceitos do Corão.

 

(...)

 

É igualmente interessante reparar que o movimento, na verdade de uns escassos milhares, foi iniciado por uma organização anticonsumo (?) chamada Adbusters. Dado que todos ostentam laptops, telemóveis e iPads, ou os aderentes não perceberam bem a ideia ou convenceram-se de que as geringonças tecnológicas da moda são concebidas por pequenos artesãos reunidos em comunas e vendidas sob as regras do comércio dito justo.»

 

Hipocrisias e contradições, por Carlos Guimarães Pinto:

 

«Um dos argumentos mais utilizados pelos opinadores de esquerda para justificarem a contradição entre o fim que dão aos seus rendimentos privados e a ideologia que defendem, é o facto de terem que se sujeitar à realidade em que vivem. Mais tarde ou mais cedo, acabam por contra-argumentar que também os defensores de uma economia de mercado se aproveitam dos serviços prestados pelo estado. Este argumento esquece a natureza dos serviços fornecidos pelo mercado e pelo estado. Os produtos disponibilizados pelo mercado garantem sempre a possibilidade de o indivíduo se auto-excluir de os financiar, não usufruindo deles.

 

(...)

 

O contra-argumento de que os defensores da economia de mercado utilizam bens públicos também faz pouco sentido. Quando um defensor de uma economia de mercado utiliza serviços públicos não está a contrariar as suas convicções, porque, antes e independentemente de os vir a usufruir, já foi coagido a financiar esses mesmos serviços. O usufruto dos serviços públicos que financiou coercivamente é uma questão de justiça, não de hipocrisia moral.»

 

Mais socialismo, por Gabriel Silva:

 

«Nem o Estado percebe pevide de «empreendedorismo» nem de inovação, pelo como pode promover tal coisa? E um empreendedor que precise do Estado ou um inovador, são na verdade uns encostados. O que não é inovação nenhuma nem empreendedorismo, mas sim uma chaga nacional.

 

(...)

 

Que ministro é este que entende que existe «capital de risco público»?  Se é público, é dinheiro dos contribuintes. Onde está o risco ao se dar esse capital a uns encostados quaisquer? Nenhum! Se correr mal, paciência, o contribuinte fica a penar mais, o gestor passa para  outra empresa pública, o encostado vai à sua vidinha e até logo.  Se correr bem, como ter a  percepção do momento ideal de retirada, ou de investir noutra iniciativa? Um burocrata que usa dinheiro público? Santa paciência! Deixem-se de fosquinhas e chamem as coisas pelos seu nomes verdadeiros: emprestimos, subsídios, subvenções, apoios, benefícios. Em suma, transferência do património dos contribuintes, socialismo.»

publicado às 13:54

O capitalismo é inerente à condição humana

por Samuel de Paiva Pires, em 22.08.11

Um excelente post do João Távora:

 

«Há quase quatro anos que o liberalismo foi julgado, culpado e anunciado em extinção, apesar da crise ter sido causada em boa parte pelo socialismo europeu e seus congéneres americanos que, com a ajuda dos bancos, despejaram dinheiro sobre o povo como se não houvesse amanhã. Hoje, os mesmos arautos anunciam, alto e bom som o fim do capitalismo, um Wishful thinking da canga revolucionária pseudointelectual dominante.

Eles não aprendem. O fim do capitalismo é um pouco como o fim do mundo: estão condenados a acabar ao mesmo tempo. Porque o capitalismo é intrinsecamente humano, inseparável da liberdade, condição essencial da sobrevivência da espécie. Acontece que o homem, e por inerência o capitalismo são senhores duma extraordinária resiliência: adaptam-se para sobreviver. O mundo não acaba amanhã: por muito que nos custe, temos é muito que padecer e batalhar. É a nossa condição.»

publicado às 23:01






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