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Alexandre Homem Cristo, Os soberanos:
É que, vistas em conjunto, estas e outras contradições exibem, afinal, uma harmonia infalível: Freitas do Amaral e Ferro Rodrigues podem ser contraditórios, mas o seu objectivo em ambas as circunstâncias não varia – defendem os seus próprios interesses (através dos do PS), procurando limitar o acesso da direita ao poder. Nas suas cabeças, as questões constitucionais e eleitorais dispensam grandes discussões: se os beneficia, a regra está correcta; se os prejudica, aconselha-se a excepção. Numa adaptação livre do pensamento de Carl Schmitt, são soberanos: decidem quando a regra é válida, quando a excepção se impõe, quando a tradição se cumpre.
(foto daqui)
Carl Schmitt, "Democracia e parlamentarismo", in Diogo Pires Aurélio (coord.), Representação Política - Textos Clássicos:
«Que o parlamento, de facto, possua politicamente a capacidade de formar um escol político, é algo que se tornou muito duvidoso. Hoje já não se pensa tão esperançosamente sobre este instrumento de selecção; muitos são os que já consideram estas esperanças como obsoletas, e a palavra «ilusões», que Thoma utiliza contra Guizot, pode facilmente atingir também aqueles democratas alemães. Aquilo que os inúmeros parlamentos dos diferentes estados europeus e extra-europeus produziram ininterruptamente como escol político, entre centenas de ministros, não justifica um grande optimismo. Mas, pior ainda e quase aniquilador daquelas esperanças, em vários estados, o parlamentarismo já atingiu o ponto em que todos os negócios públicos se transformam em objectos de presa e compromisso dos partidos e dos respectivos séquitos, e a política, muito longe de ser assunto de um escol, tornou-se o negócio bastante desprezado de uma bastante desprezada classe de pessoas.»
Apetece relembrar a frase de abertura do clássico Teologia Política, da autoria de Carl Schmitt: «Soberano é aquele que decide sobre o estado de excepção.» Como, de acordo com Walter Benjamin, a excepção transformou-se em regra, importa rever a constituição em virtude da cada vez mais imperiosa necessidade de limitar os poderes do soberano, para que se minorem os abusos do poder que o povo lhe confere. Infelizmente, Giorgio Agamben parece estar coberto de razão (Estado de Excepção):
«A criação voluntária de um estado de emergência permanente (mesmo se eventualmente não declarado em sentido técnico) tornou-se, desde então, uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, mesmo dos chamados democráticos.
Perante uma progressão imparável daquela a que se chamou uma «guerra civil mundial», o estado de excepção tende cada vez mais a tornar-se o paradigma de governo dominante na política contemporânea. Esta transformação de uma medida provisória e excepcional em técnica de governo ameaça transformar radicalmente - e já, de facto, transformou sensivelmente - a estrutura e o sentido da distinção tradicional das formas de constituição. O estado de excepção apresenta-se, pois, nesta perspectiva, como um limiar de indeterminação entre democracia e absolutismo.»