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Estamos de acordo em relação ao seguinte: o mundo é plano (Thomas L. Friedman tem razão), mas como poderemos estabelecer um critério de defesa da identidade cultural de um país, quando a mesma é uma amálgama de influências e estilos? Para acabar com esta incursão de "comida rápida" teríamos de ser coerentes e excomungar outros vícios. A saber: essa nefasta praga de festivais de rock; as calças de ganga rasgadas pelas nalgas; as tatuagens e piercings de umbigo; as passadeiras vermelhas de uns globos de ouro (versão manhosa do red carpet de Hollywood); os bonés de hip-hop e os cumprimentos ritualizados que envolvem encosto de punhos e "tá-se bem"; revistas tipo Vanity Fair, mas chamadas de Cristina e afins ou os surfistas e toda a sua parafernália de moda e estilo. Enfim, o lápis vermelho não é seguramente o baton da Catarina Portas. Quando a senhora empresária decidir internacionalizar a sua "vida portuguesa" para uma rua confinante à Times Square em Nova Iorque, o que dirão os porto-riquenhos que já tomaram conta do bairro italiano? Pasta medicinal Couto?
Portugal é um país contraditório. Preso por ter e não ter cão. Há escassos anos lamentava-se que o sector do Turismo não estivesse a ser aproveitado em todo o seu esplendor. Faz-me espécie que alguns departamentos de uma Esquerda iluminada demonstrem o seu desagrado pelo facto dos encantos de Lisboa terem sido descobertos por essas hordas de turistas delapidadores da identidade nacional. Já havíamos tido a ocasião de escutar Catarina Portas dissertar sobre o arrastão de expressão brejeira da oferta turística na Baixa. Pois é. Nem todos os comerciantes tiveram acesso a certos privilégios de concessão, entre outros favores de difícil qualificação. As vozes que referem a perda da virgindade da identidade nacional, ecoam de palanques esquerdinos que roçam o nacional-proteccionismo. Em época de vagas magras, o Turismo tem sido o farol de vigor económico. É natural que estejamos a assistir a um processo de ajustamento. Existem sempre dimensões na oferta que têm de ser afinadas, mas isso faz parte da passagem a um outro patamar de desenvolvimento. A mentalidade tem, desse modo, de acompanhar os novos tempos. Ninguém disse que a procura acrescida que se regista seria desprovida da evidência das limitações que se apresentam. O quadro maior é que interessa. Portugal é um destino de eleição para milhões de turistas. Mas deixem-me vos contar uma pequena história. Em 1979, quando chegámos a Portugal, mais concretamente ao interior do Algarve, o meu pai, um homem que já havia vivido nos quatro cantos do mundo, ficou rendido a um néctar da região. Sem meias-palavras o meu progenitor reconheceu as virtudes excepcionais de um produto local. Na sua opinão essa pomada era muito melhor que a Grappa italiana ou a Aquavit escandinava. Sim, falo de Medronho. Sem contemplações e ainda com o bafo quente no palato, o meu pai escreveu ao Embaixador de Portugal em Washington a exultar as qualidades daquele licor. E perguntou: por que razão o Medronho ainda não era um produto com expressão mundial, ao que respondeu o Sr. Embaixador - a quantidade produzida artesanalmente não era suficiente para conquistar mercados, ao que o meu pai retorquiu: melhor ainda. O preço do litro terá de ser proporcional - ou seja - alto, muito alto. Não sei se me faço entender, mas esta imagem serve para ilustrar o manancial excepcional de que Portugal dispõe. Veremos que impacto os turistas terão na economia num sentido estruturante e profundo. Mas mais importante do que passageiros de ocasião, serão os nativos que terão de interpretar de um modo assertivo o quadro que se lhes apresenta. A meu ver, está cá tudo. Falta apenas aproveitar estes tempos de sufrágio. Os turistas votaram. E Portugal foi eleito. Bravo.