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O meu balanço das eleições presidenciais, no Sapo 24:
Salvou-se o bom discurso de Marcelo Rebelo de Sousa, uma espécie de Presidente-Rei do Portugal contemporâneo, numa noite que representa, por diversas razões, um novo capítulo da história democrática. O regime precisa de se modernizar para promover uma maior participação eleitoral e aprofundar a representatividade e tem forçosamente de responder aos problemas económicos e sociais que enfrentamos para evitar a fragmentação social e a polarização política em que o populismo medra. Marcelo demonstrou ter consciência disto mesmo, mas encontra-se perante uma conjuntura de difícil gestão. Tanto a esquerda como a direita democráticas têm de se regenerar e reconfigurar para procurarem reconquistar aqueles que se sentem injustiçados e ignorados pelo sistema. A contagem decrescente já começou.
Hoje, a propósito de três acontecimentos da semana passada, escrevo no Observador sobre alguns traços da cultura nacional. Termino assim:
Em suma, no nosso país imperam a “tudologia”, um debate político pobre, uma crónica incapacidade organizacional e lideranças políticas medíocres. Continuaremos certamente a pensar a cultura portuguesa, a identidade nacional e o nosso declínio em torno de temas como o sebastianismo, o pessimismo ou a saudade, mas a causa principal do nosso atraso estrutural, na esteira do que Nuno Garoupa escreveu há quase três anos, é a infelicidade de termos elites de má qualidade. Como canta Samuel Úria, “Se fosse meritocracia/ Nem serviam para comida de cão”.
A proposito da polémica sobre a Educação para a Cidadania, hoje escrevo no Observador sobre a crise que grassa na direita:
"Basta olhar para o programa da mencionada disciplina, como fizeram Pedro Mexia e João Miguel Tavares no Governo Sombra de 5 de Setembro, ou atentar no que escreveu Paulo Guinote no Público, para perceber que esta direita incorreu pela enésima vez na falácia do espantalho, facilmente explicada pela eterna obsessão com a igualdade de género, a sexualidade e o marxismo cultural, misturada com muita prosápia em torno de chavões como a liberdade de escolha e a doutrinação ideológica.
(...).
"Enquanto esta direita for incapaz de se organizar, de se consagrar como oposição efectiva e de apresentar um projecto político mobilizador que atenda às prioridades do país, continuará a infligir a si própria a menorização política a que temos assistido nos últimos anos em face de um PS cuja linha dominante não acolhe a inversão a que acima aludi e que, quando no governo, bem ou mal, vai procurando responder aos anseios concretos da maioria dos portugueses. Enquanto não conseguir sacudir-se de espantalhos, continuará uma penosa travessia do deserto."
Não estou devidamente informado sobre a greve dos enfermeiros, pelo que não vou opinar sobre a legitimidade das posições da Ordem dos Enfermeiros e do Governo. Quero apenas deixar registado que tenho lido por aí um argumento interessantíssimo. Dizem os seus proponentes que a bastonária da Ordem dos Enfermeiros só se tem mostrado tão aguerrida por ser militante do PSD e o Governo actual ser do PS e acusam-na ainda de não ter afinado pelo mesmo diapasão aquando da anterior governação PSD-CDS. Ora, este argumento, invertidas as posições político-partidárias, serve para todos os sindicatos afectos à esquerda, que passam as governações de direita a rasgar as vestes e a fomentar a crispação social generalizada, mas que até parecem agentes civilizados quando é o PS a liderar o Governo e a implementar políticas tão ou mais gravosas que as do PSD e CDS. E isto sem falar no mais recente período governativo, o da geringonça, em que até há bem pouco tempo se remeteram ao silêncio. Tal como escrevi ontem, ao menos esforcem-se para apresentar argumentos minimamente válidos. Já dizia Sir Humphrey Applebby que “where one stands depends upon where one sits”, mas parem lá de tentar mandar areia para os nossos olhos, não vão os mais distraídos ficar a pensar que a coerência e a honestidade intelectual são virtudes dos sindicatos e da política em Portugal.
Tenho lido críticas a uma certa direita trauliteira que não tem - nem remotamente - o nível intelectual e cultural de verdadeiras referências direitistas. De facto, do Observador às redes sociais, passando pelo CDS, a direita portuguesa tem-se tornado um espaço pouco recomendável, porque dominado por caceteiros, hiper-moralistas com telhados de vidro e que não passam de aprendizes de Maquiavel, muito economês, liberalismo de pacotilha e pouca ou nenhuma capacidade de pensamento e reflexão e de diálogo moderado e civilizado com outras perspectivas filosóficas, ideológicas e partidárias. Dir-me-ão que os jornais, os partidos e as redes sociais não são universidades ou think tanks, mas quer-me parecer que o grau de indigência intelectual não necessitava de ser tão elevado. Trata-se, tomando emprestada uma expressão, de uma direita analfabeta, uma direita que pouco ou nada lê, permeada por um dogmatismo impressionante para quem, como eu, subscreve o decálogo liberal de Bertrand Russell.
Não que a esquerda seja necessariamente melhor. Com efeito, continuamos a ter, como assinala José Adelino Maltez, "A direita e a esquerda mais estúpidas do mundo", que "são como aquelas claques da futebolítica que afectaram socrateiros e continuam a infestar certos coelheiros, segundo os quais quem não é por mim é contra mim, porque quem não é por estes é a favor dos outros. Eu continuo a seguir a velha máxima de Unamuno: o essencial do homem ocidental é ser do contra. Para poder ser qualquer coisinha..."
Na verdade, a direita que habitualmente critica a esquerda por esta se alcandorar a uma certa superioridade moral, mimetiza esta atitude, o seu modo de pensar e comportamentos. Ambas reflectem aquilo a que me referi como a política do dogmatismo e a política da utopia, ambas alicerçadas no que Oakeshott chamava de política racionalista ou política do livro, da cartilha ideológica. Afinal, como também há tempos escrevi, é muito fácil ser libertário ou comunista: "Não por acaso, para o esquerdista, o Estado é o principal instrumento a utilizar e o mercado é o principal inimigo a abater, enquanto para o libertário é precisamente o contrário. Um pensador conservador pensa a partir do real, das circunstâncias práticas, sem deixar de criticar a sociedade em que vive, encontrando no Estado e no mercado diferentes esferas da vida humana, ambas necessárias a uma sociedade livre e próspera; um pensador esquerdista ou um libertário pensam a partir de um qualquer ideal e clamam contra tudo o que não se conforma a esse ideal. O racionalismo dogmático ou construtivista do esquerdista ou do libertário que defendem um valor acima de todos os outros em qualquer tempo e lugar, independentemente das circunstâncias práticas, consubstancia a política dos mentalmente preguiçosos."
Talvez valha a pena relembrar uma célebre passagem de Alçada Baptista, para quem "Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.”
Ao que eu acrescento que conservadores não dogmáticos, que entendam a dimensão pluralista e flexível da reflexão e da praxis política a que alude Kekes, também já reparei que há muito poucos. Há muito poucas pessoas, em Portugal, que, atentando especificamente no domínio do político, compreendam o que Oakeshott transmitiu, em "On Being Conservative", ao considerar que a disposição conservadora não implica necessariamente quaisquer crenças religiosas, morais ou de outros domínios “acerca do universo, do mundo em geral ou da conduta humana em geral.” O que está implícito na disposição conservadora em política são “determinadas crenças acerca da actividade governativa e dos instrumentos do governo,” que nada "têm a ver com uma lei natural ou uma ordem providencial, nada têm a ver com a moral ou a religião; é a observação da nossa actual forma de viver combinada com a crença (que do nosso ponto de vista pode ser considerada apenas como uma hipótese) que governar é uma actividade específica e limitada, nomeadamente a provisão e a custódia de regras gerais de conduta, que são entendidas não como planos para impor actividades substantivas, mas como instrumentos que permitem às pessoas prosseguir as actividades que escolham com o mínimo de frustração, e portanto sobre a qual é adequado ser conservador."
Tendo eu passado por uma escola, o ISCSP, onde, citando Adriano Moreira, aprendi "a olhar em frente e para cima", tendo como referências mestres como José Adelino Maltez e Jaime Nogueira Pinto, tendo ao longo da última década lido e reflectido sobre diversos autores, como Hayek, Popper, Oakeshott e Kekes, ou seja, como alguém que privilegia o mundo intelectual sobre o político ou partidário, torna-se particularmente penoso não só constatar tudo o que acima escrevi, mas também continuar a compactuar com este estado de coisas através da minha condição de militante do CDS. Por tudo isto, solicitei hoje a minha desfiliação. Porque mais importante ainda do que ser do contra, é ser livre, e porque como escreveu Ortega y Gasset, "A obra intelectual aspira, com frequência em vão, a aclarar um pouco as coisas, enquanto que a do político, pelo contrário, costuma consistir em confundi-las mais do que já estavam. Ser da esquerda é, como ser da direita, uma das infinitas maneiras que o homem pode escolher para ser um imbecil: ambas são, com efeito, formas da hemiplegia moral."
Lamentavelmente, por parte de muitos opositores à eutanásia, assistimos nos últimos dias a inacreditáveis distorções, homens de palha e falsidades. É frustrante a dificuldade em debater racionalmente e de forma civilizada na esfera pública portuguesa.
Muitos dos opositores da eutanásia querem obrigar doentes em circunstâncias de dor e sofrimento intoleráveis, cuja morte está no seu horizonte próximo, a prolongar a sua agonia. Fazem-no porque, muitos deles, entendem que, estando os próprios ou os seus familiares em idêntica situação, nunca optariam pela antecipação da morte. Por convicção ideológica ou religiosa, por terem meios para suportar cuidados paliativos, que entendem ser a panaceia para quem se encontra em tamanho suplício, ou por questões de consciência, esta é uma escolha que estão aptos a fazer. Ninguém os condena por isso. No entanto, quando lhes é pedido que pensem e reflictam fora da sua esfera individual, no sentido de considerarem outros seres e enquadramentos éticos igualmente merecedores de consideração, não se esforçam para os compreender e demonstram a mais vil das intolerâncias. E, enquanto o fazem, condenam aqueles que vêem na eutanásia um acto de verdadeira e pura bondade, arrogando-se os únicos conhecedores do sentido desta expressão. Como se esta obstinação, a caracterização dos defensores da eutanásia como "nazis", o ecoar de slogans como "pela vida" e "contra a cultura da morte" e arrogarem-se o monopólio do "amor" e da "compaixão" contribuíssem de alguma forma para a elevação deste debate. Ademais, afirmam a existência de uma rede de cuidados paliativos, quando estes escasseiam no Serviço Nacional de Saúde (destaco o número de 376 camas para todo o país), que, assim, acaba por denegar o tratamento de todos os doentes que deles necessitam. Claro está que este não é um problema (pelos vistos, nem sequer uma preocupação) para quem tem possibilidade de recorrer às unidades de cuidados paliativos oferecidas pelo sector privado - onde, diga-se de passagem, devem ser uma área de negócio bastante lucrativa, mas talvez a deputada Isabel Galriça Neto um dia nos possa esclarecer a este respeito.
Esperemos que a continuação deste debate o recentre no que é realmente importante, e que, afinal de contas, consiste na possibilidade de alguém, livre, consciente e esclarecidamente, em circunstâncias legalmente delimitadas, poder solicitar o abreviamento do seu sofrimento físico, sem que isso lhe retire qualquer dignidade, sem que daí advenha qualquer ataque aos beatos princípios de quem, ainda que na política seja frequentemente maquiavélico e pouco ou nada católico, prefere ignorar a dura realidade dos serviços de saúde, na área dos cuidados paliativos, em Portugal, bem como, e acima de tudo, negar a possibilidade de alguém poder escolher a eutanásia.
Uma das virtudes da democracia liberal consiste no facto de as maiorias de hoje serem as minorias de amanhã. Felizmente, a questão da eutanásia não morre aqui. Quer beatos, comunistas e deputados permeáveis a certas pressões gostem ou não.
Se me permitem, também gostaria de oferecer alguns considerandos sobre o debate binário que corre em relação à Eutanásia. O interruptor on/off parece ser a única dimensão da discussão. Numa primeira análise e leitura da opinião pública, as hostes dividem-se fervorosamente entre a cessação do sofrimento e o respeito pela ordem natural da vida - sem uma mão humana a desligar a ficha. Esqueçamos essa matriz por uns instantes e concentremo-nos em algo um pouco mais cínico - o negócio. O que sai mais em conta ao Estado e ao Serviço Nacional de Saúde? Cuidados paliativos continuados ou a droga da morte assistida? O debate proposto por bancadas partidárias não é ingénuo - tem razão monetária de ser. Inscreve-se no Orçamento de Estado. Por detrás da verborreia existencial com laivos de filosofia de bolso, choradeiras de liberdades e garantias, o corpo é meu, a vida é minha, lá no fundo dos ministérios, depois daquele longo corredor resfriado pela marmorite aguda, encontramos os gabinetes de cálculo e folhas Excel. Esta história da Eutanásia é uma nova oportunidade do caraças - de negócio. É quase um Simplex. Por quê não pensamos nisto antes? Deixemo-nos de lamechices e atiremos à arena parlamentar e ao executivo do bem comum este caderno de encargos. Eles hão-de encontrar a veia para a execução. Sofrimento. Death and Taxes.
Por dever de ofício, ando há alguns dias a debruçar-me sobre o tema da eutanásia. Se já era favorável, agora sou-o ainda mais - em circunstâncias restritas e regulamentadas, naturalmente. Todavia, confesso que tenho pouca vontade de intervir publicamente num debate que deveria decorrer com serenidade, mas que frequentemente resvala para a demagogia e obtusidade e permite perceber que há muita gente que não sabe o que significa viver numa sociedade plural e não se apercebe da fragilidade dos seus argumentos e de como entram em confronto com as suas posições noutros temas. A título ilustrativo, diria apenas que certas pessoas deveriam abster-se de protestar contra a adopção de certas condutas por parte do Estado, que designam por paternalistas ou até fascistas (ex.: fascismo higiénico), quando pretendem utilizar a coerção do Estado contra algo que não é um direito a morrer, mas sim uma parte do direito à vida, o direito de qualquer indivíduo ter uma palavra a dizer sobre a própria morte. Claro que a consistência filosófica e moral em política tem muito que se lhe diga, mas neste, como noutros temas, se há algo em que certa direita é consistente, é na capacidade de provocar o riso, ainda que involuntariamente.
Fernando Esteves, "O dia em que Assunção Cristas cometeu suicídio":
Vamos a números? O melhor resultado da história do CDS ocorreu nas eleições de 1976, em que teve 16%, correspondentes a 876 mil votos. Em 2011, depois de muitos anos a arrastar-se nas catacumbas das cabines de voto, o partido obteve, sob a liderança de Paulo Portas, outro óptimo resultado: 11,7%, correspondentes a 654 mil votos. Agora o PSD que Assunção quer liquidar: Em 2011, quando Portas obteve um excelente resultado, Passos Coelho obteve 38,6%, correspondentes a 2,1 milhões de votos. Bem mais do que o dobro. E em 2005, quando Santana Lopes concorreu contra José Sócrates e foi vergastado por uma copiosa derrota (uma das piores de sempre), conseguiu 1,6 milhões de votos. Ou seja: o melhor resultado do CDS, que foi conseguido em circunstâncias políticas irrepetíveis, é cerca de metade de um dos piores do PSD.
Ao confundir os seus sonhos com a realidade, a líder do CDS acrescentou à venda que aparentemente já tinha nos olhos (e que ficou bem visível, passe a expressão, na entrevista que concedeu ao Expresso deste fim-de-semana) uma corda em redor do pescoço, porque tornou o CDS – e a sua liderança – refém de um resultado que obviamente não alcançará. É certo que num partido em que a maioria dos militantes está sobretudo confortável a olhar para trás não deixa de ser interessante observar uma líder a tentar fazer o exercício inverso, mas aqui chegados talvez não fosse má ideia que alguém informasse Assunção Cristas de que, nas circunstâncias actuais, olhar para além daquilo que os seus olhos conseguem alcançar não é apenas um erro – é um acto politicamente suicida, manifestamente capaz de lhe arruinar uma carreira que até nem lhe estava a correr mal.
No seio do CDS parece ter sido adaptada e adoptada aquela máxima de que uma mentira muitas vezes repetida se torna verdade. No caso, a ideia de que o CDS poderá rapidamente ultrapassar o PSD, tornar-se na principal força partidária à direita e liderar um governo já após as próximas legislativas. É uma ideia fomentada e verbalizada por Assunção Cristas e pessoas que lhe são próximas, os mesmos que falam na necessidade de o CDS se pautar pelo pragmatismo. Pensava que o pragmatismo (ou realismo), que em larga medida se inspira no conservadorismo, aconselhava contra sonhos utópicos e incentivava a ter em consideração as lições da história, a olhar para a realidade política e a actuar no quadro dos constrangimentos que esta apresenta. Mas talvez seja eu que esteja enganado. Vou reler Burke.
Quando me juntei à JP e ao CDS, em 2011, fi-lo por convicção ideológica. Antes deste acto, conheci suficientemente de perto as realidades da JS/PS e JSD/PSD, onde tinha e tenho vários amigos, mas sentia-me ideologicamente mais confortável num partido que proclamava alicerçar-se no liberalismo e no conservadorismo (para além da democracia cristã, principal pilar ideológico do partido), ainda que ali não conhecesse ninguém. Até residia perto do Caldas e, por isso, não foi complicado integrar-me rapidamente nas estruturas e ali encontrar pessoas interessantes.
Posto isto, como qualquer bom conservador sabe, o bem e o mal estão presentes em todo o lado, ou como ensina John Kekes, a natureza humana não é definitivamente boa nem má, é ambivalente. Depois de perceber que também na JP e no CDS fazem escola as práticas imorais que observei noutras organizações político-partidárias, decidi manter-me num partido onde me sinto ideologicamente confortável, mas no seio do qual sou apenas um militante de base com pouca ou nenhuma actividade política, pese embora tenha, nos últimos anos, subscrito as posições de alguns movimentos internos, em larga medida pela amizade e respeito que nutro por alguns dos seus membros, dos quais até discordo ideologicamente em alguns pontos.
Mas, actualmente, assistindo à onda que o partido tem vindo a cavalgar desde o resultado da sua líder nas autárquicas em Lisboa, não posso deixar de sorrir ao observar a pretensão de algumas hostes democratas cristãs de tornar o CDS no grande partido de direita em Portugal. Antes de ser militante e, aliás, acima disso, tenho uma profissão e sou cidadão e, portanto, permito-me observar aquilo que a minha experiência e a minha intuição enquanto politólogo me dizem: pese embora reivindique ser inter-classista, o CDS não deixa de ser uma agremiação dominada por indivíduos oriundos da burguesia, na sua maioria de Lisboa e Porto, sobretudo os chamados profissionais liberais (com destaque para os advogados), alguns empresários e aqueles que nas últimas duas décadas, com o crescimento do partido em resultado da liderança de Paulo Portas, se tornaram profissionais da política. Perdoem-me, portanto, os meus correligionários, mas mantendo-se a sociedade portuguesa e o nosso sistema político mais ou menos como os conhecemos, é altamente improvável que um partido com esta caracterização sociológica seja capaz de ultrapassar o PSD e tornar-se o grande partido da direita ou centro-direita (deixo as questiúnculas posicionais para outros). Quer se esvazie ideologicamente e procure ser um catch-all party, quer transborde de ideologia por todos os seus poros, seja ela liberal, conservadora e/ou democrata cristã, há uma enorme desconformidade social e política entre a maioria dos militantes do partido e suas ideologias e a sociedade portuguesa na sua generalidade - o que é evidenciado quer por as três mencionadas ideologias serem minoritárias em Portugal, quer pela fraca implantação do CDS a nível autárquico - que obsta a que o CDS possa substituir o PSD.
Por tudo isto, está coberto de razão o João Tavares:
É cíclico. Ao mínimo abalo nos partidos vizinhos, o CDS convence-se que os portugueses lhe darão, finalmente, o devido valor. Vai ser o grande partido da direita portuguesa, esperem só uns mesitos, que ele até se abre todo "à sociedade civil", aglutinador, total, moderníssimo, pragmático, eles merecem, é desta, é desta, foda-se. E depois, olha. Ia fondo mas não sendo. Poder-se-á dizer do CDS o que von Bismarck disse dos italianos: tem um grande apetite mas dentes fracos.
A caldeirada dos dinheiros partidários e favores políticos em Portugal deve-se a uma causa relativamente benigna - a falta de lobbies transparentes e regulados. Pensar apenas no financiamento de partidos dá azo a que se levantem suspeições e suposições em relação a tudo e todos. Mário Centeno pediu dois ingressos para ver o Benfica, mas tal facto não deve ser explorado usando a métrica do tráfico de influências. Não chega a tanto. Porém, o Presidente do Eurogrupo foi tonto ao servir-se do argumento securitário, pondo em cheque o protocolo regular instituído para figuras de Estado. Adiante, o jogo da bola não tem a ver com a discussão que urge. Há anos que os políticos de todos os quadrantes se servem de ligações especiais e concessões de bastidores. E é isso que deve ser corrigido, criando uma modalidade regulamentar que contemple todos os modos de transferência de meios, financeiros ou de outra natureza. Se o financiamento de forças políticas constar de um mapa obrigatório e de acesso online deixa de haver zonas cinzentas. Os Estados Unidos oferece péssimos exemplos em muita coisa, mas as regras são claras quanto à subvenção de agendas políticas - sabe-se de onde vêm os dinheiros. O que deve ser tido em conta em Portugal é a privatização do financiamento dos partidos. Não faz sentido que os contribuintes paguem a dobrar a acção política. Já basta que paguem os salários parlamentares, do executivo ou do presidente da república. Se o mercado político for privatizado e transparente, o dinheiro fluirá para onde houver mais credibilidade. A ideologia partidária teria, deste modo, de se fazer valer pelas ideias, que nutririam mais ou menos apoio financeiro de acordo com a sua consistência. Os lobbies, organizados em torno de causas, serviriam para disciplinar o caos e banir a prevaricação que ocorre na paisagem política nacional. Mas mais importante do que estas questões administrativas, seria estabelecer a correlação entre o financiamento de partidos e o avançar das causas meritórias que o país exige. O financiamento partidário, nos actuais moldes, parece desenvolver-se numa economia paralela, no sub-mundo da política. Não é líquido que do financiamento partidário resultem melhores soluções políticas para o país. E os portugueses gostariam de ver tudo à tona, à luz do dia e do seu juízo.
A cavalo dado não se olha o dente? Olhe que não. Eu teria algum cuidado se fosse um dos recipientes das indemnizações decorrentes da tragédia dos incêndios. As vítimas e familiares das vítimas de Pedrógão esfregam as mãos de contente por receberem o cheque assinado por Centeno, mas cautela. Como em qualquer apólice de seguro, é importante ler a letra miudinha. Aqui têm a cláusula que diz tudo: "António Costa explicou que o direito de regresso será exercido "se vierem a ser identificadas responsabilidades que possam levar o Estado a exigir o direito de regresso destas indemnizações que adianta." Por outras palavras, os beneficiários recebem o cheque, mas caso se alterem as condições que sustentam a substância e a forma da responsabilidade do Estado, toca a devolver o dinheiro. Podemos então concluir que se trata de um empréstimo político, adequado à época pré-legislativa de campanha. Aposto que apenas pegam no estorno e transtorno da questão se o Partido Socialista (PS) ganhar as eleições de 2019. Até lá a responsabilidade será sempre do Estado, porque convém. Ou seja, seria um tiro no pé enviar o cobrador do fraque ir recolher o dinheiro malparado antes do tempo, durante a legislatura. Se o PS não for tido em conta num novo governo, lá para 2019, então será perfeito - a batata quente passa para outros que farão o favor de ser os maus da fita. Não julguem por um instante que quem vos governa não pensa deste modo. É assim mesmo que funciona. Política é um jogo de atrasos e antecipações, empréstimos e devoluções.
Sempre apreciei sátiras, mas sou mais fã de ironias do destino. Para esta rábula sirvo-me do falido Partido Socialista (PS), porque este assume-se como lider da pandilha, mas a ilustração pode servir de template para qualquer partido político. Pensavam eles que enquanto o português enchia o bucho com rabanadas faziam passar a Lei do Financiamento dos Partidos. Nada de mais errado. Venham de lá mais hérnias para endireitar as costas dos políticos. Bravo Marcelo. Mas adiante. Vamos ao Largo do Rato. Face à falência do PS, vejo alguns caminhos de salvação. Começemos pela austeridade doméstica; o corte nas despesas e mordomias dos dirigentes socialistas; o acesso a empréstimos bancários mediante a concessão de garantias imobiliárias; a angariação de receitas próprias, designadamente a transformação da sede do Rato em alojamento local com direito a tour político e a oferta de um brinde de campanha. Enfim, é absolutamente deplorável que os partidos estejam nesta situação. Para todos os efeitos, a Geringonça é como uma Troika, e eu esperava mais solidariedade e racionalidade na gestão de meios. O Partido Comunista Português, o grande capitalista imobiliário do panorama partidário, poderia, se fosse mesmo marxista, ceder um edifício ao PS ou conceder um empréstimo com juros bonificados aos seus camaradas de governação. Pensava eu que o Mário Centeno poderia ser um belo patrão das contas internas do PS, mas arranjaram mesmo um Patrão, um tal de Luís Patrão. Tecnicamente falido - dizem eles - uma expressão simpática. Faz lembrar a técnica da força ou a força da técnica. Não interessa. Estão falidos. Venha de lá uma execução fiscal, o arresto de bens, o congelamento de contas - aquilo a que está sujeito o zé ninguém, o cidadão anónimo, filiado na ilusão do fim da Austeridade, a fraude vendida por essa mesma casa arruinada. Marcelo devia aproveitar a deixa e propor a elaboração de uma Lei da Falência Técnica dos Partidos. Chega de perdões. Para magoar, tem de doer a todos. A ironia do destino é a Austeridade que o PS vai ter de administrar a si mesmo. Talvez seja boa ideia pedirem ajuda ao Passos Coelho, que sabe como se faz.
Marcelo Rebelo de Sousa, mais do que o Presidente da República com quem temos convivido, tem a oportunidade de ser efectivamente o Presidente de todos os portugueses. Se vetar a Lei do Financiamento de Partidos, e abrir a necessidade de um debate profundo sobre as implicações da mesma, estará a servir a República. Não estará a servir o sistema político nem a matriz partidária do país. Colocar-se-á ao lado de um princípio que deve imperar em Democracias - o princípio da igualdade de tratamento. Iria mais longe até nas consequências a extrair do grande tema do financiamento dos partidos políticos. Não pensar apenas na dimensão do haver - pensar obrigatoriamente na lógica do dever - do dever moral, ético, mas acima de tudo fiscal. Instituiria uma taxa partidária a que estariam obrigadas todas as filiações no sentido de financiar a ideia genérica de participação activa política de cidadãos independentes que em nome da cidadania e da sociedade civil procuram servir o país. Não vejo por que razão o tratamento positivo e discriminatório há-de ser a norma. Marcelo Rebelo de Sousa poderia equilibrar os pratos da balança do seu porte presidencial. O veto elevaria a consideração de tantos portugueses em relação à missão presidencial. Marcelo apenas tem dado a conhecer o mel dos abraços e da solidariedade. Agora falta-nos provar o fel do incómodo que causaria a toda uma classe política versada no parasitarismo, na promiscuidade e no esbanjamento de dinheiros públicos. Simples, Marcelo. É rasurar a proposta de Lei e devolvê-la ao remetente para nova redacção contemplando uma genuína revolução do financiamento partidário. Esta é a grande oportunidade de Marcelo.
António Costa, naquela histórica noite de Outubro de 2015, invocou o teor inviolável de democraticidade de soluções governativas extraídas a partir de arranjos parlamentares com maioria de assentos - assim nasceu a geringonça - a fórmula patenteada para governar. Esse princípio fundador, no entanto, não serve apenas a geração de governos. O que acabamos de registar, a coligação ocasional entre o Partido Social Democrata (PSD) e o Partido Comunista Português (PCP), a propósito da questão da residência universitária de Rio Maior, deveria ser a norma. Os partidos, na sua expressão civil e genuinamente política, não deveriam ter género nem se tornar reféns de ideologias. A coligação que designam de "negativa" é de facto "positiva". Demonstra que o magistério das ideias e da racionalidade deve subalternizar a teimosia ou a ortodoxia ideológicas. Não existe nada, mas mesmo nada, que António Costa possa afirmar para afastar esta solução. A mesma é a expressão plena de diversidade democrática e liberdade de expressão. Este primeiro aviso, deve, no entanto, ser levado a sério pelo Partido Socialista (PS) - o Largo do Rato não é dono nem senhor do Bloco de Esquerda (BE) ou do PCP. O juntar de trapinhos do PSD, CDS e BE na questão das cativações revela matematicamente e parlamentarmente que algumas das soluções do PS já não são aprovadas por Portugal. Os deputados que ali professam a sua fé, bem ou mal, com mais ou menos fervor partidário, sabem que em última instãncia devem servir o povo português. O BE e PCP, numa primeira fase, entusiasmados com a estreia "governativa", começam a perceber que serão deixados na estrada pelo mestre e senhor PS, se não servirem as causas da sociedade, das pessoas que existem para além dos clientelismos que pendulam entre Lisboa e o Porto. O PS foi sempre um jogador político e, nessa medida, o atirar da ficha do Infarmed para o Porto deve ser entendido como uma modalidade de pré-campanha. Podemos deduzir a partir desta decisão que o PS apostou forte na candidatura de Rui Rio. A continuar com estes joguinhos de cativações e transferências oportunas tornar-se-á mais que evidente que começam a faltar argumentos políticos e governativos de vulto ao PS.
Passos Coelho será injustamente lembrado por muitos, mas foi o homem certo no momento errado - "it was a dirty job and somebody had to do it". O homem que agora se prepara para sair da cena política, não escolheu o mandato. O mesmo foi imposto duramente e sem tréguas. A geringonça herdou uma casa arrumada e pôde libertar-se da Troika e de todo um léxico associado à Austeridade. Se houve alguém que teve de pagar um elevado preço político, essa pessoa foi Passos Coelho. E ele sabia-o a cada medida imposta, a cada decisão que castigava o contribuinte português, o trabalhador nacional. A personificação de tudo quanto é sinistro na sua pessoa foi habilmente promovida pela oposição, como se todos os males do mundo português e o descalabro económico e financeiro tivessem sido criados por ele. O Partido Social Democrata (PSD) enfrenta agora outros dilemas. Como se diferenciar e apontar as falhas de um governo de Esquerda embalado pela onda favorável do turismo e receitas conjunturais? O PSD, à falta de candidatos-estadistas para relançar a sua estirpe política, tem forçosamente de procurar noutro palheiro a saída desta crise de liderança e défice de carisma. Rui Rio ou Luis Filipe Menezes se fossem um só, uma soma de partes, talvez pudessem representar o partido com argumentos e credibilidade, mas essa construção não é possível. Se o PSD não foi capaz de produzir uma nova geração de lideres com profundidade e campo de visão (perdão, Luís Montenegro não tem o que é preciso), terá de validar outros vectores, outras propostas, correndo o risco de perder terreno para o ex-parceiro de coligação - o CDS. O processo de recalibragem não depende de uma figura de proa. Sustentar-se-á numa leitura ajuizada da realidade ideológica e política que extravasa os parâmetros de Portugal. O PSD não pode ser um mero agente reactivo ao poder instalado, à bitola ideológica, ao PS, o PCP, o BE e agora o CDS. Exige-se uma lavagem de conceitos operativos, um refrescar de propósitos, um realinhamento sem sacrificar os princípios fundadores, os valores de base. Nessa medida, mais do que homens-estandarte, serão as ideias que terão de se autonomizar. Serão axiomas e conceitos plenos que terão de servir de justificação. Por outras palavras, as respostas estarão na métrica da realidade, como por exemplo o nível recorde de dívida pública. Serão os factos inegáveis que emprestarão credibilidade às propostas, e menos o estilo de discurso ou as preferências de liderança. O PSD, à falta de cão, terá de caçar com gastos não previstos pelo seu guião clássico, tradicional. Se souberem aproveitar a crise estarão preparados para a próxima bancarrota.
foto: Expresso
O Partido Socialista (PS), nas últimas legislativas, teve de se contentar com uma geringonça, mas se pudesse, congratular-se-ia com uma maioria absoluta para não ter de ficar refém dos comunistas ou bloquistas. Não foi isso que aconteceu nas legislativas e o PS tornou-se num partido dependente das doses radicais dos partidos mais à sua esquerda. A geringonça aproveitou os alibis internos e as exigências da sua ala mais "extrema" para fazer avançar uma agenda que, caso fosse necessário, poderia invocar como não sendo a sua. António Costa, que se alegra com o mal dos outros, nomeia o PSD como o grande perdedor da noite. Não está totalmente enganado, contudo a vista panorâmica tem de ser mais ampla e honesta. Os sócios comunistas da CDU perderam substancialmente em toda a linha - lá se vai a tese da leitura nacional que um bom resultado poderia servir para reforçar a legitimidade da geringonça. Uma das partes da geringonça sai ferida com gravidade deste embate. Fernando Medina, vendido como regente absoluto da cidade, e campeão das obras e do turismo, tem de agradecer o presente de António Costa (que largou a CML), mas sobretudo a um notável político que preparou o terreno para o incremento do Turismo em Lisboa. Adolfo Mesquita Nunes foi quem teve a visão, foi quem pensou Lisboa enquanto importante vector, enquanto região e capital económicas por excelência. Se tivessem nível, os ganhadores de secretaria e das autárquicas em Lisboa, ligavam os pontos para ampliar ainda mais a democraticidade abrangente da geringonça incluindo "inimigos". Mas não. Vivem de sobranceria ideológica - os socialistas são sempre melhores. Pelos visto Medina fez tudo de livre e espontânea vontade, e inventou a roda. No entanto, o facto de não ter conseguido a maioria absoluta em Lisboa significa que a pedra no sapato com que tem de marchar pelas ciclovias funcionará com um mecanismo de checks and balances: o posso, quero e mando já não será assim tão simples. E há mais. Não foi a Direita que saiu derrotada. Assunção Cristas encarna um perfil que transcende a bitola ideológica. Defendeu em campanha, e protege na oposição, causas definitivamente conotadas com justiça social e económica, mas que não são nem podem ser um exclusivo da Esquerda. E o prémio da noite, na minha opinião, vai para Rui Moreira. O independente foi capaz de travar as manobras e esquemas de um PS oleado há décadas para a manipulação nos bastidores e nos media. De nada serviu, como Moreira bem frisou no discurso da noite, que Pizarro tivesse recrutado o governo de sua geringonça para descarrilar os seus intentos. Pizarro não teve fair-play, mas foi ajudado nesse tango manhoso. O PS que julga que não existem limites, levou uma castanhada no Porto. Quanto ao BE, não sei exactamente o que pensar. Estão ali em águas de blocalhau e podem ser vítimas dessa estagnação. Sabemos, face aos resultados da noite eleitoral de ontem, que o PSD vai ter de se reinventar, apanhar os cacos e fazer um reset. Mas não pode apanhar uns cacos quaisquer. A Manuela Ferreira Leite também pode apanhar a camioneta com Pedro Passos Coelho. Já não fazem falta ao partido ou ao país. Os comunistas, imutáveis perante as evidências, continuarão a musicar aquele pífaro de luta pelo trabalhador oprimido e a denunciar os opressores capitalistas. Estão, desse modo, no seu território preferencial, a jogar o papel que bem conhecem - o de vítimas. O PS irá espremer as autárquicas para canonizar a geringonça, mas em última instância será vítima do seu sucesso desmesurado. Isaltino, o cão-pisteiro, abriu o caminho para tantos outros, uns de Felgueiras, e outro da cela de Évora. Mas esse resultado espelha o povo, eticamente vergado e que se deixa enganar. Ouvi dizer que o maior derrotado da noite foi a abstenção, mas não é verdade. Foi uma metade que votou. Portanto apenas pode haver meio deleite.
Uma das melhores qualidades que um político pode ter é saber quando deve retirar-se, evitando a humilhação de ser forçado a sair. Esta qualidade torna-se ainda mais importante em determinadas circunstâncias, como, por exemplo, quando um líder político-partidário fica indelevelmente associado a políticas impopulares, tornando-se um óbice ao regresso do seu partido ao poder. Passos Coelho ainda não percebeu isto. Paulo Portas, dono de um aguçado instinto político, soube precisamente qual o melhor momento para ceder o lugar. O resultado está à vista, especialmente em Lisboa.
Como é que pode haver um dia consagrado à reflexão se não há reflexão nos outros 364 dias do ano? O conceito, cuja origem desconheço, inscreve-se na escola do Iluminismo repentino. Assemelha-se a um corredor da sorte que protege os audazes da sua falência interpretativa. Os governos, ao longo dos seus mandatos, e mesmo antes de estes começarem, procuram anestesiar o povo, marinar manifestações contrárias aos seus intentos. Depois concedem o beneplácito do juízo superior ao nubente requisitado para validar o pressuposto democrático. O zézinho que vota, passa de besta a doutor num ápice. Se fossem íntegros na missão intelectual respeitante à reflexão, promoveriam a ideia de um ministério da filosofia e diversos secretários do pensamento. O boletim de voto - essa bula do saber político -, deveria ter anexado a lista de referências bibliográficas, algumas notas de rodapé e a fonte das citações inscritas nos discursos de campanha. Esta estória franciscana da reflexão sugere pão e água, abstinência sexual e artrite reumática. Se o dia fosse deveras sagrado, já deveria ter sido proposto como feriado - uma espécie de tolerância para matutar, porque, sendo uns sujeitos mais lentos do que outros, esta falsa fila prioritária para "pensar bem" reforça precisamente o oposto; a noção de que o povo é idiota e não existe antídoto para a sua estupidez. Tanto faz que abra a matraca ou não. Pouco importa que o jejum de campanha seja imposto. No silêncio do acto, pouco ou nada acontece. Dia de reflexão uma ova.