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República ao assalto total

por Nuno Castelo-Branco, em 28.09.10

O senhor Cavaco Silva foi uma vez mais atrás de D. Manuel II e tal como o rei, viajou até ao Buçaco, para quase incógnito, comemorar discretamente a vitória sobre a "querida França do regime". Bem ao contrário do Desventurado, não foi recebido em delírio pelas populações e muito menos ainda, pelo exército. Sabe-se que o rei terá exclamado após tanto entusiasmo, ...."hoje conquistei o exército!" Pensava ele nos promissores fastos dessa conquista, sem sequer imaginar que uns dias depois, aquelas espadas lustrosas permaneceriam oportunistamente nas bainhas. Pelo contrário, seriam cutelos do talho no qual Portugal se transformaria por muitas décadas.

 

São assim, os defensores da pátria e das instituições. Estamos habituados. Isto dizemos, para que o senhor Cavaco Silva saiba do país em que se vive. Hoje inaugura festas e para a semana poderá ter de partir à pressa. Nunca se sabe, nem nada está garantido. É a única certeza.

 

Chegou a Portugal, um senhor que fala em nome da OCDE, mas em claro teatro de ventríloquo do executivo. Presume-se que a visita se deva a um convite do governo português, dado ter discursado ao lado do actual ministro das Finanças, o senhor Teixeira dos Santos. Pelo que as suas palavras deixam transparecer, a informação de que a OCDE dispõe, encontra-se desfasada no tempo, propondo cortes que ainda muito recentemente foram feitos pelo executivo, com o claro patrocínio do residente de Belém. Tudo isto consiste num claro truque de propaganda, pretendendo mostrar que a responsabilidade do "odioso", deverá ser imputada aos que de fora chegam para impor a ordem. A meta parece ser o orçamento para o próximo ano e estranha-se apenas, a ausência do anúncio de qualquer plano a médio prazo, esquecendo-se o que se passará nos anos subsequentes. Servirão estes cortes para 2012, 2013 e seguintes, ou daqui a doze meses estaremos a falar em novas medidas e taxas a pagar pelos contribuintes? Nada fica claro e é nítida esta vontade de fazer esquecer bem depressa as medidas que o governo implementou há escassas semanas. Querem ainda mais, sem que sejam eles próprios, quer dizer, os detentores do poder, a proceder aos cortes que se impõem: nem uma palavra quanto à reforma do aparelho do Estado, onde medram centenas de autarquias oitocentistas, os institutos públicos e as fundações, gabinetes de estudos, contratos adjudicatórios de obras supérfluas - por exemplo, agora está a surgir mais uma auto-estrada na Sobreda de Caparica! -, parcerias sempre lesivas do contribuinte, despesas infalivelmente sumptuárias como obras faraónicas, viaturas à saudita e respectivos condutores, telefones que custam milhares de euros por mês, ajudas de custo, assessores, cartões de crédito e tantas, tantas outras despesas de exaustiva enumeração.

 

 

publicado às 12:13

Comemorando a vitória de 1810

por Nuno Castelo-Branco, em 03.08.10

"Quando El-Rei foi ao Buçaco teve um caloroso e normal acolhimento popular. Teve, em simultâneo, uma apoteótica recepção dos militares que comemoravam o centenário da batalha do Buçaco. Algo parecido sucedeu a Marcelo Caetano quando, depois do golpe das Caldas de Março de 1974, assistiu a um jogo de futebol no estádio de Alvalade. O delírio foi total!"

publicado às 08:00

As Forças Armadas e a política nacional

por Nuno Castelo-Branco, em 03.04.10

Artilharia portuguesa na Guerra Peninsular

 

Em Portugal, a forma como a população olha para as Forças Armadas, é desde sempre influenciada pelos circunstanciais interesses em liça num determinado momento político. Da episódica exaltação que alterna aposição de cruzes de guerra em anchos peitos do 10 de Junho e a decoração de espingardas com cravos, até aos impropérios, a distância é pouca. Há muito desaparecida a eternamente incipiente educação que formava o espírito cívico garante das instituições e perenidade do Estado, a reputação das Forças Armadas é geralmente calcada como coisa de pouca valia, embora todos os regimes que se têm sucedido no poder desde 1834, a elas devam a legalidade na condução da coisa pública. Jamais existiu uma única revolução popular, fosse ela espicaçada pela burguesia aberta à influência além-fronteiras, ou consequência de uma furiosa explosão que pudesse longinquamente encontrar paralelos numa jacquerie ou Comuna do sempiterno modelo parisiense. Nunca. Quem se alçou ao poder, serviu-se sempre das baionetas disponíveis no momento, ou beneficiou do feliz acaso propiciado por uma contagem das mesmas que no momento exacto e por escassíssimo número, fizeram  pender o resultado para o grupo contestatário da ordem estabelecida. As "Saldanhadas", o 31 de Janeiro, o 5 de Outubro, o Sidonismo, o 28 de Maio e o 25 de Abril, são a garantia  deste princípio basilar que rege a evolução e a ruptura dos regimes que têm governado Portugal. Umas vezes, as Forças Armadas são o agente motor da mudança, enquanto noutras se mantêm na expectativa, participando alguns dos seus membros - uma minoria - na altercação que colocará ou não fim, a uma situação insustentável.

 

A verdade é que após os acontecimentos de 1974-80 - 25 de Abril, PREC, Conselho da Revolução -, o país deixou de ter uma estratégia que apontasse o caminho a prosseguir a longo prazo. Não foi apenas a economia que aguardou pelas ridentes promessas de demolição via subsídios canalizados pela então CEE, mas o mesmo aconteceu na Justiça, Educação, reforma no ordenamento territorial, etc. Criaram-se organismos, potencializou-se o futuro com a criação de instituições que como a CPLP é exemplo, preenchem os requisitos formais, sem que daí se retirem benefícios evidentes e que a todos interessem. Gostamos das formalidades, da pompa e dos grandes gestos e afirmações dos princípios da época e isso parece bastar-nos.

 

O caso das Forças Armadas é um exemplo da incúria irresponsável que o Estado no seu todo - instituições do regime e sociedade civil que o integra - vota a um dos essenciais braços da soberania. Durante anos foram proteladas as reformas necessárias pelo encerramento ciclo imperial e que logicamente adequariam a missão daquelas ao âmbito da OTAN e mercê de acordos bilaterais, à colaboração com os países do espaço lusófono. Formalmente pertencemos à Aliança Atlântica e rotineiramente surgem artigos na imprensa, sublinhando a importância  da assunção portuguesa deste ou daquele pelouro no seio da organização. Agravada a situação estratégica nacional pelo ingresso da Espanha, Portugal não tem conseguido firmar-se no vasto âmbito geográfico do Atlântico Norte, dada a escassez de equipamentos, falta de doutrina e completa ignorância - quando não desprezo - por parte dos agentes políticos que tutelam as Forças Armadas. A passagem à profissionalização, propagandeou o nascimento de um outro modelo de Defesa, mais competente, racionalizado e sobretudo, capaz de se modernizar para as tarefas implícitas por uma nova situação internacional. A verdade é que a opinião pública continua alheada da existência da instituição militar, sendo convencida por uma imprensa pouco criteriosa e bastante alinhada com o poder, a olhá-la como coisa desnecessária, cara e que cumpre todos os requisitos da falta de hombridade geralmente apontada aos agentes políticos. Os comentários estão sempre carregados com as velhas lendas dos "almirantes à tonelada, generais de aviário, roubos no casão militar, desvios de chouriços do rancho", etc. O amesquinhamento da instituição é dado ao prelo nos manuais escolares, onde são mitigados quando não anulados, os feitos militares que consolidaram e alargaram as fronteiras do país, tornando-o durante séculos, num activo agente na cena internacional. Se Waterloo ou Trafalgar são ainda hoje comemoradas em Londres com todas as honras devidas a um passado vitorioso embora distante, em Lisboa chegam-nos fracos ecos de uma  Aljubarrota que quiçá ombreando com a sua oposta Alcácer-Quibir, será talvez a única peleja conhecida por uma ínfima minoria dos portugueses. Volatilizaram-se os feitos marítimos que outrora tornaram o Índico e o Atlântico em efémeros "lagos portugueses", perdeu-se a memória do rosário de fortalezas que pontilham a crosta terrestre à beira oceano desde Ceuta a Nagasáqui. Esquecidos do período épico da ocupação territorial - inédita na nossa história - do sertão sul-americano, quantos portugueses conhecerão a existência dos fortes erguidos nas costas brasileiras e nas áreas de delimitação na Amazónia, nas Missões e no norte de um Brasil que se agigantou nos mapas? A presença das guarnições militares, por muito simbólicas que fossem em distantes paragens, era uma afirmação de soberania que afastava concorrentes europeus, estabelecia parâmetros de conduta nas chancelarias da diplomacia internacional e mostrava a vontade de afirmação de uma vontade que podia manifestar-se nos correntes negócios do dia a dia, ou na presença espiritual que as convertidas comunidades circundantes interiorizavam já como parte sua, inalienável.

 

A permeabilidade das Forças Armadas à influência do sector político, também consistiu num sério óbice ao respeito popular que delas esperariam a distância que confere a necessária dignidade, autonomia e exclusivo apego ao que se considera ser o supremo interesse nacional: a manutenção da integridade territorial e a independência nacional. Encarando os factos históricos como eles existiram, a derradeira ocasião em que Portugal possuiu um exército moderno, capaz, perfeitamente organizado e susceptível de fazer pesar o seu valor no tabuleiro do equilíbrio nos campos de batalha, verificou-se durante a fase das campanhas napoleónicas. Numa época em que ainda não existiam exércitos de massas que a industrialização possibilitaria, os 50.000 homens que Wellington, Beresford e uma plêiade de militares britânicos levantaram em solo luso, faziam eclipsar os 15.000 suecos de Bernadotte, os punhados de dinamarqueses, holandeses, napolitanos e regimentos dos reinos e principados alemães, reduzindo a quase nada a eficácia dos incertos contingentes espanhóis na gesta da libertação peninsular.  Os escritos do comandante-em-chefe Wellington, são eloquentes  quanto à eficiência, espírito aguerrido e organização do seu exército português que por mera injustiça do destino e génio estratégico do veloz Bonaparte, acabou por não obter o merecido prémio final no campo de Waterloo. Que Estado é este que deixa passar praticamente despercebida, a passagem do segundo Centenário da vitória portuguesa sobre a França? Há cem anos e no Buçaco, a situação foi bem diversa, embora os acontecimentos ocorridos pouco depois, confirmassem o regresso aos velhos esquemas da luta político-partidária em que os militares ignominiosamente se deixaram envolver.

 

A Guerra Civil e a acalmia dos tempos da Regeneração, trouxeram numerosos militares para a esfera do poder e poucos portugueses saberão que o grande agente da adequação de Portugal à nova Europa do desenvolvimento material, foi um militar. Fontes Pereira de Melo não possuía a panache de um Saldanha que cativava pelo seu currículo, brusquidão de atitudes e galhardia que os seus pergaminhos de liberal fidalgo impunham. O trabalho aturado, a firmeza das decisões e um ambicioso projecto de desenvolvimento, concitaram numerosos inimigos a Fontes, enquanto nas esferas partidárias se iniciava uma implacável guerrilha fratricida que aniquilaria o regime. Da equívoca, embaraçosa e estranha abstenção  no processo de 3-5 de Outubro de 1910, aos consecutivos golpes e manobras políticas que levaram os uniformes para a arena de S. Bento, da contrariada participação na I Guerra Mundial, ao Sidonismo e ao 28 de Maio de 1926, poucos conseguirão hoje distinguir as Forças Armadas como corpo autónomo capaz de impor o respeito institucional.

Há muito se perdera o entusiasmo popular granjeado pelas campanhas de ocupação em África e no período imediato à definição das fronteiras e afastamento dos principais focos insurrectos que ameaçavam a uma soberania ainda bastante nominal, assistiu-se a uma demolidora campanha política contra os militares africanistas, onde pontificavam nomes como Mouzinho, Paiva Couceiro, ou Ornelas. Olhados com profunda desconfiança pelo restrito círculo dos flanantes convivas dos fumarentos cafés do Chiado e do Rossio, eram insultados como o peixe-espada de recurso e potencial caixa de surpresas de todas as desgraças para o progresso civil da nação. De nada serviram os prometidos e mirabolantes projectos de crescimento naval que dotariam a Armada de couraçados, cruzadores e torpedeiros capazes de enfrentar o vigilante vizinho e rival. Enviaram-se milhares para a Flandres, espantando-se homens que como João Chagas desconheciam o esforço de modernização que há mais de uma década o Estado empreendera, no sentido de modernizar e equipar o exército. Liquidada  uma boa parte do corpo de oficiais que desconfiava profundamente do regime imposto na Rotunda, o país viveu nas ilusões alimentadas por uma propaganda que via ruir uma a uma, as lendas que apregoara a épicos feitos nas trincheiras. Portugal viu-se reduzido a um imaginado Soldado Milhões, a uns tantos tiros desfechados por um solitário U-Boot do Kaiser contra o Carvalho Araújo e ao descalabro logístico e sanitário que ditaria a completa e inapelável derrota no norte de Moçambique e sul de Angola. O problema crónico da falta de liderança capaz e independente das fidelidades partidárias, aliada à avareza no propiciar de recursos capazes de conduzir as exigidas tarefas a bom termo, ditaram o insucesso e o desprestígio castrense que a acção do 28 de Maio pretendeu resgatar. Conhecem-se as consequências  que se prolongaram por mais de quatro décadas e o país continuou adormecido na certeza da ausência de qualquer perigo externo directo, até à emergência do conflito espanhol de 1936-39, quando as autoridades civis, na iminência de uma guerra mundial, procuraram modernizar uma estrutura que urgia repensar e criteriosamente equipar. Assim, Portugal miraculosamente foi poupado a uma ocupação sem hipóteses de resistência e mais tarde, quando do ingresso na OTAN, pela primeira vez em mais de um século, viu as forças armadas equipadas de forma consentânea e integradas num esquema doutrinal perfeitamente delimitado por acordos internacionais em que o país participava.

 

Após o 25 de Abril e apesar de um breve idílio de odor castrista que trouxe a tropa de sapatilhas e barbas para as ruas e cafés de Lisboa, o país voltou à normalidade da inclusão numa Aliança Atlântica que estava rapidamente a evoluir num sentido mais global e integrada como braço de recurso da ONU. O desaparecimento do Pacto de Varsóvia , criou a irrealista ilusão da paz para um século e os portugueses ainda mais se convenceram acerca do já tradicional e generalizado sentimento de "desperdício de recursos" que as forças armada significariam. Simultaneamente, os governos orgulhosamente decretavam a extensão da Zona Económica Exclusiva, exigiam a permanência de um Comando da OTAN em território nacional - Oeiras -, pretendiam a atribuição de cargos e tarefas a nacionais e vociferaram contra a existência do SMO. Infelizmente, a alternativa não consistiu numas Forças Armadas mais reduzidas, mas mais dinâmicas, modernas e eficazes, capazes de atrair quadros interessados em seguir uma carreira profissional que em simultâneo garantia a segurança do Estado e do próprio regime. A infernal gritaria, falta de dignidade e total inconsciência em torno do sempre candente problema do reequipamento de todas as armas, foi sempre um excelente argumento utilizado nos curros políticos e inevitavelmente, os silenciosos militares surgiam para a opinião pública, como distantes entes sequiosos de mordomias e capazes dos maiores desvarios no desperdício de verbas. Daí ao apontar do dedo acusador de supostas corrupções e da necessidade de mitigar gastos supérfluos - Guterres pensou em extinguir o Colégio Militar, enviando os alunos para Madrid ! - foi apenas um passo. Um muito tímido e irrisório renovar de efectivos de uma Armada chamada a controlar e gerir um colossal espaço marítimo; a parcimónia na dotação de meios de uma Força Aérea que quase ainda não conhece a extensiva utilização do helicóptero; as caricatas avarias do corpo de blindados nas paradas do regime; a vetustez das armas pessoais de campanha; a falta de equipamentos electrónicos, veículos de transporte e armamento defensivo capaz de dissuadir a mais ténue ameaça, eis alguns dos muitos problemas que uma sociedade civil habilmente industriada pela cacofonia mediática, teima em não querer reconhecer como próprios.

 

O desprezo, quando não ódio, instilado contra as Forças Armadas por um poder civil que muito lhes deve, tornaram rotineiras as visíveis faltas de respeito evidenciadas por entidades como os drs. Soares e Sampaio, teóricos comandantes supremos e ostensivos adversários de tudo aquilo que a instituição militar imaginadamente possa significar. As faltas de decoro institucional, o desaparecimento dos uniformes que outrora se viam em todas as ruas das cidades e vilas do país, o circunscrever da participação cívica a uma rápida cerimónia no 10 de Junho em Belém, tornaram  os militares como  algo supostamente comparável a uma polícia capaz de sofrivelmente intervir  internacionalmente e pouco mais. Entretanto, os governos vão preenchendo a agenda política com missões a executar no estrangeiro, sejam elas intervenções estabilizadoras na Guiné, ou a proclamação de fidelidades no âmbito da Nato. Bósnia, Kosovo ou Afeganistão, consistem em teatros de guerra, onde a necessidade da intervenção nacional jamais foi explicada a uma população completamente ignorada pelos partidos que tomam as decisões. A incompreensão, a acusação - bem merecida - de oportunismo político "para americano ver" e o constante ribombar de idiotias de toda a ordem no hemiciclo de S. Bento, trazem as Forças Armadas para um debate desnecessário e que desacredita a autoridade e honradez do Estado.

 

Hoje discute-se abertamente a quebra de um compromisso internacional, neste caso, a compra de dois (!) submarinos. Como se uma atitude semelhante fosse perfeitamente natural e exequível, os noticiários aproveitam um tema que devia ser reservado e próprio do domínio intocável de um Plano Estratégico Nacional, arrastando-o para a arena da intriga ou para o nível das negociatas imobiliárias e especulação financeira. Pouco importam as implicações contratuais, a Aliança Atlântica, as vantagens no campo político - e económico -, ou o reconhecimento do controlo português sobre a maior área económica marítima do Atlântico Norte. Correm rumores como fogo em palha seca e o poder - instalado e na oposição - a tudo recorre para atribuir a outrem a sua comprovada incompetência, provisoriedade programática e falta de visão a longo prazo.

 

Importa tudo demolir ou impedir a ascensão de adversários, garantir obediências e fidelidades em empresas dependentes da espada de Damocles fiscal e sobretudo, alardear problemas menores, mas capazes da distracção de uma opinião pública que encontra nos escândalos, um tema de alheamento daquilo que é importante. Tem sido esta a política prosseguida nas últimas três décadas.

 

A desonra do Estado e o total desprezo pelas instituições sobre as quais se ergue, consiste num erro irreparável. O futuro assim o confirmará.

 

 

 

 

publicado às 16:13

Sucatas, negócios e vergonhas

por Nuno Castelo-Branco, em 21.11.09

 

Eis o estado do nosso património (M4 Sherman) que vai - ou já foi - para a sucata

 

 

Portugal foi obra de soldados, com eles se expandiu e consolidou e se a nossa língua é hoje o terceiro idioma europeu no mundo, tal pode ser atribuído ao inesperado prolongamento de uma independência em que muitos acreditaram como inviável.

 

As Forças Armadas foram desaparecendo da visão de uma população civil que aprendeu a vê-las como fonte de despesa ou uma clique privilegiada de benefícios imerecidos. É este o mortal e interesseiramente teleguiado substracto que estabelece a base de uma sociedade civil que hoje desconhece os principais pilares da independência nacional. Controvérsias acerca da sobrevivência do Colégio Militar - com uns cheiros a interesses imobiliários -, o constante desprestigiar do papel cívico das F.A. na nossa história e paradoxalmente, o constante apelo aos seus serviços para "inglês ver e beneficiar os agentes civis", eis o actual panorama.

 

Terrenos de antigos quartéis - muitos deles confiscados após a Guerra Civil terminada em 1834 -que são hoje o objecto da especulação e a total incúria pelo património militar herdado do equipamento de outros tempos, contribuem em muito, para o amesquinhar desta instituição.

 

Surge agora o caso das sucatas. Pelo que parece, os lotes de material obsoleto são cedidos aos preços que se conhecem, obedecendo à "lei do mercado". No entanto, habituados como estamos ao malbaratar de recursos que além-fronteiras são olhados como preciosas peças de museu, convinha deixar uma ou outra questão que carece de pronta resposta. Há uns vinte anos, compradores israelitas vasculhavam os arsenais de reserva de outros países, adquirindo Sherman's que depois de modificados, serviram - e ainda servem - as IDF, poupando recursos escassos e prolongando a vida útil do equipamento. Em Portugal, tudo se envia para a sucata.

 

Qual será a razão pela qual, passado o tempo útil de operacionalidade dos equipamentos, não se faz qualquer tipo de esforço para a preservação de alguns exemplares que consolidem a memória de um dado momento histórico? Existirá ainda algum equipamento blindado dos anos 40, 50 e 60 que possa constituir um pequeno núcleo museológico? O que tem Portugal de tão diferente dos outros países, que nos impeça de exibir peças que serviram muito para além do seu esperado tempo de operacionalidade? Países há, como a França, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos ou Rússia, que conservam ciosamente exemplares de todas as armas, exibindo-as em demonstrações internacionais que prestigiam o país, incentivam o espírito de conservação dos técnicos e mecânicos e enriquecem colecções que são vistas por turistas que visitam os museus militares?  Onde para o primeiro equipamento mecanizado importado à Itália, Alemanha e Reino Unido nos anos 30 e 40? Existirá ainda um único M3 Sherman operacional, um Chaffee, um M-47 ou um M-60? O que fizeram das já raríssimas peças de artilharia Krupp e as 25pdr. adquiridas durante a II G.M. e que serviram a NATO até há poucos anos, não esquecendo a sua importante participação no conflito africano dos anos 60-70? Os estrangeiros sabem exactamente qual a situação deste negligenciado património e comentam em sites especializados. Nos jardins públicos do Reino Unido e dos EUA - terríveis ditaduras militaristas, como se sabe -, assim como nas cidades russas, belgas, holandesas e até sul-africanas, encontram-se em exibição numerosos exemplares de artilharia e de blindados de outros tempos. Recordo-me muito bem que estando a passar férias em Joanesburgo (1971), costumava ir brincar para um jardim, onde com outros miúdos trepávamos por um blindado, passando tardes inteiras a "fazer de conta" em campanhas imaginárias. Ainda me recordo do nick do tanque, pintado na blindagem lateral: Fearnaught.

 

No nosso Museu Militar, se excluirmos alguns exemplares de armas ligeiras do período da Guerra de África, dir-se-ia que as Forças Armadas Portuguesas acabaram quando da derrota nacional consumada em 1918. À parte as preciosidades do período áureo da expansão - o montante de Vasco da Gama ou o actualmente ignorado e espectacular canhão de Diu - pouco mais existe para mostrar. Dir-se-ia que temos vergonha de ser quem fomos. As quase clandestinas comemorações da gesta da vitória popular e militar contra a França de Bonaparte, fazem parte deste inenarrável estado de coisas que aviltam Portugal inteiro. A comparação com o Primeiro Centenário da Vitória na Guerra Peninsular, realizado no Buçaco em 1910, é simplesmente abissal. Hoje, já nem sequer podemos ter oficialmente o Rei que a todos representa e sintetiza. Ainda impera de forma autocrática, o espírito da "Deputação a Baiona".

 

 

publicado às 15:04






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