por Fernando Melro dos Santos, em 13.11.12
Norberto Neves, nascido na vila de Rio Cabrão, perto de Arcos de Valdevez, sempre trabalhou. Filho de pai agricultor e mãe sopeira, desde tenra idade começou a ajudar nos campos e a fazer-se vigoroso. Cresce sabendo o que são dificuldades e sente-se grato por ter vindo ao Mundo num tempo em que a República, laica e plebeia, bafeja os audazes (e os outros) com as copiosas graças dos amanhãs que cantam.
Norberto estuda. Aprende muito. Imerge-se com viço e valor numa vida dedicada ao progresso e à mudança, de olhos sempre postos no dia seguinte, e depois, com o discernimento que os meses lhe vão conferindo, na hora seguinte. Parar é morrer e fazer coisas, muitas coisas, é a forma varonil que escolhe para sobrepujar as origens. Nunca transcende, porém, a memória daquilo que sempre verá, até ao fim dos seus dias, como uma injustiça: a existência de pessoas mais pobres que outras. Despontam nesta era da sua vida as primeiras considerações acerca do que é ser rico, e decidido cunha para si mesmo a noção de que os ricos são aqueles que não são pobres.
Volvidos trinta anos, mercê do seu mérito e maior mestria no exercício das artes comunicativas, Norberto ascende meteoricamente ao longo de uma carreira profissional impoluta e socialmente útil, mitigando ainda mais os recalcamentos de antanho. Amadurecido e ameno, sabe hoje que o país é menos pobre e que isso obriga a um reposicionamento dos seus valores. Os ricos passam a ser aqueles que têm ao seu alcance um conforto material que ainda é vedado à restante maioria , em concreto à própria classe onde se inclui Norberto.
Os anos são bons para Norberto. Consegue aplacar a voragem paladinesca que sentiu durante a travessia de um enorme Peloponeso de dúvidas, e aos quarenta, vidas feitas, desfeitas, reconstruídas e repensadas, assume-se como um homem comum, devidamente inserido. Aufere oito vezes mais do que o salário mínimo nacional, estando portanto, de acordo com as suas últimas aferições, perfeitamente enquadrado na classe média, acima de cujo limite superior habitam, ainda, alguns ricos, outros muito ricos, e ainda gente que considera demasiadamente rica. Norberto abarca a totalidade destes entes num amplexo social-igualitário, por entender que é deles a culpa de haver, ainda, pessoas a quem a vida quotidiana exige sacrifícios e opções duras.
Entretanto, como é de justiça, gasta o seu estipêndio mensal em bens de consumo, como se cada hora fosse a final, nem olhando para trás. Se o fizesse, o que certamente não faz por ter a mente ocupada a pensar na justa redistribuição da riqueza (alheia), perceberia que um só dia das suas despesas equivale a quanto pensou precisar, nos idos da juventude, para sobreviver durante semanas. Se ao menos os ricos, essa fugaz quimera teratológica, cessassem de mandar no Mundo.