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Um extraterrestre que aterrasse em Portugal, transportado pela recente poeirada subsariana, julgaria certamente que Pedro Nuno Santos (PNS) era o chefe incontestável da tribo lusitana, o manda-chuva, o chefão — o vencedor das eleições legislativas. A carta é curta, mas é grossa. Exige alguma transliteração. Requer tradução. Ou seja, para quem domine minimamente o idioma socialistês, e tenha um grau de proeficiência ideológico q.b., a coisa torna-se translúcida, fácil. Há abundância da forma condicional — o "se" e mais outro "se" e ainda outro "se". E soa tudo a charada — a chantagem dissimulada por floreados de facilitismos, a generosidade de espírito que encaixa bem na época festiva das liberdades, dos cravos e das revoluções. Pedro Nuno Santos instrumentaliza a Administração Pública como se a mesma fosse um cão amestrado para o circo das vontades socialistas. A negociação prévia é um oximoro-paradoxal — nada significa. As organizações dos trabalhadores há muito que foram organizadas pelos mesmos de sempre. E para demonstrar que o Partido Socialista soube acomodar-se à mudança horária, disponibiliza um cronómetro temporizado aos 60 dias, que quase rima com os 50 anos da invenção democrática, a solução congeminada em exclusivo pelos antepassados de Pedro Nuno Santos. Se o lider da oposição, com "enorme vontade de colaborar", já se manifestara publicamente, esta carta é perfeitamente dispensável. Sugere cabeça de cavalo numa cama ensanguentada da Aliança Democrática. Se eu fosse alguém, passava o tempo todo a olhar por cima do ombro. Se eu fosse o Montenegro, ou o Montecristo...
O governo de António Costa foi encostado ao canto por duas centenas de taxistas. Os socialistas acabam de minar mais um dos pilares da Democracia - o conceito de ordem pública. Ao ceder à chantagem da força bruta de uma classe profissional, Costa abre uma brecha grave na dimensão securitária de um país. Nunca um governo deve ceder a pressões desta natureza. Amanhã teremos os produtores de leite a derramar o seu protesto numa outra estação de serviço da economia nacional. Mas entendo o lirismo revolucionário do governo. A Esquerda, que é apologista da intervenção anárquica, nunca poderia condenar a acção daqueles que se inspiram nos seus métodos. Os portugueses ficam a saber como se marca uma reunião com o governo. A forma civilizada da tal concertação social é algo que pelos vistos não existe. Em vez de sancionar os prevaricadores, António Costa entrega um prémio àqueles que certamente perturbaram a vida de tantos outros que também enfrentam concorrência desleal ou nem por isso. É caso para começarem a questionar a capacidade deste executivo para manter a ordem na via pública. Vergonhoso.
O Rafael abordou há pouco a enésima atoarda do papá da República, o decano Mário Soares. Pelos vistos, segundo o venerando ex-presidente e ex-tudo, Paulo Portas tem sido chantageado pelo Governo. Estão a ver a lógica da coisa? Imaginem o seguinte: Portas, num belo dia de Verão, resolveu juntar-se a Passos e dar-lhe , em conformidade com os parâmetros estabelecidos pelo seu partido, um apoio político bem delimitado, exigindo em troca algumas pastas ministeriais. Contudo, passado algum tempo, Passos, o suserano-mor, após uma breve indisposição, decidiu cortar as asas a Portas, chantageando-o e intimando-o. "Ou aceitas o que te digo, ou ponho cá para fora o teu envolvimento no caso dos submarinos". Sim, caríssimos leitores, não é difícil imaginar esta cena operática. Passos, um vilão torpe, passe o pleonasmo, ameaçou entalar a reputação de Portas, usando para isso a chantagem do xadrez. Ou sim, ou cadeia. Agora, um pouco mais a sério: Soares vive em que planeta? Marte? Há limites para a estultícia, ainda para mais quando é do domínio público que Soares nunca foi flor que se cheire. Mais: ouvir Soares pronunciar a palavra chantagem é quase o mesmo que associar Jorge Jesus à vitória final no campeonato. A dissonância cognitiva tem destas coisas.