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Daniel Bessa pode parecer simpático porque vai ao encontro da vontade popular quando afirma que "renegociar a dívida é inevitável", mas logo a seguir deita tudo a perder: "e obriga a mais impostos". Um imposto pesado sobre o património (à moda do Chipre) - segundo o mesmo. Ou seja, os bem comportados que até conseguiram juntar um pé de meia de um modo honesto, serão implacavelmente roubados pela urgência de equilibrar as contas nacionais. O economista também fala do incremento das exportações desvalorizando o comportamento do mercado interno. Por outras palavras, o emprego nem sequer é tido em conta. O trabalhador nacional que se desenrasque - o que interessa é a procura externa. Acrescenta ainda que deve haver incentivo ao aumento da massa salarial através de duas vias possíveis; o aumento dos salários ou o aumento de trabalhadores. E aqui fico baralhado. Com que instrumentos financeiros? Com que dinheiro? Acho realmente grandioso que um economista de vulto apresente apenas metade da equação. Como se a pilha da calculadora tivesse ido à vida a meio caminho do algoritmo. Com o intensificar da contradição entre os mercados, a economia e a situação do emprego em Portugal e na Europa, seremos confrontados com estradas por onde caminham meias-verdades . No final do exercício económico deste anos, os resultados das empresas pela Europa fora serão maravilhosos. Pudera, conseguiram cortar com a gordura que representam os trabalhadores, e agora apenas ostentam músculo - a máquina produtiva. As bolsas de valores mundo fora e as respectivas acções, desde o ponto baixo de Março de 2009, tiveram um desempenho notável e começam a bater recordes de "altas". No meio deste entusiasmo, já não temo que o trabalhador seja esquecido na paragem - tenho quase a certeza.
Várias nações estão em competição para ganhar o mais deprezado troféu do desenvolvimento económico e social do mundo. Grécia, Chipre, Portugal e Irlanda são os principais concorrentes que disputam o galardão máximo: o prémio Nobel da Austeridade. O júri composto pelo FMI, a Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu, está a debater há mais de dois anos, e à porta fechada, a atribuição do prémio. Contudo, a decisão a tomar não será fácil, dada a grande qualidade dos seleccionados. A short-list de países pode ser curta, mas os concorrentes querem provar que são os melhores na corrida ao fundo. Convém acrescentar que, embora de um modo formal, não façam parte do colégio de juízes, a Goldman Sachs, a Standard & Poors e a Fitch também participaram no processo de selecção dos países candidatos de um modo muito expressivo. Os Óscares do prejuízo arrastam consigo uma torrente de opinião pública desfavorável e, por essa razão, o prémio a atribuir poderá ser partilhado entre o país ganhador e os seus governantes - a promessa de juros de dívida cada vez mais elevados, despedimentos em massa, cortes na segurança social e falências extraordinárias das funções do Estado. A menos de uma semana da apresentação pública da decisão, as casas de apostas dão como certa a vitória da Grécia ou Portugal. Mal posso esperar pelo evento. Pode ser uma das únicas chances que Portugal tem para levantar a taça. Dizem que nos anos que se seguem o número de candidatos duplicará na Europa e arredores.
BCP 0.0810
-12.90% - update: -16.91%
BES 0.547
-10.62% - update: -14.55%
BPI 0.792
-12.10% - update: -14.99%
BANIF 0.0790
-14.13% - update: -27.50%
*mas não é como vocês julgam.
Link.
É pena que o choque cipriota, diligentemente ministrado por uma Europa dúbia e incompetente, tenha saído dos radares dos media internacionais. É pena porque, ao que parece, e segundo as últimas informações disponíveis, o montante do resgate aumentou - passou de 17 mil milhões de euros para 23 mil milhões de euros -, sendo que o fardo desse aumento será suportado única e exclusivamente pelos cipriotas. Como?, perguntarão, e bem, os leitores. A resposta amedronta mas é muito simples: através da venda de ouro. Sim, os cipriotas venderão ouro para cumprir as obrigações com a troika, que, se quisermos ser verdadeiros, jamais serão solvidas. Sem soberania e sem autonomia política que baste, o resultado é este: ditadura financeira a troco de um prato de lentilhas. É por estas e por outras que este euro é uma valente asneira. Razão tem Bolkenstein, o mariola da tão criticada directiva dos serviços, ao propalar que este euro não tem futuro. E, de facto, não tem. Nunca teve e jamais terá.
Torna-se quase impossível determinar quais as consequências do controlo bancário que está a ser inaugurado na Eurozona. Qualquer que seja a designação do evento e a língua que se escolha (bank run, capital flight, corrida aos bancos, fuga de capital...), amanhã haverá uma reacção instintiva de uma comunidade alargarda de depositantes que passou a temer as instituições financeiras de um modo ainda mais intenso. A confiança no sistema bancário foi quebrada. Um sistema que agora tem rachas que estão a deixar entrar água, muita água. Nessa medida, e assumindo-me como uma pessoa não totalmente esclarecida, venho por este meio partilhar convosco algumas medidas de protecção para os tempos que se avizinham ainda mais difíceis. Independentemente do grau de riqueza ou pobreza de cada um, a noção de preservação de valor faz parte da consciência de qualquer pessoa. Sabemos que alguns bens mantêm o seu valor de um modo mais eficaz do que outros. Uma viatura, que não deixa de ser um péssimo investimento, tem um prazo de validade mais longo do que um iogurte natural. E essa questão de validade bate agora à porta de cada um com muita insistência. Esse cobrador de dúvidas não se vai embora e não veste um fraque. Perguntemo-nos então, o que poderá ser feito para minimizar os efeitos da confiscação financeira que se iniciou no Chipre e que se arrastará a outros belos destinos Europeus? Proponho que o aforrador, seja qual fôr a expressão das suas poupanças, passe a pensar em termos práticos. Se isto começar a descambar de um modo muito feio, a divisa Euro, cairá em descrédito, e naturalmente seremos obrigados a procurar outros veículos para salvar as mulheres e as crianças da nau do dinheiro. Começo por indicar que a diversificação será a pedra angular para minimizar os efeitos da volatilidade que iremos sentir. Há que espalhar o mal (o bem!) pela aldeia. Os Euros que estão depositados na sua conta podem ser retirados da mesma, mas procedendo a uma simples operação de transmutação. Uma operação de mudança de sexo - a conversão cambial. Ou seja, refiro-me à aquisição de Dólares Americanos, Francos Suiços ou Coroas Norueguesas. Falo de notas físicas que deverão ficar à guarda dos proprietários e nunca colocadas sob o controlo de gestores de conta, esses inimigos que andam aí à solta. Uma solução consiste em armazenar as notas numa caixa-forte. Existem empresas especializadas na tutela de bens de clientes a troco de um pequeno módico pelo arrendamento do espaço. A outra "divisa" histórica a considerar será o Ouro. Nada mais que pequenas barras que podem ser adquiridas em diversos tamanhos, com diferentes expressões de onças e valor. Para se ter uma noção, é possível começar com lingotes que custam um pouco mais de 100 euros. Não desejo ser alarmista nem sensacionalista. Teria sido entendido como um perfeito louco se recomendasse estas soluções há um par de anos, por exemplo durante a festa de uma Expo 98 ou de um Euro 2004. A história parece ser mais rápida agora, porventura porque ainda somos lentos na avaliação de risco que (não) fazemos, e não percepcionamos a urgência da situação em que nos encontramos, porque estamos entretidos a ver a bola passar. Passamos a viver numa época de favas descontadas. Resta-nos agora invocar Noé e tentar evitar a desgraça de um dilúvio que já afogou uma ilha e que irá galgar as margens do continente. Incontinente.
Viriato Soromenho-Marques, União Europeia morreu em Chipre:
«Quando as tropas norte-americanas libertaram os campos de extermínio nas áreas conquistadas às tropas nazis, o general Eisenhower ordenou que as populações civis alemãs das povoações vizinhas fossem obrigadas a visitá-los. Tudo ficou documentado. Vemos civis a vomitarem. Caras chocadas e aturdidas, perante os cadáveres esqueléticos dos judeus que estavam na fila para uma incineração interrompida. A capacidade dos seres humanos se enganarem a si próprios, no plano moral, é quase tão infinita como a capacidade dos ignorantes viverem alegremente nas suas cavernas povoadas de ilusões e preconceitos. O povo alemão assistiu ao desaparecimento dos seus 600 mil judeus sem dar por isso. Viu desaparecerem os médicos, os advogados, os professores, os músicos, os cineastas, os banqueiros, os comerciantes, os cientistas, viu a hemorragia da autêntica aristocracia intelectual da Alemanha. Mas em 1945, perante as cinzas e os esqueletos dos antigos vizinhos, ficaram chocados e surpreendidos. Em 2013, 500 milhões de europeus foram testemunhas, ao vivo e a cores, de um ataque relâmpago ao Chipre. Todos vimos um povo sob uma chantagem, violando os mais básicos princípios da segurança jurídica e do estado de direito. Vimos como o governo Merkel obrigou os cipriotas a escolher, usando a pistola do BCE, entre o fuzilamento ou a morte lenta. Nos governos europeus ninguém teve um só gesto de reprovação. A Europa é hoje governada por Quislings e Pétains. A ideia da União Europeia morreu em Chipre. As ruínas da Europa como a conhecemos estão à nossa frente. É apenas uma questão de tempo. Este é o assunto político que temos de discutir em Portugal, se não quisermos um dia corar perante o cadáver do nosso próprio futuro como nação digna e independente.»
Existe um pequeno pormenor habilmente varrido para debaixo do capacho de entrada da crise cipriota. O Partido Progressista dos Trabalhadores (uma espécie de CDU, enfim, o PC local), tem estado no poder desde há alguns anos, mais precisamente durante os momentos fulcrais da adesão de Chipre à UE e correspondentes enxurradas monetárias vindas da nomenklatura russa. O que terão os camaradas portugueses a dizer acerca deste tipo de internacionalismo? A verdade é que este Partido AKEL*, é um dos mais velhos irmãozinhos do PC, perdão, da "CDU". Ou para estas coisas já não se reconhece a família que também se herda?
* O leitor zeca marreca oportunamente lembrou tratar-se de um lambda, assim AKEA deverá ser escrito AKEL em caracteres latinos. O nosso agradecimento ao leitor do PCP. Quanto ao facto de aqui termos deixado a exótica sigla CDU - uma omnipresente recordação alemã -, tal se deve à necessária mudança de nome eleitoral do PC. Já foi FEPU, passou a APU e estamos na fase CDU. O caso cipriota mostra que o PC local transitou calmamente sobre as brasas plutocráticas que herdou devido aos "laços históricos" com os componentes da extinta URSS, aceitando os factos consumados. Neste caso, até alegremente prosseguiu na senda do progresso, como sempre.
Apenas algumas questões.
1. O saque das economias
O assalto a 30% dos depósitos superiores a 100.000€, atinge muitíssima gente. Os mais penalizados serão certamente quem confiou nos bancos - e no Estado + U.E. - e decidiu neles guardar as economias de uma vida. Se os Irmãos Metralha institucionais tivessem ido às contas dos esquemáticos das armas e outras lavandarias financeiras, poderiam, digamos, ter colocado a fasquia acima do milhão de €uro.
2. A "confiança" na U.E.
Que gente é esta tão distraída, permissiva e pronta a aceitar na moeda única - e na própria U.E. -, um país que nada mais é, senão uma espécie de Dona Branca com métodos e contas tão falsificadas como aquela já falecida anciã portuguesa, grande amiga e benfeitora de muita gente do nosso regime? Não sabia Bruxelas o que estava em causa? Não tinha o menor conhecimento acerca dos dirigentes Rastapopoulos do Chipre e da sua correspondente mãezinha continental, gente que era e é de pouca ou nenhuma confiança?
3. Rússia
Esperamos sentados a reacção dos caseiros órfãos de Lenine, previsivelmente indignados pelo saque ao povo cipriota. Talvez fosse melhor desde já separarem o Stelios e o pobre do Ioannis, esbulhados dos seus 100.000€, daqueles depositantes de nome próprio Andrei, Vladimir, Mikhail e muitos outros cujos apelidos normalmente terminam em "ine" ou "ov". Sim, esses mesmos que tendo sido educados, militantemente treinados e aquecidos pelo "Sol da Terra", logo souberam recauchutar a vanguarda proletária, reaparecendo como flamantes batalhões cleptocráticos. Nada disto é por acaso.
"Waking up in a country that will never be the same again. Sad to see it happening here, after seeing it in my own."
Marina Stevis, Twitter
"Kremlin to "freeze assets" of German companies in Russia in retaliation to the terms of EU bailout in Cyprus.. this one definitely has legs."
Steve Hawkes, Twitter
A democracia, que, como é sabido, significa, usando uma expressão bem singela e lincolniana, o governo do povo, pelo povo e para o povo, sofreu um sério revés em terras cipriotas. O que se passou nas últimas horas em Chipre é mais do que um ataque à dignidade nacional de um estado-membro de uma União que já não esconde os seus instintos homicidas. O que se passou foi, sobretudo, um assalto organizado, tale quale uma organização mafiosa, aos fundamentos mais entranhados da jovem democracia cipriota. Há que o dizer com frontalidade e sem qualquer receio. É por isso que, ao contrário, por exemplo, de alguma blogosfera nacional, contesto veementemente o acordo alcançado na última madrugada. Analisemos o fio dos acontecimentos com alguma frieza: à última hora, e após um longo e mortífero "brinkmanship", o Governo cipriota acabou por aceitar a proposta inicial aventada pelo FMI, isto é, os depósitos acima de 100.000 euros acabarão por ser taxados a 30%. Reparem na desvergonha da coisa, primeiro, a Europa do pau e da cenoura impõe um plano assente no confisco aos aforradores, depois, o parlamento cipriota, sede matricial da democracia, rejeita esse mesmo plano, por último, após uma pressão fortíssima aos titulares do poder executivo cipriota por banda da troika europeia e alemã, o plano inicial, habilmente redesenhado, é, finalmente, aceite. O mais engraçado disto tudo é o facto de o plano em causa ter sido edulcorado com a objectivada reestruturação bancária que, não sendo um imposto, dispensará o voto do legislativo cipriota. A democracia não serve para nada em países supostamente intervencionados. Não serve agora e jamais servirá. O confisco voltou, pois, por portas travessas. Com uma agravante: o que antes era taxado a 9,9%, agora passará a ser taxado a 30%. Manobra inteligente e maquiavélica, há que dizê-lo. Qual será o resultado disto? A resposta é simples e medonha, a economia cipriota será completamente destruída. Os russos desaparecerão - o que é compreensível, note-se - e o sistema financeiro cipriota, não obstante a sua desmesura, será rebentado num abrir e fechar de olhos. É assim que se destroem países, em pleno século XXI, sem recorrer às vis armas. Ademais, resta saber como reagirão os depositantes cipriotas, sabendo que os bancos, não os dois maiores, claro está, reabrirão as suas portas na quinta-feira. É certo e sabido, e a conclusão mais saliente desta crise é justamente este facto, que a confiança, activo fundamental em qualquer economia de mercado digna desse nome, evaporou-se. Não existe mais. Além disso, numa jogada arriscada e perfeitamente tresloucada, Mr. Diesel-Boom, que, para quem não sabe, é a alcunha do actual chefezinho do Eurogrupo, já veio dizer, reparem só nisto, que a intenção das troikas que andam por aí a matar povos inteiros à agonia é a de não ajudar os bancos em dificuldades. Por outras palavras, os bancos, depositantes, accionistas e credores que se cuidem a si próprios. O princípio em si não está errado, o problema é que estamos a falar de uma moeda comum, gerida à paulada por um império de gnomos. Uma moeda que, convenhamos, não tem futuro e que não reserva nada de bom às soberanias nacionais, já de si espatifadas, dos estados-membros. Volto a repetir: Portugal deve debater a saída do euro o quanto antes. Talvez o surgimento de um partido anti-euro na Alemanha ajude nesse intento. Sempre copiámos o que se faz lá fora. E a hora para discutir um futuro decente para os nossos compatriotas chegou. Ou euro ou democracia, tão simples como isso.
De acordo com fontes comunitárias da AFP, o acordo que o Governo cipriota está a fazer com a 'troika' implica o congelamento e provável, chamemos-lhe, roubo de 40% de todos os depósitos do Banco do Chipre - o maior da ilha - acima dos 100 mil euros.
Entretanto, já há notícias de bombas a explodir num balcão desse mesmo banco.
40%? Em depósitos? Sob o argumento que o dinheiro vem de riquezas russas e ucranianas? Isso é mais que roubo e abuso de poder. Isto é um ataque à Constituição Cipriota, aos valores da União Europeia e, mais grave que tudo, um pontapé na dignidade dos países que - como Portugal - sofrem da necessidade de intervenção estrangeira. Até aqui, tentei não cair no populismo de acusar a Alemanha de um plano conspirador de controlar a Europa. Mas face a alguns indicadores como este, percebe-se que o povo germânico é o que está a lucrar mais com a crise. Com desemprego na ordem dos 5% e com uma estratégia completamente contrária à austeridade, Merkel vê a Alemanha a crescer cada vez mais enquanto países, potencialmente concorrentes, como França ou Inglaterra não conseguem acompanhar o ritmo económico.
O caso do Chipre deveria ser usado para provar os malefícios do projecto europeu que não conseguiu impor-se face à ganância alemã. O projecto europeu que se baseava na solidariedade entre estados do mesmo continente morreu. E isto, mais que triste, é perigoso. A História provou que uma Europa sem um fio condutor pacífico como a União Europeia (pelo menos até desenvolvimentos recentes) não se consegue manter pacífica.
A União Europeia, tal como a conhecemos e elogiamos, morreu. O projecto federalista não conseguiu sair da gaveta. A Alemanha tentou e conseguiu subjugar a Europa. Finalmente, diga-se. No entanto, ainda vale uma coisa. Os tempos mudaram. A política mudou. Já não há ditaduras por essa hora fora. Hoje, o projecto europeu depende dos eleitores alemães e da recusa de todos os outros países, pela democracia. De qualquer maneira, daqui para a frente, não vai ser nada bonito o que nos preparamos para assistir.
Seguem-se tempos negros.
Em 1962 a União Soviética teve um "affair" com uma ilha (a crise dos mísseis de Cuba) e agora, volvido mais de meio século, a Rússia tem o seu "caso" novamente com uma ilha (chamemos-lhe a crise dos euros do Chipre)...
Tenho andado equivocado. Tenho procurado uma grande teoria para explicar o descalabro da União Europeia (UE) e cheguei a uma simples conclusão. É óbvio que a UE nunca poderia resultar. Sem grandes elaborações conceptuais ou teóricas, mas baseando-me apenas em provas fornecidas por seitas e grupos místicos, podemos afirmar, de um modo moralista ou não, conforme os gostos, que uma relação poligâmica tinha de dar nesta confusão, neste arrufo de namorados. A comunidade económica, que começou de mansinho como uma coisa séria, vista retrospectivamente, nada mais foi do que um imenso bacanal. Um orgia política coberta por uma manta de grandes desígnios económicos. O grupo, formado por dois ou três machos valentes, líderes espirituais do norte, e uma panóplia de seguidores do sul, estava destinado a esbarrar com um dissidente. Um membro insatisfeito com os rituais impostos pelos iluminados. O Chipre confessa agora os seus dois amores. O coração amargurado do Chipre revela a sua ambivalência. Viveu estes anos todos num ménage à trois enquanto a maralha pensava que era uma união de facto. A ilha solitária vacila nesta hora de aflição. Procura o conforto de alguém. Não sabe ainda se deve entregar o seu amor à Babushka ou preservar a amizade colorida com tantos parceiros de deboche - 27 ao todo. Levou uma mocada dos lideres espirituais e começa a ter sérias dúvidas sobre a religião que professou durante tantos anos. Quando o Chipre rasgar os votos de feliz casamento com a UE, outras noivas seguir-lhe-ão as pegadas...braçadas para não se afogarem.
O Parlamento cipriota recusou o saque das contas bancárias. Os deputados sabem que podem agora contar com um há muito esperado interveniente na região, não hesitando agora em ruidosamente contrariarem os desígnios de Bruxelas.
Não pertencendo à NATO, a ilha de Chipre pode bem ser o próximo alvo do cada vez mais evidente intervencionismo do governo de Putin. A bizarra - ou nem tanto - proposta de resgate oferecido pela Gazprom, integra-se na estratégia de expansão da influência russa no Mediterrâneo Oriental. O caso sírio e a política moscovita que visa a manutenção do status quo nesse seu importante aliado no Médio Oriente, oferece uma certeza quanto à intenção de não abandono das posições na área. Se a isto acrescentarmos a penetração chinesa nos portos gregos e a cada vez mais evidente readopção de alguns argumentos pan-ortodoxos que fizeram história no século XIX e no alvorecer do vigésimo, parece-nos que a Rússia está decidida a preencher o vácuo estratégico numa ilha dividida e agora à mercê de graves dificuldades financeiras. Podemos estar perante o início do cerco à potência turca e talvez a uma presença militar russa para além dos "Dardanelos da NATO", um projecto vetusto de mais de dois séculos, mas nem por isso abandonado pelos czares, pelo regime soviético e agora pela Rússia de Vladimir Putin.
A dependência energética europeia concede preciosos trunfos a Moscovo, podendo os russos contar com alguma colaboração de Berlim, perfeitamente consciente do cada vez mais evidente afastamento norte-americano em relação à Europa. Surge a hipótese de uma progressiva finlandização da chamada União Europeia, conseguindo assim Putin, aquilo que durante mais de quarenta anos o Kremlin vermelho almejou sem qualquer sucesso. Arredado o espectro do comunismo, aos russos já não lhes interessa o controlo daquilo a que outrora chamavam de "partidos irmãos", pois a energia e até a própria segurança militar - escandalosamente obliterada pela generalidade dos Estados da U.E. -, são argumentos capazes de despoletar todo um novo sistema de poder na Europa. À partida existem interesses comuns e a escalada islamita também será um factor a considerar, apesar do até agora flagrante appeasement que o Ocidente adoptou como provisória panaceia que tranquilize os milhões de muçulmanos residentes na Europa. Tudo parece confluir para um render da guarda da tutela sobre o Velho Continente e pelo menos, as vastas regiões da Europa central e oriental não poderão deixar de evidenciar a permeabilidade à influência russa.
Bons conhecedores de estratégia, os russos ainda terão bem presentes o clamoroso erro que o Führer cometeu quando interditou a reedição do assalto pára-quedista que com um sangrento sucesso, deu a posse de Creta ao Reich. O controlo do Mediterrâneo Oriental ter-se-ia consumado com a ocupação de Chipre, escancarando as portas do Médio Oriente à intervenção da Wehrmacht, concedendo as jazidas petrolíferas ao Eixo e decididamente fazendo evoluir a Turquia no sentido dos pressupostos do Pacto Tripartido. A não conquista de Chipre, talvez tenha evitado à Rússia o combate em duas frentes e uma clara indicação de derrota militar em 1942.
Os cipriotas estão mais isolados que nunca, não há qualquer hipótese de Enosis que lhes valha. O caso das dificuldades financeiras de Chipre é resolúvel, dada a pequena dimensão da sua economia. Os russos sabem-no e dispõem dos meios que lhes comprem uma preciosa posição estratégica, aliás com um potencial energético que se adivinha. A União Europeia poderá adoptar as medidas que lhe pareçam mais oportunas, mas neste caso, há que contar com outro interveniente. O que não parece ser contornável, é a bem próxima inclusão da ilha nos planos de expansão da influência russa numa zona conturbada e bem próxima de países onde a chamada "Primavera árabe" nos deixou à mercê de todas as incógnitas. Resta-nos apenas observar em que sentido poderão agir os turcos.
O que se está a passar no Chipre é demasiado grave para que estejamos com rodriguinhos estéreis a comentar o que não é comentável. Uma Europa que confisca o aforro dos seus esmifrados cidadãos é uma Europa que não sabe, não conhece, nem respeita a democracia. Ponto final parágrafo. Admitamos o óbvio, e o óbvio, por mais que nos custe, é que a democracia europeia já era. Doravante tudo será possível. Aberta a caixa de Pandora não haverá confiança que resista. O mais grave disto tudo é o facto de as actuais lideranças políticas europeias terem cedido inapelavelmente a uma espécie de loucura colectiva, em que nada, rigorosamente nada escapa, nem mesmo o bom senso mais elementar, à vertigem da estupidez. Primeiro, anuncia-se o roubo, legalizado, claro está, depois, já com a reacção irada, e justificada, note-se, da cidadania europeia, transforma-se esse roubo num roubo mais palatável, com percentagens mais reduzidas, consoante o nível de rendimento das potenciais vítimas. Um guião de loucura, mas de uma loucura bem real, que vai aos nossos bolsos sem que haja um ai, um pio, um mero não, um simples basta. Esta semana promete ser particularmente agitada, com correrias e muito nervosismo nas chancelarias. Neste momento, a grande incógnita é saber como irá reagir o povo cipriota. Uma coisa é certa, a confiança, um activo fundamental em qualquer sistema monetário fiduciário, evaporou-se. Ninguém acreditará mais numa moeda em que, a qualquer momento, a garantia dada aos depósitos poderá desaparecer. Mais: é absolutamente inacreditável, para não usar outro termo, que o senhor Rehn, um sátrapa da pior espécie, afirme que esta medida não se replicará em mais nenhum país. Mas haverá alguém, por essa Europa fora, que acredite neste senhor? É possível dar crédito a quem decide e delibera monstruosidades deste tipo, afirmando especificidades que não existem? A Europa acabou. Esperemos que este pesadelo não demore demasiado tempo a ser encerrado.
O que está a acontecer no Chipre não é um evento de uma terra distante, um local exótico. Está a decorrer na Europa, e não é uma Europa qualquer. Estamos a assistir a convulsões que estão a ocorrer na Eurozona. O Chipre é membro de pleno direito da União Europeia. A terra sagrada que supostamente deveria garantir uma maior segurança económica, social e financeira aos seus cidadãos. A população Cipriota, nativa ou não, foi vítima de um assalto orquestrado. Uma operação congeminada à distância de um abrigo secreto chamado Bruxelas. O rebentamento das guarnições bancárias não foi perpetrada por uma célula terrorista, a partir de um enclave que se poderia chamar Furtistão. O roubo foi aprovado por um conclave de políticos desesperados. A campanha que se inicia no Chipre, demonstra que as marcas existem para ser ultrapassadas, derrubadas por decreto bancário. A pergunta que coloco é a seguinte; o que acontece quando a população nem sequer tem dinheiro para levantar? A população levantar-se-á porque nada tem a perder. Esse é um dado adquirido e parece-me que Portugal é um sério candidato a ser engolido por um fenómeno extremo. Uma corrida aos bancos é um fenómeno de extrema gravidade. Uma corrida aos bancos é a modalidade financeira mais rápida quando a realidade começa a desmoronar. É uma espécie de olimpismo da desgraça do crédito, descrédito. Se uma massa de gente decide proteger o seu património, por mais parco que seja, haverá muito pouco que os políticos poderão fazer para contrariar a fúria das massas. Não me surpreende que tenham escolhido o Chipre para realizar a experiência. Trata-se de uma ilha mal-amada, uma espécie de Alcatraz da economia e política da Europa. Um dos espinhos cravados no alargamento Europeu, pela divisão do poder com a Turquia - um prospectivo membro da União Europeia que tambem traz consigo problemas de outra natureza política. Embora os Eurocratas possam pensar que estão a salvo, protegidos pela distância líquida do Mediterrâneo, o contágio ocorre sem necessitar de suporte ideológico. Estaremos na presença de processos de retoma de equilíbrio, que obedecem a impulsos de natureza física-financeira. Estamos a lidar com instintos de sobrevivência profundamente cravados no espírito de aforristas. Entramos deste modo, em vésperas de feriado Cipriota, numa nova fase de ousadia política. A insensatez, guiada por argumentos que deixaram de o ser, para inaugurar sem pudor, a prática animalesca, regida pela lei do mais forte. Mais forte, mas por pouco tempo mais.
Há muito pouco a fazer a não ser continuar, socraticamente, a conduzir as pessoas a perceberem o que está mal, a parirem raciocínios e a fazê-las tomarem consciência das múltiplas formas pacíficas que têm ao seu dispor para, nas suas condutas diárias individuais, fazerem a diferença que querem ver no mundo. É um processo lento por natureza e que exige paciência de santo. Pelo caminho, vamos sendo roubados. É aqui que entra uma qualidade imprescindível para o processo de transformação: a abnegação. Talvez faça algum sentido, afinal, o ensinamento de Cristo, ao render-se à injustiça e à bruteza, deixando-se matar na cruz. Revelou com este acto aparentemente incompreensível, uma forma pacífica e inovadora de fazer uma revolução. O esbulho fiscal e a opressão pelos políticos talvez seja a cruz, a crença na justiça e liberdade, a salvação. Pelo meio morre o corpo mas fica o ideal.
Durante a pausa "sabática" que fui forçada a usufruir observei, com uma certa frieza, os muitos episódios saloios da vida política portuguesa. Vou abster-me de quaisquer comentários porque, tendo falado com novos e velhos, instruídos e analfabetos, a maioria deles analisa, de forma acertada, a actual situação portuguesa e diagnosticam com um rigor por vezes surpreendente a raíz do problema. Esta crise tem pelo menos este grande mérito: pôs a generalidade dos portugueses a pensar. Aqueles que são independentes do estado são muito clarividentes quanto às razões que nos trouxeram e mantêm neste lodaçal. No fundo todos sabíamos que chegaria o dia de pagar a conta das obras públicas, do “investimento” do estado e dos muitos excessos socialistas da esquerda e da direita ao longo de quase duas décadas: todos esperávamos o dia do acerto de contas. O que os portugueses não esperavam era que a Justiça deixasse escapar por entre as malhas da sua inoperância os responsáveis máximos por esses excessos; e o que os portugueses também não esperavam era ver os bancos enfileirarem-se para recolher os frutos de tantos anos de amizade promíscua com o estado.
Tivessem os portugueses de pagar apenas e só o que devem - vendo fazer-se em praça pública uma reflexão profunda da importância de um sector público reduzido em tamanho e poder - e tudo estaria menos mal.
E é tudo o que me apraz dizer neste sábado chocho. Estou sem forças e sem crença. Sinto que o vigor e ânimo que outrora habitaram o meu espírito me são sugados pela energia negra do aparelho do poder. Continuarei a pregar, junto dos que me querem ouvir, o valor da verdade e da justiça. Continuarei a apontar soluções, continuarei a fazer "partos difíceis", ficarei por cá, resistirei à tirania, enfrentarei a perda, a mágoa, a dor. Perante o tamanho do problema em que Portugal está metido, há muito pouco que possamos fazer. A classe política portuguesa (e a europeia) está empenhada em destruir a vida dos seus cidadãos. Só o sonho, a ideia e a palavra conseguirão sobreviver à ruína final.
Depois do downgrade para nível lixo, Chipre pediu esta tarde resgate financeiro à UE.