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Não acredito que um governante com sérias responsabilidades possa dizer, de ânimo leve, de que não dispõe de um plano B. Está a gozar com os cidadãos de um país inteiro? O político mal nasce vive de planos B, e já agora de planos C, e aí por diante. A condição política assenta na grande probabilidade e não na pequena certeza. Isto é ABC que qualquer dona de casa entende. Não há carne? Prepara-se uma massa. Não há gás? Lava-se o sovaco com água fria. Por vezes penso que estamos a lidar com amadores, embora tenham sido os presidentes do conselho de administração de grandes empresas. O orçamento, seja doméstico (para ir ao super-mercado), ou de Estado (para dificultar a ida das pessoas ao mini-mercado), assenta nessa areia movediça, na ideia de vários planos de contingência que se vão revezando até se encontrar a solução. Os governantes têm de se munir das ferramentas de trabalho adequadas, ou então não vale a pena se apresentarem ao serviço. Os planos com todas as letras do alfabeto têm de existir; num anexo ao barracão do governo ou perto do conselho de ministros, tem de haver um armazém com o stock cheio de planos alternativos. Pires de Lima, ao afirmar que não tem à mão um plano B, estará porventura a transferir o ónus do falhanço do plano (A) para o tribunal constitucional. O antigo cervejeiro sabe que o tribunal constitucional não trabalha com planos. Usa a chapa N (N de não) e os juizes perguntarão indignados: plano B? O que é isso? Nunca ouvimos falar e não temos disso na nossa despensa. E quanto ao plano A? há - mas não é verde. Vai ficar maduro lá para Junho de 2014, quando terminar o programa de ajustamento. E aí sim. A partir desse momento é o ver se te avias de planos. É o plano de acessos aos mercados. É o plano de emprego e crescimento. É o plano da função social do Estado. E não passamos disto. Não encontramos modo de quebrar o enguiço, este diálogo de teimosias que arrasta Portugal pela lama da sua desgraça económica e social. Nem é preciso saber muito de planos para perceber que muitas vezes não funcionam - os grandes planos. O plano faz parte de algo consensual, quase sexual, faz parte da relação poligâmica do poder e muda de parceiros constantemente. Os planos estendem-se sobre a mesa, com indicações claras dos caminhos a tomar, mas a dada altura do filme, há quem rasgue o guião e olhe para a estrada que tem por diante. Todas as excelsas considerações caem por terra, e os planos passam a valer muito pouco porque a paisagem é montanhosa, íngreme - pouco plana.
A total ausência de alternativas governativas em Portugal torna o país um eterno refém da sua condição. Um refém de boicotes e resgates. Um prisioneiro de argumentos de retórica e pouco mais. Portugal está à mercê de uma tômbola de consequências nefastas. É indiferente quem está no poder ou quem venha a estar. A responsabilidade pela presente situação pertence a todos sem excepção. A todos os governantes, aos que os elegeram, aos que estão na oposição, aos que se demitiram das causas próximas, do seu bairro, do seu comportamento individual ou colectivo. E por esta ordem de ideias, a grande culpada pela catástrofe nacional reside noutro posto que não os mandatos políticos e as cores ideológicas. Foi a matriz cultural do país que implementou o seu processo de selecção de lideres. Foi a ausência de critério ético que fez baixar o nível requerido para exercer a função pública com sentido de Estado. Foi o fraco nível cultural que ditou o vazio de ideias, a incapacidade de pensar o país de um modo conceptual, com vistas largas tendentes ao grande desígnio nacional. O processo de substituição de liderança tem de passar pelo envolvimento da sociedade civil de um modo intenso e irredutível. A transição democrática em Portugal libertou todas as vozes e fantasmas. À luz dessa premissa de libertação, todas as opiniões são válidas, todos os argumentos podem ser invocados para defender a posição, mas não necessariamente o bem colectivo. Portugal pode encontrar bodes expiatórios na sua história próxima ou distante para se eximir de responsabilidades. Os outros farão o mesmo, mas isso não pode servir de desculpa ou princípio. Vivemos a expressão máxima da genealogia da culpa. O Governo culpa o Tribunal Constitucional, o PS culpa o PSD, o PSD culpa o PS, o PCP culpa todos, o BE culpa o Governo, a oposição culpa a Troika, Portugal culpa a Alemanha, a Alemanha culpa os Países do Sul, a Grécia culpa a Alemanha. E não saímos deste beco filosófico sem saída. Há algo de profundamente errado na contínua negação da responsabilidade. Os homens estão a cair, e a arrastar o pouco que resta de dignidade. Algo está a tombar e não são apenas os governos.