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Se ainda fosse aluno, também preferia ter aulas com Passos Coelho ou outros ex-políticos com experiência prática útil para várias áreas de conhecimento do que com alegados académicos ideologicamente demasiado condicionados que se crêem grandes pensadores, escrevem recorrentemente disparates sobre realidades que desconhecem e/ou reproduzem clichés de antanho que há muito foram desmistificados. O facto de o segundo assinar artigos de opinião sobre realidades sociais e políticas com “PhD em Física” é revelador quanto baste da sua ignorância e pequenez intelectual. Não lhe faria mal passar pelos bancos do ISCSP, onde poderia aprender, como qualquer aluno de licenciatura em Ciência Política ou Relações Internacionais que por lá passa, a distinguir entre doxa e episteme, entre política e ciência, entre pensamento político e filosofia política, entre ideologia e conhecimento, entre ciências exactas e ciências sociais. Parafraseando Vasco Santana, títulos académicos há muitos, e já explicava Mario Cipolla que "a probabilidade de que uma determinada pessoa seja estúpida é independente de qualquer outra característica dela mesma."
Charles Taylor, "Interpretation and the Sciences of Man":
Common meanings are the basis of community. Intersubjective meaning gives a people a common language to talk about social reality and a common understanding of certain norms, but only with common meanings does this common reference world contain significant common actions, celebrations, and feelings. These are objects in the world that everybody shares. This is what makes community.
(...)
Common meanings, as well as intersubjective ones, fall through the net of mainstream social science. They can find no place in its categories. For they are not simply a converging set of subjective reactions, but part of the common world. What the ontology of mainstream social science lacks is the notion of meaning as not simply for an individual subject; of a subject who can be a “we” as well as an “I.” The exclusion of this possibility, of the communal, comes once again from the baleful influence of the epistemological tradition for which all knowledge has to reconstructed from the impressions imprinted on the individual subject. But if we free ourselves from the hold of these prejudices, this seems a wildly implausible view about the development of human consciousness; we are aware of the world through a “we” before we are through and “I.” Hence we need the distinction between what is just shared in the sense that each of us has it in our individual worlds, and that which is in the common world. But the very idea of something which is in the common world in contradistinction to what is in all the individual worlds is totally opaque to empiricist epistemology.
Entrevista a Manuel Sobrinho Simões:
«Como vê as alterações que a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) introduziu ao financiamento da ciência?
A FCT está de uma incompetência como eu nunca vi. Está a mudar permanentemente as regras e os prazos. Não há coisa mais difícil do que alguém planear a sua vida sem um mínimo de estabilidade.
E concorda com os critérios de avaliação, baseados na produtividade científica e na obtenção de patentes, por exemplo?
São terríveis. Primeiro, porque coloca os investigadores das ciências sociais e humanas numa situação de dificuldade. E a sociedade portuguesa precisa, como de pão para a boca, de ciências sociais. Depois, parece-me que é mais importante a repercussão da nossa actividade no mundo científico e na sociedade do que o facto de se publicar numa revista com muito impacto. A FCT não pensa o mesmo.»
Dá-me pena ouvir Camilo Lourenço neste vídeo que o Pedro aqui deixou, e que o João Pinto Bastos já comentou. Permitam-me ainda acrescentar, no mesmo sentido do que o João escreve, que, infelizmente, as afirmações de Camilo Lourenço são bem representativas de um certo espírito materialista e utilitarista que perpassa muitas mentes - um dos males de que estes nossos tempos pós-modernos enfermam -, que pensam tudo apenas do ponto de vista da economia, considerando que tudo se deve submeter a esta, toda a vida deve girar em torno desta, e que por isto, só as ciências duras e a técnica é que são úteis e só estas devem ser valorizadas, em detrimento de tudo o resto. Nem sequer percebem que a cultura, as artes, a literatura, a filosofia ou as ciências sociais em geral, são não só necessárias à vida, como também contribuem para a economia. Mentes num certo estado de ignorância, portanto. Completamente apropriadas para o espaço merdiático que temos.
Carl Gustav Jung, The Undiscovered Self:
"The statistical method shows the facts in the light of the ideal average but does not give us a picture of their empirical reality. While reflecting an indisputable aspect of reality, it can falsify the actual truth in a most misleading way. This is particularly true of theories which are based on statistics. The distinctive thing about real facts, however, is their individuality. Not to put too fine a point on it, one could say that the real picture consists of nothing but exceptions to the rule, and that, in consequence, absolute reality has predominantly the character of irregularity."
No seguimento deste post, onde dou conta de um determinado artigo de Karl Popper, deixo uma tradução feita por mim de parte do mesmo. Trata-se de "Towards a Rational Theory of Tradition", in Karl Popper, Conjectures and Refutations, Londres, Routledge, 2010, pp. 165-168:
«Uma teoria da tradição tem de ser uma teoria sociológica, porque a tradição é obviamente um fenómeno social. Menciono isto porque pretendo brevemente discutir convosco a tarefa das ciências sociais teoréticas. Esta tem sido frequentemente mal compreendida. De forma a explicar qual é, penso eu, a tarefa central das ciências sociais, gostaria de começar por descrever uma teoria que é defendida por muitos racionalistas – uma teoria que eu penso que implica exactamente o oposto do verdadeiro objectivo das ciências sociais. Chamarei a esta teoria a ‘teoria da conspiração da sociedade’. Esta teoria, que é mais primitiva que a maioria das formas de teísmo, é semelhante à teoria da sociedade de Homero. Homero concebeu o poder dos deuses de tal forma que tudo aquilo que acontecesse na planície de Tróia seria apenas um reflexo das várias conspirações no Olimpo. A teoria da conspiração da sociedade é apenas uma versão deste teísmo, de uma crença em deuses cujos caprichos e vontades regulam tudo. Deriva de se abandonar Deus e depois perguntar ‘Quem está no seu lugar?’ E o lugar dele é então preenchido por vários homens e grupos poderosos – sinistros grupos de pressão, que são culpados de terem planeado a grande depressão e todos os males de que sofremos.
A teoria da conspiração da sociedade é muito difundida, e contém muito pouca verdade nela. Só quando teóricos da conspiração chegam ao poder é que se torna algo como uma teoria responsável pelas coisas que realmente acontecem (um exemplo do que eu chamei “Efeito de Édipo”). Por exemplo, quando Hitler chegou ao poder, acreditando no mito conspirativo dos Sábios do Sião, tentou ultrapassar a conspiração destes com a sua própria contra-conspiração. Mas o interessante é que uma teoria da conspiração nunca – ou quase nunca – acontece da forma que se pretende.
Esta observação pode ser vista como uma pista quanto à verdadeira tarefa de uma teoria social. Hitler, disse eu, elaborou uma teoria da conspiração que falhou. Porque falhou? Não apenas porque outras pessoas conspiraram contra Hitler. Falhou, simplesmente, porque uma das coisas notáveis acerca da vida social é que nunca nada acontece exactamente como se pretende. As coisas acontecem sempre de forma um pouco diferente. Raramente produzimos na vida social precisamente o efeito que queremos produzir, e geralmente acontecem-nos coisas que não queremos no processo de barganha. Claro que agimos com determinados objectivos em mente; mas à parte destes objectivos (que podemos ou não realmente atingir) existem sempre consequências não pretendidas das nossas acções; e normalmente estas consequências não pretendidas não podem ser eliminadas. Explicar porque não podem ser eliminadas é a tarefa principal da teoria social.
(…)
Eu penso que as pessoas que se aproximam das ciências sociais com uma vulgar teoria da conspiração negam a elas próprias a possibilidade de alguma vez entenderem qual é a tarefa das ciências sociais, pois assumem que podemos explicar praticamente tudo numa sociedade perguntando quem o quis, quando a tarefa real das ciências sociais é explicar aquelas coisas que ninguém quer – como, por exemplo, a guerra, ou a depressão. (A revolução de Lenine, e especialmente a revolução de Hitler e a guerra de Hitler são, penso, excepções. Estas foram realmente conspirações. Mas foram consequências do facto de teóricos da conspiração terem chegado ao poder – que, de forma significativa, falharam na consumação das suas teorias).
A tarefa das ciências sociais é explicar como é que as consequências não pretendidas resultam das nossas intenções e acções, e que tipo de consequências resulta se as pessoas fizerem isto ou aquilo ou aqueloutro numa determinada situação social. E é, especialmente, a tarefa das ciências sociais analisar desta forma a existência e funcionamento de instituições (como as forças policiais ou companhias de seguros ou escolas ou governos) e colectivos sociais (como estados ou nações ou classes ou outros grupos sociais). O teórico da conspiração acreditará que as instituições podem ser entendidas completamente como resultado de um desenho consciente; e quanto aos colectivos, habitualmente confere-lhes uma espécie de personalidade de grupo, tratando-os como agentes conspirativos, como se fossem homens individuais. Opondo-se a esta visão, o teórico social deve reconhecer que a persistência de instituições e colectivos cria um problema a ser resolvido em termos de análise das acções sociais individuais e das suas consequências sociais não pretendidas (e muitas vezes não desejadas), assim como das pretendidas.»
Enquanto escrevo um artigo sobre indignados e "ocupas" para o próximo número do Lado Direito, jornal da JP Lisboa, veio-me à memória uma aula do primeiro ano da licenciatura em que um desses académicos frustrados e infelizes, daqueles que pouco ou nada de original têm e que se limitam a uma espécie de enciclopedismo que se fica pelos redis do sindicato das citações mútuas, dizia que a Teoria das Relações Internacionais era cada vez mais a ciência do quotidiano. Quão ridícula e redutora perspectiva.
Muitas das perspectivas da Teoria das RI não levam em consideração conhecimentos e ensinamentos das ciências de que se diz ter autonomizado e que muitos autores se esforçam até por repudiar – porventura consoante sejam mais fracos nesses domínios, desde a História à Filosofia, passando pela Ciência Política, Economia e Direito. Exemplos claros são as chamadas “narrativas” idealistas pautadas por dogmas ideológicos como o Fim da História, ou o construtivismo da governança global. Ademais, não tendo tanta relevância a perspectiva de Kenneth Waltz de que a primeira unidade de análise da realidade internacional é o indivíduo, sendo o Estado a unidade de análise principal para a grande maioria dos autores, a TRI tornou-se demasiado circunscrita. Nada contra, até porque tal consubstancia a sua autonomização científica. Simplesmente não me parece intelectualmente honesto circunscrever um objecto de estudo e autonomizar uma ciência para depois clamar domínio sobre todas as outras – ainda que apenas tenha ouvido isso da boca de uma só pessoa da área. É que muitas das outras ciências tentaram fazer o mesmo, e já cá andam há mais tempo. Talvez um bocadinho de humildade académica não fizesse mal.
Mais, a proeminência de economistas nas tentativas de explicação dos tempos que vamos vivendo é, também, um sintoma de que os modelos explicativos da TRI estão esgotados, o que é apenas normal se considerarmos que a Economia Internacional assenta nos ensinamentos do keynesianismo (ou não tenha Keynes sido o grande arquitecto do sistema de Bretton Woods).
Como o individualismo metodológico ainda não chegou a um país onde muitos cientistas sociais são marcadamente positivistas e marxistas, há sempre um sociólogo pronto a dar explicações para os fiascos da esquerdalhada como a fraca afluência de gente indignada: «Elísio Estanque, sociólogo, na qualidade de indignado e de estudioso dos fenómenos sociais: "As pessoas ainda estão paralisadas pelo dramatismo das medidas anunciadas".»