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Uma certa direita repulsiva

por Samuel de Paiva Pires, em 16.03.14

Quer-me parecer que há quem ainda não tenha compreendido bem o que está em causa na questão da co-adopção. Não é demais repetir que é algo que afecta crianças e famílias concretas, é uma realidade, por mais que certas pessoas não gostem, queiram fechar os olhos e impor o seu conceito de família aos demais. E claro que todos temos direito a ter a nossa opinião e, o mais das vezes, temos de concordar em discordar e tolerar a opinião do outro. Agora, quando vejo diversas pessoas a afirmarem que o chumbo no parlamento é uma boa notícia e um sucesso, confesso que sinto uma certa repulsa. Roça mesmo o abjecto. Só por causa das coisas, daqui a um ou dois anos, com uma maioria de esquerda no parlamento, o chumbo será transformado em aprovação e como certa direita não quis ceder neste ponto, arrisca-se a, nessa altura, ver aprovada não só a co-adopção mas também a adopção. Eu sou contra esta última, mas é o que certa direita que temos, que também não quis aceitar a união de facto entre homossexuais e acabou a capitular perante a aprovação do casamento gay, merece. Talvez um dia aprendam que a política implica harmonizar contrários e cedências, para que não seja um mero jogo de soma zero em que ora se ganha, ora se perde. 

publicado às 10:45

Recentemente, Mendes Bota ficou a falar sozinho enquanto a Assembleia da República decidia prosseguir o já lendário esforço de vedar a qualquer discussão racional a questão do Acordo Ortográfico, que tem gerado fortíssimas expressões de descontentamento por parte dos mais diversos sectores da sociedade portuguesa. Permitam-me relembrar o que há pouco mais de dois anos escrevi sobre o Acordo Ortográfico:

 

Não pretendo estender-me numa análise do género da que muitos têm feito, e bem, sobre as incoerências linguísticas do próprio acordo ou os errados critérios e interesses que o norteiam, como Pedro Mexia salientou num excelente artigo publicado no Expresso de 14 de Janeiro de 2012. E não o pretendo fazer porque, antes de mais, fazê-lo é aceitar a existência do próprio acordo. É aceitar que o estado é dono da língua. É aceitar que, sem que ninguém lhe tenha conferido esse mandato, o estado se pode arrogar a possibilidade de fazer o que quer com a língua. No caso em apreço, é aceitar que o estado pode convocar um grupo de alegados iluminados e permitir-lhes redesenhar a língua de milhões de pessoas a seu bel-prazer. Escapa a estes iluminados, provavelmente herdeiros da filosofia cartesiana que incorre no racionalismo construtivista – um ignóbil produto da modernidade que inspirou totalitarismos assentes no princípio de que é possível desenhar ou redesenhar uma sociedade complexa a partir de cima, ou seja, do aparelho estatal – uma coisa tão simples quanto isto: a língua é uma das instituições humanas originada e desenvolvida espontaneamente, i.e., através da interacção de milhões de indivíduos ao longo do tempo. A língua originou-se através da natural evolução humana e é por via das interacções que se registam numa comunidade ou sociedade que se vai modificando, de forma lenta, gradual e sem coação estatal. A língua não é produto nem pode ser apropriada por um aparelho cuja fundação é posterior ao momento de origem da língua da sociedade de onde aquele emana.

 

Por outro lado, no seguimento de uma ignóbil politiquice em que Hugo Soares foi, nas palavras de Isabel Moreira, o "idiota útil" de serviço, que acabou, naturalmente, no chumbo do Tribunal Constitucional ao referendo à co-adopção por casais do mesmo sexo, eis que, ontem, a Assembleia da República, numa votação renhida e com lamentáveis episódios protagonizados por várias bancadas, chumbou o projecto do PS a este respeito.

 

Estou, confesso, um pouco farto da discussão em torno desta temática, onde abundam lugares comuns e argumentos repetidos ad nauseam por ambas as partes em contenda. Se uns não hesitam em chamar outros de homofóbicos, outros logo disparam que então o que se trata é dos direitos dos homossexuais e não do superior interesse da criança - um conceito que, com esta discussão, se gastou pelo uso e começou a prostituir-se pelo abuso. Se uns não hesitam em clamar que os adversários são intolerantes, outros logo ripostam que ser tolerante, em democracia, é saber perder, quando, na realidade, tudo isto tem muito pouco de discussão racional e a vitória agora alcançada foi-o apenas pela razão da força e não pela força da razão. O mesmo é dizer que, na próxima legislatura, em que, muito provavelmente, o parlamento terá uma maioria de esquerda, os que agora clamam vitória terão, para serem coerentes, de aceitar perder perante a mesma razão da força. 

 

Ora, a verdade é que, como Michael Seufert oportunamente salientou em 17 de Maio de 2013, em declaração de voto concernente à votação na generalidade do projecto do PS: 

 

A existência, de facto, de casais monossexuais em que um dos cônjuges tem uma criança adoptiva é uma realidade que levanta problemas reais no caso da morte desse cônjuge. Sendo assim importa encontrar uma solução legislativa. Não deve ser possível que uma família, ainda que uma que normalmente não possa ter filhos, seja desfeita porque, morrendo o pai adoptivo, a criança não tem vínculo com o cônjuge.

 

Comungando desta visão que, em tempos, designei por realista - numa altura em que eu confundi a co-adopção com a adopção, sendo a favor da primeira e contra a segunda -, subscrevo inteiramente o que há uns meses escrevia a Ana Rodrigues Bidarra

 

Se o princípio conservador da prudência deve informar a posição que se tenha em relação à adopção por casais do mesmo sexo, já o princípio, igualmente conservador, de que devemos olhar para a realidade e lidar com esta, não caindo em esquemas utópicos ou em idealismos que não se verificam enquanto absoluto na vida social, parece-me de elementar importância no que à coadopção diz respeito. Trocando por miúdos, gostemos ou não, queiramos ou não, conheçamos ou não casos, a realidade é a de que existem casais em que um parceiro é pai biológico e o outro não o é e pretende constituir um vínculo de filiação de modo a poder prover à criança uma maior segurança no caso de algo acontecer ao pai biológico.  

 

E mais, como também a Ana escreveu

 

Independentemente da opinião que cada um possa ter sobre que matérias são referendáveis ou não, certo é que, em primeiro lugar, efectivamente temos uma democracia representativa e, em segundo lugar, qualquer democracia liberal digna desta qualificação não referenda direitos humanos nem direitos de minorias, como é o caso das pessoas em causa num processo de coadopção.

 

Perante tudo isto, torna-se oportuno questionar como é que se pode qualificar um regime alegadamente demoliberal em que um governo e um parlamento, para além de crerem que se pode fazer evoluir a língua por decreto, fazem ouvidos moucos perante a sociedade civil que se insurge contra uma aberração que dá pelo nome de Acordo Ortográfico, e em que o mesmo parlamento deixa uma minoria desprotegida, nomeadamente crianças que vivem em famílias homoparentais e que apenas têm um vínculo legal a um dos indivíduos? 

 

Permitam-me deixar, de forma deselegante, uma pista, citando a minha própria tese de mestrado (p. 91):

 

É neste contexto que os partidos políticos se tornam meras máquinas ao serviço de interesses organizados, sem que a acção política seja guiada por princípios gerais ou ideais em relação aos quais haja um acordo substancial na sociedade. Segundo Hayek, exceptuando os partidos comunistas que defendem programaticamente uma utopia, os partidos com vocação de poder nas democracias contemporâneas têm programas políticos praticamente iguais, sendo as suas acções também muito semelhantes. A acção destes partidos é guiada para a "utilização do poder para impor alguma estrutura particular à sociedade, i.e., alguma forma de socialismo, em vez de criar as condições para que a sociedade possa evoluir gradualmente as formações melhoradas."1

 

O resultado final desta perversão é um "agregado de medidas que não só ninguém quer, como não poderia ser aprovado como um todo por qualquer mente racional porque é inerentemente contraditório."2 Acresce a isto a paradoxal descredibilização do ideal democrático em função do alargamento da aplicação do mesmo a um número crescente de áreas sociais3, a ideia de que todos os processos de decisão democrática são inerentemente bons em si mesmos e não são sujeitos a crítica, ainda que produzam resultados de que ninguém gosta4, e o já referido levantamento das restrições à acção governativa fundamentadas na eleição democrática5, levantamento que é ainda reforçado pela constante aplicação de políticas em nome da justiça social. É desta forma que chegamos a um estado de coisas em que parece que, de acordo com Hayek, "onde quer que as instituições democráticas deixaram de ser restringidas pela tradição do estado de direito, elas levaram não só a uma 'democracia totalitária' mas em devido tempo até a uma 'ditadura plebiscitária'."6



1 - F. A. Hayek, Hayek, Law, Legislation and Liberty: A new statement of the liberal principles of justice and political economy, Vol. 3: The Political Order of a Free People, Londres, Routledge, 1982, p. 14.

2 - Ibid., p. 6.

3 - André Azevedo Alves, Ordem, Liberdade e Estado: Uma Reflexão Crítica sobre a Filosofia Política em Hayek e Buchanan, Senhora da Hora, Edições Praedicare, 2006, p. 113.

4 - F. A. Hayek, Hayek, Law, Legislation and Liberty, Vol. 3: The Political Order of a Free People, op. cit., pp. 1-2.

5 - Ibid., p. 3.

6 - Ibid., p. 4.

publicado às 16:10

Repugnante, lamentável e ilegal

por João Pinto Bastos, em 19.01.14

Para dizer-vos a verdade, o tema da co-adopção não é, na minha modestíssima óptica, um assunto urgente e prioritário, pelo que, em obediência a esta opinião, não irei perder muito tempo com o mesmo. No entanto, não posso deixar de fazer duas ressalvas muito breves a respeito das carambolas políticas protagonizadas pela coligação. Em primeiro lugar, é lamentável que o centro-direita se deixe enredar nas artimanhas "fracturantes" da esquerda liberalóide, banalizando um instituto (referendo) que, pela sua relevância política, deveria estar reservado a temáticas de outra índole. Em segundo lugar, este tema poderia ser dirimido e sujeito a deliberação no Parlamento, dado que os deputados portugueses estão, a avaliar pelo que está prescrito na Constituição, investidos das prerrogativas necessárias para tomarem uma resolução comum, democraticamente sufragada, sobre este assunto. Lamento, pois, que os imberbes políticos da JSD tenham conseguido levar a sua avante, desprestigiando, com a sua tagarelice ignorante, um instituto jurídico que mereceria, a bem da verdade, melhor sorte. Por isso, ainda que me doa um poucochinho, sou obrigado a subscrever a opinião dos socialistas a propósito da realização deste referendo: repugnante, lamentável e ilegal.

publicado às 00:24

Histórias de encantar

por João Pinto Bastos, em 27.05.13

As histórias da vida privada não são, de facto, histórias de encantar. Os exemplos abundam. A perfídia mais grotesca é, por vezes, um exclusivo da família, um ente que, em diversas circunstâncias, é excessivamente romantizado. Porém, nada disso legitima a torção a que tem estado sujeito o conceito tradicional de família. Há que separar o trigo do joio. A vitalidade de uma sociedade depende, em grande medida, desse esforço.

publicado às 22:14

Ainda a respeito da co-adopção por homossexuais

por Samuel de Paiva Pires, em 21.05.13

Deixo um artigo de Roger Scruton, "This 'right' for gays is an injustice to children" (negritos meus):

 

«Western societies have, in recent decades, undergone a radical change in their attitudes to homosexuality. What was once regarded as an intolerable vice is now regarded as an "orientation", no different in kind, though different in direction, from the inclinations that lead men to unite with women, and children to be born. This radical change began with the decriminalisation of homosexual conduct, and with a growing readiness not just to tolerate homosexuality in private, but to talk about it in public. We saw the emergence of the "public homosexual", the flamboyant propagandist for that "other" way of life who, like Quentin Crisp, tried to persuade us that "gay" is after all the right description. There followed the movement for "gay pride" and the "coming out" of public figures —to the point where it is no longer very interesting to know whether someone is or is not of the other persuasion.

 

For the most part, the people of this country have gone along with the changes. They may not be comfortable with its more demonstrative expressions, but they are prepared to tolerate the homosexual way of life, provided it keeps within the bounds of decency, and does no violence to fundamental norms. However, this attitude does not satisfy the activists. For to tolerate is to disapprove. It is only when conduct offends you that you need to exercise your toleration, and the activists want people to treat homosexuality as normal. Through the slippery notions of discrimination and human rights, they have used the law to advance their agenda. Homosexuality is now treated by the law as a tendency comparable in almost every way to heterosexuality, so that any attempt to distinguish between people on grounds of their "orientation" — whether as applicants for a job, or as recipients of a privilege — is regarded as unjust "discrimination", comparable in its moral heinousness to discrimination on grounds of race or sex.

 

On the whole we have accepted that laws against discrimination might be needed, in order to protect those who have suffered in the past from hostile prejudice. Every now and then, however, we wake up to the fact that, although homosexuality has been normalised, it is not normal. Our acceptance of the homosexual lifestyle, of same-sex couples, and of the gay scene has not eliminated our sense that these are alternatives to something, and that it is the other thing that is normal. This other thing is not heterosexual desire, conceived as an "orientation". It is heterosexual union: the joining of man and woman, in an act which leads in the natural course of things not just to mutual commitment but to the bearing of children, the raising of a family and the self-sacrificing habits on which, when all is said and done, the future of society depends. The propaganda that has tried to rewrite heterosexuality as an "orientation" is really an attempt to persuade us to overlook the real truth about sexual union, which is that it is, in its normal form, the way in which one generation gives way to the next.

 

This truth is recognised by all the great religions, and is endorsed in the Christian view of marriage as a union created by God. This explains, to a great extent, the reluctance of religious people to endorse gay marriage, which they see as an attempt to rewrite in merely human terms the eternal contract of society. To put it in another way, they see gay marriage as the desecration of a sacrament. Hence the growing conflict between the gay agenda and traditional religion, of which the current dispute over "adoption rights" is the latest sign. According to the Christian perspective — and it is one that is shared, I believe, by Muslims and Jews – adoption means receiving a child as a member of the family, as one to whom you are committed in the way that a father and mother are committed to children of their own. It is an act of sacrifice, performed for the benefit of the child, and with a view to providing that child with the normal comforts of home. Its purpose is not to gratify the parents, but to foster the child, by making him part of a family. For religious people that means providing the child with a father and a mother. Anything else would be an injustice to the child and an abuse of his innocence. Hence there are no such things as "adoption rights". Adoption is the assumption of a duty, and the only rights involved are the rights of the child.

 

Against that argument the appeal to "anti-discrimination" laws is surely irrelevant. The purpose of adoption is not to gratify the foster parents but to help the child. And since, on the religious view, the only help that can be offered is the provision of a real family, it is no more an act of discrimination to exclude gay couples than it is to exclude incestuous liaisons or communes of promiscuous "swingers". Indeed, the implication that adoption is entirely a matter of the "rights" of the prospective parents shows the moral inversion that is infecting modern society. Instead of regarding the family as the present generation's way of sacrificing itself for the next, we are being asked to create families in which the next generation is sacrificed for the pleasure of the present one. We are being asked to overlook all that we know about the fragility of homosexual partnerships, about the psychological needs of children, and about the norms that still prevail in our schools and communities, for the sake of an ideological fantasy.

 

To oppose homosexual adoption is not to believe that homosexuals should have no dealings with children. From Plato to Britten, homosexuals have distinguished themselves as teachers, often sublimating their erotic feelings as those two great men did, through nurturing the minds and souls of the young. But it was Plato who, in The Laws, pointed out that homosexuals, like heterosexuals, must learn the way of sacrifice, that it is not present desires that should govern them, but the long-term interests of the community. And it is surely not implausible to think that those long-term interests are more likely to be protected by religion than by the political ideologies that govern the Labour Party.»

publicado às 14:19

Co-adopção

por José Maria Barcia, em 17.05.13

Hoje, dia 17 de Maio, foi aprovada a co-adopção por casais do mesmo sexo. Por outras palavras, o parlamento aprovou hoje, na generalidade, um projeto de lei do PS para que os homossexuais possam co-adotar os filhos adotivos ou biológicos da pessoa com quem estão casados ou com quem vivem em união de facto.


Sei que neste blogue poucos concordarão comigo quando escrevo que este foi um dia bom na democracia portuguesa. Hoje há mais liberdade e paradoxalmente, mais igualdade. É difícil haver mais liberdade quando o nível de igualdade aumenta. O progressismo social a este nível não é perigoso. Não é o fim do mundo quando um casal de pessoas do mesmo sexo pode, com os mesmos direitos, adoptar uma criança que foi deixada numa instituição sem pai nem mãe.


Comparar casais homossexuais com casais heterossexuais é, de facto, subir um degrau no contexto civilizacional. Não há ameaça à criança quando esta é retirada de um sistema estatal para um casa onde encontra uma família. Chamar pai e mãe, mesmo que em duplicado, é infinitamente melhor a nem sequer ter essa oportunidade. E, feitas as contas, é só isso que interessa. Vão, as crianças adoptadas, ter uma vida melhor? Acredito que sim. O Estado nunca foi bom pai para ninguém.


Chamem Pai e Mãe, ou Pai e Pai, ou Mãe e Mãe. O que vale é o que se sente quando se dizem estas palavras. O resto são pormenores.

publicado às 21:50

Pensar a sério dá muito trabalho

por Samuel de Paiva Pires, em 17.05.13

Um texto ilustrativo do modo de pensar ignorante e arrogante de certos progressistas. Atente-se particularmente no desfecho com um tom de ameaça velada e na auto-satisfação por se fazer parte do "lado certo da História." Supimpa!

 

O erro dos progressistas é estarem aprisionados pelo futuro, desconhecido, enquanto acusam os conservadores de serem reféns do passado, quando é no passado que encontramos os fundamentos da civilização e os elementos que permitem explicar o caminho que temos feito até aqui. Ser progressista é, de facto, muito mais fácil, e não admira que seja o tipo de pensamento dominante na civilização do espectáculo, do efémero e do superficial em que vivemos.

 

Afinal, como salientou Chesterton, «O futuro é uma parede em branco, em que qualquer homem pode escrever o seu nome do tamanho que lhe aprouver; o passado é que já vem preenchido com gatafunhos ilegíveis, como Platão, Isaías, Shakespeare, Miguel Ângelo, Napoleão. Não me é custoso estreitar o futuro à minha dimensão; já o passado tem mesmo de ter a amplitude e a turbulência da humanidade. E a conclusão desta atitude moderna é, no fundo, a seguinte: os homens inventaram novos ideais porque não se atrevem a acometer os ideais antigos. Olham para diante com entusiasmo porque têm receio de olhar para trás. (...) Falam-nos hoje muito do valor da audácia com que um qualquer rebelde ataca uma tirania antiga ou uma superstição antiquada. Mas atacar coisas antigas e antiquadas não é grande prova de coragem, como não é prova de coragem atacar uma avó. O homem verdadeiramente corajoso é aquele que desafia as tiranias jovens como a manhã e as superstições frescas como as primeiras flores. O verdadeiro livre-pensador é aquele cujo intelecto estão tão liberto do futuro como do passado. Aquele que se preocupa tão pouco com o que virá a ser como com o que foi; aquele que apenas se preocupa com o que deve ser.»

 

Leitura complementar: A respeito da co-adopção por homossexuais; Resumo de uma semana horribilis; Mais uma fronteira; Co-newspeak; Teoria da representação; Causas invertidas; Afinal, faz ou não sentido que a direita seja liberal e conservadora?

publicado às 20:52

A respeito da co-adopção por homossexuais

por Samuel de Paiva Pires, em 17.05.13

Se falarmos no plano das ideias, num plano meramente abstracto, o meu conservadorismo impede-me de aceitar o que hoje foi aprovado no Parlamento, pelo que me parece salutar indicar um importante artigo de Abel Matos Santos onde é possível encontrar vários argumentos precisamente neste sentido - e que me fazem até suspeitar que a co-adopção por homossexuais será, talvez daqui a umas décadas, anulada. Por outro lado, o meu realismo leva-me a compreender a opção de Michael Seufert: o que é facto é que já existem crianças adoptadas por um único cônjuge homossexual e que vivem com outra pessoa homossexual, "o que levanta problemas reais no caso da morte desse cônjuge."

 

Porque na prática a teoria é outra, o que é nem sempre é conforme ao que deve ser, mas entre as posições tomadas nas redes sociais por várias pessoas, com conservadores a lamentarem o sucedido - e bem, particularmente no plano valorativo - e progressistas armados em iluminados muy evoluídos, como se soubessem alguma coisa sobre o conceito de evolução - ou perceberiam como este se confunde em larga medida com o de tradição e não se compadece com putativas revoluções de jaez racionalista -, prefiro o centro excêntrico patente no parágrafo anterior, ainda que obviamente penda para a posição conservadora e considere a progressista de uma infantilidade e ignorância patéticas que só podiam ter sido concebidas numa sociedade pós-moderna refém do politicamente correcto e do relativismo.

 

Talvez valha a pena lembrar que o estado de coisas a que chegámos resulta da combinação da emergência do conceito de justiça social com o positivismo legalista que, como Hayek e Oakeshott assinalaram, produziu a política da barganha baseada nas reivindicações em relação a direitos. Segundo John Gray, a acepção oakeshottiana da "política como uma conversação, em que a colisão de opiniões é moderada e acomodada, em que o que é procurado não é a verdade mas a paz, foi quase totalmente perdida, e suplantada por um paradigma legalista em que todas as reivindicações políticas e conflitos são modeladas no jargão dos direitos. Neste contexto, não só o discurso político civilizado se encontra virtualmente extinto, como as instituições legais para o qual é transplantado estão corrompidas. Os tribunais tornam-se arenas para reivindicações políticas e interesses, cada uma das quais desordenada e resistente ao compromisso, e a vida política noutros locais torna-se pouco mais que barganha e troca de favores."1 Nas democracias modernas, o estado de direito, ou seja, a lei enquanto princípio geral e abstracto, deixou de ser um limite à acção governativa, que passou a ser explorada pelos grupos de interesses, que assim puderam prosseguir os seus objectivos particulares à custa de terceiros, muitas vezes prejudicando a sociedade como um todo, mesmo que os indivíduos não o percebam ou até apoiem estes grupos de interesses, simplesmente porque estes recorrem à camuflagem dos seus intentos sob a capa da justiça social. Desta forma, a modernidade gerou um enquadramento que é altamente destrutivo das tradições intelectuais e morais europeias, que através do racionalismo construtivista e do relativismo produz morais inviáveis, ou seja, sistemas de pensamento moral incapazes de sustentar qualquer ordem social estável, que através de teorizações sociológicas contemporâneas e da corrupção da arquitectura e das artes (como Roger Scruton e Gray demonstram) criam um clima cultural que é profundamente hostil à tradição e também à sua própria existência. Confrontamo-nos, assim, com uma cultura que tem ódio à sua própria identidade, tornando-se, em larga medida, efémera e provisória.2

 

O mesmo é dizer que é mais do que preocupante assistir à tomada de decisões  que parecem acelerar a dissolução das nações europeias, não só culturalmente mas também biologicamente. Como costumam dizer os conservadores, as coisas são o que são.



1 - John Gray, "Oakeshott as Liberal", in John Gray, Gray’s Anatomy, Londres, Penguin Books, 2009, p. 80.

2 - John Gray, "Hayek as a Conservative", in John Gray, Gray’s Anatomy, op. cit., p. 131.

publicado às 13:35






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