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Fica bem a um presidente da república fazer uso de axiomas e máximas, floreados e bonitos - especialmente em dia de cravos. Mas tenho de discordar com a largueza das suas palavras. As vistas curtas não são de desprezar em política. Uma certa dioptria ou distância focal, até pode ser muito útil. Diria mais, a imagem focada talvez seja o mais importante quando navegamos em águas turvas. O que os governantes nacionais necessitam e sem mais demoras, é de uma lupa, o ampliador das evidências que tardam em ver, reconhecer. O raio de (da) acção dos governantes deve estar totalmente condicionado pela distância curta que vai da mão para a boca dos desempregados. Um país que se encontra em falência laboral com milhões de cidadãos a passar efectivamente mal, fome, deveria, na minha opinião, merecer a resposta imediata de salvação nacional. Cavaco Silva fala como se fosse um caloiro. Ele parece não ter entendido que a matriz política nacional assenta na discordância e no conflito. A dissensão faz parte da endemia política que tem arrastado e atrasado este país sem pudor. Estes chavões de ocasião poderiam ser debitados por uma porta automática, por uma máquina de tiradas avulso. Estas frases-feitas saem da ranhura como bilhetes reciclados e ninguém lhes presta atenção. São abstracções e generalizações que não servem os tempos difíceis que o país atravessa. O que as pessoas querem são soluções concretas e não vistas panorâmicas para um horizonte longínquo, maravilhoso. O presidente da república ao servir-se de binóculos, salta por cima das dificuldades do presente, e avista uma ilha de deslumbramento, ficção política da sua criação. O tempo da cegueira terminou abruptamente, mas os actores teimam em reconhecer o seu esgotamento, a sua inutilidade no mesmo palco que calcorreiam há décadas. Iremos assistir, nos meses que se seguem, a mais reciclagens. A outros batidos no terreno a fazer uso de provérbios do mesmo arquivo político. As comemorações do 25 de Abril servem de estágio para estes políticos de carteira gasta - proponentes apelam à matéria plantada no imaginário colectivo. São noções poderosas, ligadas ao simbolismo político, às diversas religiões ideológicas - Liberdade, Justiça e Igualdade de Oportunidades -, e outros derivados com o mesmo enfoque. Mesmo aqueles que se encontram em coma despertam condicionados por esse reflexo de Pavlov, para mais uma vez, e invariavelmente, depositarem confiança no homens que proferiram aquilo que desejavam escutar. Nada mais.
Ainda nem sequer arrefeceu o corpo das autárquicas, ainda mal se enterraram os resultados das eleições, e já entramos claramente num outro ciclo de motivações políticas. Cavaco Silva e António Costa, de mãos dadas ou não, em dia comemorativo, invocam os atributos de um país democrático, mas não devem estar a referir-se a Portugal. Devem estar a sonhar alto. Ora veja-se: cidadãos de primeira e cidadãos de segunda não pode ser tolerado (que grande embuste. Os tribunais e o sistema de justiça demonstram precisamente o oposto); importância da educação na promoção social (a educação? devem estar a gozar. A promoção social assenta no tamanho da carteira e no estatuto decorrente do dinheiro); a democracia não pode ser secundarizada (então e a troika e os tribunais? Foram eleitos pelo povo?); o poder está ao serviço do povo (bullshit! o poder está ao serviço de grupos financeiros e corporações); a escola é o mais importante instrumento de mobilidade social (sim, aqui têm razão, acertaram na ideia, mas não referem o sentido descendente do ensino em Portugal). Como podem constatar, a demagogia continua a ser o que sempre foi: um conjunto de palavras vazias sem correspondência com a realidade. Não sei se António Costa quer aproveitar ensinamentos de Cavaco Silva no sentido de preparar a sua rampa de lançamento a Belém, mas deve levar em conta outro candidato em fim de ciclo europeu. Durão Barroso, que mais dia menos dia será corrido da presidência de comissão, ainda pode vir a dar um pézinho de dança nas presidenciais. Quando o presidente da comissão vem com esta conversa de que um segundo resgate a Portugal não está em cima da mesa, parece que já emigrou de Bruxelas para o terreiro de Passos Coelho, e que está alinhado com a marcha da indignação nacional. O populismo também não deixou de ser o que era. Pelo andar do calendário político, tempos interessantes avizinham-se, mas tenho sérias dúvidas que todas estas excitações pessoais sirvam o interesse nacional. Não. António Costa não chega ao fim do mandato municipal. Não. Seguro não serve como alternativa. E o que resta aos portugueses? Aguentar as aspirações políticas de representantes eleitos por sufrágio mais transcendental que universal. Lamentavelmente para Portugal, o grande vencedor parece ser a austeridade crónica que conheçerá ainda maiores desenvolvimentos nos anos que se seguem. A república de Portugal está exposta às suas contrariedades num sentido que extravasa o idealismo de revoluções recentes. É curioso como António Costa foi aclamado rei de Lisboa para no dia seguinte ser vaiado de um modo tão intenso. O povo-eleitor também deve reflectir sobre o modo como reparte a sua personalidade política. Um dia é uma coisa no dia seguinte outra. Afinal o que resta? Resta um país feito em cacos económicos e sociais, apesar das lideranças absolutas, das preferências ideológicas e dos discursos de salão nobre.