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«Creio que o rigor de Descartes é aparente ou fictício. E isso nota-se no facto de que ele parte de um pensamento rigoroso e, no final, chega a algo tão extraordinário como a fé católica. Parte do rigor e chega ...ao Vaticano».
Jorge Luís Borges
No início da pandemia foi-nos dito que deveríamos ficar em casa para aplanar a curva. Este aplanar a curva era tão só impedir que o SNS – Serviço Nacional de Saúde não colapsasse com a afluência de doentes. Já se conhecia o vírus e as mortes que ele provocava, mas o aviso era que as pessoas não se contagiassem nem contagiassem o outro e assim não terem que ser assistidas nos Hospitais.
Desde o início que a Ciência não soube comunicar e, se o soube, permitiu-se ser substituída pelos Políticos e pela Comunicação Social. Desautorizando-se, perdeu credibilidade. Pior: deixou que se relativizasse a vida em detrimento de mortes estatísticas todos os dias contabilizadas pelos media como «recordes» (termo odioso quando aplicado ao número de seres humanos falecidos), e tudo alimentando um crescendo de temor que levou a extremismos e a extremistas. Por um lado, os frágeis e amedrontados, para quem a vida é uma questão de sobrevivência, por outros os autodestrutivos e incautos, facilmente manipuláveis por teorias conspiracionistas. Este perigoso diálogo entre gente ignorante ou convencida da sua razão tem sido prejudicial ao controle da pandemia. Não podemos acreditar que, nem os mais hipocondríacos tomem todas as medidas para protegerem os outros, nem os incautos se preocupem, sequer, com eles próprios.
Eventualmente pagaremos este descontrolo, o desnorte na comunicação da Ciência e o cansaço que meses de uma intensiva campanha de medo difundiram. Provavelmente já o estaremos a pagar. Alguns cientistas, ao demonizarem quem os não compreende ou se lhes opõe, enveredaram por um caminho semelhante ao da Religião que, alguns séculos atrás, com base numa figura maior, invisível e omnisciente, anametizavam quem se lhes opusesse. Naquele tempo eram os seus, hoje a Saúde Pública.
Estranhamente as religiões foram as primeiras a venerar este novo deus da Razão. A Igreja Católica apressou-se a cancelar celebrações e actos litúrgicos, a afastar os seus sacerdotes da população e até, pasme-se, a eliminar o uso de água benta nas pias das igrejas ou em casos mais extravagantes a desinfectá-la. Um Igreja fundada na ideia de sacrifício, espiritual e corporal, abandonar-se assim à assepsia e à higienização do indivíduo, aceitando e promovendo a sua despersonalização e «segregação», parece agora, finalmente, destituída de qualquer fundamento
Por outro lado, o carácter necrófago da comunicação social aproveitou-se como pode da oportunidade para explorar a dor, o sofrimento e a morte. Tem-no feito e continuará a fazê-lo, segundo alguns, para satisfazer a curiosidade humana. Mas pode haver outra explicação: em constante desagregação pela transformação da notícia jornalística em boato digital, os media cavalgaram como puderam este rastilho, aproveitando a sua mudança para o mundo cibernético e potenciando os cliques nas suas páginas de publicidade. Uma comunicação social cada vez mais constituída por, ou precários, ou mercenários, só podia resultar nesta lógica de ataque em matilha.
Estranha-se, porém, que os media cedessem à elaboração de uma campanha sentimental, como nunca vista anteriormente, desenvolvendo o slogan: «vai ficar tudo bem». Tal ausência de imparcialidade, integridade ética marcada por umm desbragado moralismo, só pode compreender-se no que se seguiu: uma paulatina reflexão permitiu-nos constatar que tudo não ficou nem vai ficar bem. E nesse sentido, depois de uma eufórica campanha de falsa esperança a Comunicação Social atirou-se aos ossos, como uma hiena esfomeada.
Mau será se os interlocutores da Ciência, os Homens da Igreja e os arautos da Informação não saiam profundamente feridos desta pandemia, quando e como ela acabar. Contribuíram para, partindo da Razão, criar uma aparente ficção.
Talvez estejamos perante uma oportunidade da História, como as que o Homem conheceu pelos séculos XIV e XVIII e que alteraram substancialmente os paradigmas anteriores, provocando Revoluções quanto ao modo de sentir, pensar e agir no resto do presente século XXI.
Uma pessoa pensa que já viu tudo na política portuguesa e, de repente, é surpreendida com um esquerdista amuado, qual criança mimada, a queixar-se da boa imprensa de Santana Lopes - e logo nas páginas do Público, cuja redacção anda com o Bloco de Esquerda ao colo desde que este nasceu, dando-lhe uma presença mediática que não corresponde à sua representatividade eleitoral. Isto, claro, sem falar no colinho que a esquerda em geral tem na comunicação social portuguesa, até em órgãos detidos pelo grande capital. O pluralismo democrático, em certas cabecinhas, é apenas terem palco os nossos, um vício de quem nunca se conseguirá livrar intelectualmente do autoritarismo e do totalitarismo que fazem escola por aquelas bandas, por mais loas que teçam à liberdade. Infelizmente, continuamos a comprovar que Alçada Baptista estava cheio de razão: "Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas”.
No dia em que se tornam públicas as consequências da gestão ruinosa da CGD, o assunto quase passa despercebido nos telejornais, as televisões noticiosas mantêm a sua programação habitual com os ignóbeis programas de comentário futebolístico, num dos quais até está André Ventura, pelo que é bom ver que um político à beira de formar um partido tem as prioridades bem definidas, e apenas a RTP3 dedica um programa à situação na banca, pasme-se, com Faria de Oliveira, Presidente da Associação Portuguesa de Bancos, em clara operação de contenção de danos. Já dizia Rodrigo da Fonseca que "nascer entre brutos, viver entre brutos e morrer entre brutos é triste”.
No século XIX Antero de Quental propôs três razões para o estado do País de então:
A Reforma Católica e a acção dos Jesuítas;
O centralismo do país como resultado da Monarquia Absoluta
Uma economia debilitada pela Expansão Portuguesa.
Ora, hoje a Igreja não tem qualquer poder na sociedade portuguesa, não existe Monarquia (muito menos absoluta) e da Expansão Portuguesa resta pouco mais do que dois arquipélagos e a ilhota das Berlengas.
Se Antero voltasse, quais seriam, pois, as suas explicações para a recente quase bancarrota da República, o tempo de austeridade e o subsequente período de euforia?
Talvez o grande intelectual açoriano olhasse para as questões macroeconómicas, para os laços que hoje nos ligam à Europa e não aos territórios ultramarinos que tanta discussão geravam no seu tempo. Talvez questionasse a própria República, a partidocracia e os seus índices de corrupção. Talvez não se revisse no Socialismo tal qual ele é arvorado hoje em dia como garante de um escol de líderes e não como socorro dos mais necessitados.
Mas vendo a perda de influência da Igreja Católica, hoje reduzida a um lugar quase pitoresco, talvez Antero se voltasse para um fenómeno que parece ter ocupado o seu lugar: o Futebol. É curioso e ao mesmo tempo macabro e irónico que o «foot-ball» tenha chegado a Portugal pela mão da nossa «Aliada» Inglaterra, na mesma altura que esta nação «Amiga» nos impôs um Ultimatum (1890) e a cujo acto devemos uma das maiores crises da nossa História. Crise que, aliás, contribuiu para o suicídio de Antero em 1891.
Ora, nunca, como hoje, se impõe voltar a procurar as Causas para a Decadência dos Povos Peninsulares. Portugal e Espanha vivem reféns do futebol: ele determina a ascensão e queda dos políticos e até de nações (veja-se o caso da Catalunha), contribuiu para o adormecimento da opinião pública e do eleitorado e é utilizado como forma de propaganda para exacerbar identidades locais, regionais ou nacionais.
Para que servem os símbolos das nações de hoje que não seja para abrir, assistir ou justificar jogos de futebol?
Todo o ócio e toda a vida desportiva (e cultural) das massas gira em volta desse desporto. E os seus intervenientes tornaram-se semideuses, para os quais se voltam milhares de fãs e adeptos, procurando modelos e conforto para as suas vidas - de resto muito distantes das deles, ricos e poderosos.
Dificilmente em algum tempo algo foi tão consensual como o futebol. Na nossa política caseira, por exemplo, o futebol é algo que une a Esquerda à Direita, o Rico e o Pobre: é tema intocável, indiscutível e inalienável.
Ainda hoje se critica a Igreja Católica, outras igrejas e seitas religiosas e até alguns regimes ditatoriais pela facilidade com que operam mudanças e lavagens nas mentes dos indivíduos, mas desconfio que se o Cristiano Ronaldo ou outro qualquer jogador-ídolo sugerisse aos adeptos que o veneram como modelo heterossexual, de homem rico, bonito e mulherengo para baixarem as calças, poucos seriam os machos lusitanos que resistiriam ao apelo.
E nisto se resume o Estado da Nação.
James Bowman, "Cessation of the Oracles", The New Criterion 35, no. 6 (February 2017): 67:
A história conta-se em poucas linhas. Artur Baptista da Silva, brandindo o título de economista coordenador de uma equipa da ONU que teria como responsabilidade apresentar um relatório sobre o impacto da crise e das medidas de austeridade nos países da Europa do Sul, apareceu esta semana em grande destaque nos media portugueses, em particular na SIC Notícias (no Expresso da Meia-Noite) e no Expresso. As várias afirmações que produziu, em especial as relacionadas com a necessidade de renegociação da dívida, marcaram parte da agenda mediática dos últimos dias. Entretanto, a SIC terá decidido fazer já depois destas entrevistas o que deveria ter feito previamente, investigar a credibilidade do ilustre desconhecido. E é assim que nas últimas horas a net se animou com a descoberta de que estaremos na presença de um impostor, um ilustre desconhecido para a ONU, que nos anos 80 terá sido condenado por uma burla milionária. Pelo meio, aprecie-se o início do artigo de Nicolau Santos e os comentários de João Pinto e Castro sobre a personagem.
Para a História ficam várias lições sobre o jornalismo que temos - suspeito que este episódio irá virar caso de estudo em muitos cursos de jornalismo e comunicação social -, a sociedade mediática em que vivemos e como manipular a opinião pública. Para memória futura, aqui fica o momento alto desta genial manobra de subversão:
O título deste post é uma expressão que tomo emprestada do Pedro Lomba, embora tivesse sido empregue pelo mesmo em relação a outro assunto. Mas é também a mais apropriada a este que vou tratar. Por que é que digo que Portugal não desilude? Porque no que diz respeito ao comentarismo político, à opinião publicada, Portugal, ou melhor, os media portugueses, não desiludem na promoção endogâmica do mais do mesmo e de acéfalos, desde que devidamente referenciados pela Dona Maria da Cunha. Refiro-me em concreto ao Expresso, que alberga, entre outros, dois génios do comentário político: João Lemos Esteves e Luís Rebelo de Sousa.
O primeiro é ou era aluno do tudólogo-mor do reino dos nadólogos, Marcelo Rebelo de Sousa, que há pouco tempo até esteve presente na rubrica que aquele tem no Curto Circuito da SIC Radical. Mais do que ler (se conseguir) a prosa inenarrável deste jovem, que, no seu mais recente post, informa-nos, logo na primeira frase, que Olli Rehn é o Comissário Europeu da Energia - e eu que julgava que era dos Assuntos Económicos e Financeiros -, o melhor é mesmo assistir aos vídeos que coloca no Youtube. Cada um é melhor que o outro, originando facepalms vários (simple, double, triple, holy).
O segundo, como o próprio nome indica, é familiar de Marcelo Rebelo de Sousa, mais concretamente sobrinho. Em 2010, enquanto assistia às aulas de mestrado de um amigo, também frequentado por este prodígio intelectual, tive o desprazer de ouvir umas alarvidades que não se coibia de verbalizar (para gáudio dos colegas, sempre à espera da próxima patacoada para se rirem). Não parece ter melhorado, ora atentem apenas nestas duas pérolas de mais um portentoso social-democrata que ainda não percebeu o que aconteceu a Portugal: "Este Governo liberal não dá espaço nem legitimidade ao ministro da Economia para cozinhar medidas" e "Para os que compreendem o efeito multiplicador do investimento, incentivos e estímulos à iniciativa privada nestes sectores resultariam ainda, como spill over benefits, em, por exemplo, novos postos de trabalho e aumento do consumo de produtos e serviços nacionais por estrangeiros."
Os media portugueses, como Portugal em geral, não desiludem no nepotismo e amiguismo, e é assim que volta e meia surgem génios deste calibre na opinião publicada, sem percebermos bem porquê (ou percebendo bem demais...), que nos presenteiam com prosas e opiniões confrangedoras. Não admira que haja cada vez mais pessoas a ler blogs. Se há sítio onde, pela liberdade de que qualquer um usufrui, podemos comprovar verdadeiramente se as nossas opiniões interessam a alguém, sem depender de intermediários e amiguismos, é na blogosfera (da qual excluo os blogues dos jornais).
Se as televisões se preocupassem tanto em corrigir os erros ortográficos como se preocupam com a aplicação do acordês, era um favor que faziam aos portugueses. Especialmente aos milhares de jovens que, além de confundidos com o acordês, pouco lêem e dão erros ortográficos gritantes. Ainda há dias ouvia alguém dizer que se não fechasse os olhos aos erros ortográficos, os seus alunos não concluíam o mestrado.
Leitura complementar: Contra o processo de apagamento da identidade portuguesa em curso; Contra a novilíngua do acordês; Contra a submissão ao estado moderno na forma do acordês, acordai portugueses!; Vários posts sobre o Acordo Ortográfico no Estado Sentido.
Via O Insurgente: CNE diz que campanha decorre na Madeira com «anormalidades típicas».
Porque neste país o normal é ser anormal.