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Não sou da Esquerda nem sou da Direita, porque já não faz sentido usar essa régua (regra) para medir a política. Sou adepto de ideias que sirvam as causas das sociedades, que promovam a justiça e se alicerçam na transparência dos próprios processos democráticos. Não podia concordar mais com esta proposta do Bloco de Esquerda - os deputados devem estar em situação de dedicação exclusiva no desempenho das funções que lhes foram atribuídas pelos cidadãos nacionais. A esfera pública não se pode misturar com os interesses do domínio privado, e vice-versa. Quer ganhar dinheiro à séria? Então escolha outra profissão. Crie uma empresa, seja advogado corporativo, mas mantenha-se à margem do exercício de cargos públicos. Eu iria mais longe até. Vamos pensar nas presidências de câmara e nesse bicho híbrido que ainda vai fazer correr muita tinta - as empresas que resultam de parcerias público-privado. A política não pode ser uma zona cinzenta para acumulação de cargos e salários. Deve ser um território de eleição, onde o sentido de missão e abnegação determinam as condutas. É óbvio que muitos dirão, em sua defesa, que a experiência no sector privado pode ser arrastada para o serviço público. Pode sim senhor, como também podem ser dispersas pastas sensíveis que consubstanciam a ideia de conflito de interesse - promiscuidade. Se eu pudesse votar este diploma, fá-lo-ia sem reservas. O salário de deputado está bastante acima da média do cidadão prostrado pelas incursões castradoras de um regime fiscal austero. Nem vou entrar no campo das ajudas de custo e outras regalias que fazem parte do pacote parlamentar. Vou ser simples e linear no juízo que faço desta proposta de regime. Quer servir o país? Então, bem-vindo. O salário não é milionário, mas os almoços na cantina também não são caros. E não há almoços grátis.
Nunca a expressão "espalhar o mal pelas aldeias" teve uma conotação tão actual. Independentemente da interpretação da Lei Fundamental levada a cabo pelos juízes do Tribunal Constitucional, no espírito dos cidadãos (mais importante que o espírito da lei) ficou um sabor amargo, uma certa indisposição. A decisão que permite aos autarcas levar a trouxa para outro destino fere os pressupostos que estiveram na génese da Democracia em Portugal - a ideia de um refrescar contínuo de agentes do interesse colectivo. O rotativismo do poder não tem nada a ver com esta dança de cadeiras municipais. O antigo regime que ficou conhecido pela longevidade de Salazar corre o risco de ser destronado pela inauguração de uma nova modalidade. O Tribunal Constitucional, se deseja efectivamente afirmar-se enquanto o quarto poder político, ao menos que o faça em condições e leve em grande consideração o ambiente psicológico da nação. O mexilhão que sofre as consequências destes devaneios já não tem modo de escapar ao feitiço dos bruxos. Pode mudar de residência, passar para o concelho vizinho, mas corre o risco de levar com a mesma encomenda. O povo está pelos cabelos com os pelourinhos inventados com tanta manha. Este lindo mecanismo apenas repete o processo de nomeações duvidosas que acontecem noutras esferas de interesses; as passagens de políticos do público para o privado e vice-versa. Agora, somos contemplados com uma nova forma de viagem política. Depois há outra questão sobre o conflito de interesses que deve ser tido em conta. Um presidente de câmara, recém-eleito noutro concelho, ao estabelecer relações de negócio com o concelho que acaba de abandonar não fará parte de ambas as partes do arranjinho? Não terá em sua posse o mapa de tesouros, minas e armadilhas? E os amigos de mandato político que permanecem nas maravilhosas empresas municipais, e que não transitaram para parte alguma, será que irão guardar a informação privilegiada que detêm e não partilhá-la com o ex-chefe quando o telefone toca? Como podem ver, o mapa das viagens municipais está traçado sobre a escarpa vergonhosa da política nacional. Veremos a pronúncia do norte a querer escapar-se para o sul e vice-versa. Queriam-nos longe da vista, pois bem, quando um desses Valentins que por aí anda, bater à porta da câmara municipal de Mértola, ou uma dessas Fátimas que por aí anda bater à porta da câmara municipal de Oeiras (eu sei, é um mau exemplo, é quase a mesma coisa que o Isaltino) logo verão como apita o comboio. O Tribunal Constitucional portou-se como um reles agulheiro. O diagrama de abertura de exploração política de Portugal foi inaugurado pelo Tribunal Constitucional. Os juízes plantaram apeadeiros para gáudio de saltimbancos. Agora sim, podemos dizer que temos uma volta a Portugal como deve ser. Não há volta a dar. Vamos ter de gramá-los até à ponta dos cabelos cinzentos.