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"(Re)pensar a Constituição Portuguesa" (2)

por Samuel de Paiva Pires, em 23.04.15

No seguimento da iniciativa do Observador, António de Araújo e Gonçalo Matias escreveram um artigo que assinala diversos paradoxos, contradições e simplificações perigosas do projecto de revisão da Constituição esboçado pelos cinco convidados do Observador. Cumpre ainda assinalar um breve ensaio de António Barreto, que se não deixa de ter razão em muitas das críticas que tece, também não deixa de enveredar, infelizmente, pela ideia muito em voga de que cada geração deve ter a sua constituição. Trata-se, tão só, de uma manifestação do espírito jacobino, do racionalismo construtivista que advoga a eliminação das instituições existentes e a criação de novas instituições, que é contrário à tradição, ou seja, à transmissão entre gerações de instituições, costumes e convenções.

 

A Constituição deve ser revista, mas querer apagá-la ou expurgá-la da sua carga ideológica para fazer uma nova constituição ou incutir na actual uma carga ideológica liberal (a eliminação dos direitos sociais e do financiamento do acesso à saúde constituirão talvez a face mais visível desta agenda), é ceder às modas ideológicas do momento, é ceder apenas ao presente sem ter noção do passado, sem perspectivar o futuro e sem cuidar necessariamente de melhorar aquilo que é recebido e de transmiti-lo às gerações seguintes, ou seja, sem entender que, como diria Edmund Burke, a sociedade é um contrato entre os mortos, os vivos e os ainda por nascer.

 

Temos a Constituição que foi possível aquando da sua elaboração e que tem sido possível rever. Está longe de ser perfeita, e nunca nenhuma constituição o será. É verdade que, como qualquer conservador bem sabe, quando as instituições existentes são efectivamente más e não permitem vidas boas, não há nada a preservar ou reformar. Mas apesar de tudo, apesar de todos os defeitos da Constituição, Portugal faz hoje parte das sociedades mais livres e desenvolvidas do mundo. Isto foi conseguido, também, em parte, graças à Constituição.  Por isso, talvez importe relembrar novamente Burke:

The science of government being therefore so practical in itself, and intended for such practical purposes, a matter which requires experience, and even more experience than any person can gain in his whole life, however sagacious and observing he may be, it is with infinite caution that any man ought to venture upon pulling down an edifice, which has answered in any tolerable degree for ages the common purposes of society, or on building it up again, without having models and patterns of approved utility before his eyes.

 

Leitura complementar: "(Re)pensar a Constituição Portuguesa".

publicado às 13:16

A bancarrota é constitucional

por Samuel de Paiva Pires, em 25.10.13

Daniela Silva, Uma Implosão Constitucionalíssima:

 

Se podemos dizer que o Estado frustrou as expectativas de muitos pensionistas, com os quais tinha firmado compromissos, não é menos verdade que o mesmo Estado está a impedir a minha geração de criar as suas próprias expectativas, fora do escopo do governo. A solução é esperar que caia sob o seu próprio peso burocrático com a força das suas regras obsoletas de caráter dirigente.

 

Em Democracia, Robert Dahl enumera-nos critérios para entendermos as diferenças entre constituições e as suas características. Um dos critérios é a “elasticidade” e diz-nos então: “Um sistema constitucional não tem de ser construído de forma tão rígida ou fixado de modo tão imutável, quer por escrito, quer pela tradição, que não possa ser adaptado a novas situações.” Claro que isto são aspectos que não se aplicam ao nosso país, liderado pela sabedoria omnisciente e intemporal que brotou da Revolução. Somos especiais porque somos encabeçados por uma Lei Fundamental com 296 artigos, salvo erro (e que começou por ter 312). Tudo isto para não deixar escapar nenhum pormenor da felicidade humana devidamente enquadrado.

publicado às 10:51

Da série "Às vezes era bom parar para pensar um bocadinho"

por Samuel de Paiva Pires, em 01.04.13

Gostava que certos indivíduos ditos de direita, especialmente os que se consideram liberais, que por definição devem suportar o constitucionalismo, a separação de poderes, os checks and balances, em primeiro lugar, me explicassem como é que se pode atacar um dos poucos freios constitucionais ao poder executivo por fazer precisamente aquilo para que foi desenhado, ainda para mais justificando os ataques em virtude de nos encontrarmos em estado de excepção (Carl Schmitt fartar-se-ia de rir), e em segundo lugar, elaborassem sobre a distinção entre direito e política que implicitamente assumem quando criticam o Tribunal Constitucional por fazer política, como se este pudesse ser uma espécie de elemento completamente neutro ou até apolítico do regime político.

publicado às 22:00

Andamos todos enganados

por Samuel de Paiva Pires, em 30.11.12

Os liberais apontam o dedo aos socialistas, estes apontam o dedo aos primeiros, e os constitucionalistas (os verdadeiros e os putativos) gritam "isso é inconstitucional" a toda a hora quando se formos a ver bem, há muitas coisas que se fizeram nas últimas décadas que são inconstitucionais. O Dragão resume bem esta loucura, num texto que já li umas quantas vezes e que aqui deixo na íntegra:

 

«Há marasmos mentais que eu, de todo, dispenso. Certas palhas de rebanho, em espécie de psico-ração de comveniência, essas, então, repugnam-se. Por exemplo, aquela muito fresca e repetida: a saber, que foi o socialismo que nos trouxe até aqui, a esta bela bancarrota nova e reluzente. Suponho que se referem ao "socialismo prático", do estilo União Soviética,  (e não ao socialismo angélico que, como todos sabemos, paira, sublime e diáfono, incólume a chacinas e genocídios, à espera da encarnação perfeita num qualquer amanhã chilreante). Este socialismo angélico, de resto (e não esqueçam o que eu ia dizer), é irmão gémeo daquele liberalismo inefável que também flana e flui, em subtil destilaria celestial, aguardando o dia da perfeita e não menos chilreante aurora. Para os seus adeptos e catecúmenos, o liberalismo puro nunca existiu na prática ( e por isso ele é eternamente puro): o que tem pululado e tripudiado pelo mundo é perversões, natural e fatalmente socialistas, daquela imaculada e pulcra essência. Certos espíritos menos benevolentes até já se interrogam se não derivará tudo duma má relação de ambos com a realidade: enquanto o liberalismo não vislumbra quaisquer orifícios nesta, o socialismo  aproveita e viola-a de todas as maneiras possíveis e imaginárias.  Voltando agora onde eu ía, terá sido mesmo através duma dessas maneiras, nitidamente imaginária, que acordámos, um belo dia, nesta esplêndida bancarrota. 
Ora, foi público e notório que o país, nos últimos decénios, se entregou a desregramentos mais que típicos dos antigos paíse socialistas, como, por exemplo (e só para citar os mais emblemáticos): orgias gerais de crédito bancário; consumo desenfreado de gadjets, bugigangas e artigos de luxo; importação desaustinada de tudo e mais alguma coisa; abolição eufórica de fronteiras;  cornucópia de televisões, revistas e jornais em torrencial dilúvio de toda a casta de incitamentos publicitários à ganãncia e luxúria épicas e salvíficas; liberdade de expressão em barda; subsídio generoso a toda a espécie de minoria da moda internacional,; imigração selvagem; destruição metódica e excternamente patrocinada de todo o aparelho produtivo; desindustrialização ufana; multipartidarismo infestante; parlamentarismo incontinente; turismo obsessivo;, agrofobia histérica; financeirização transcendental; etc, etc. Em suma e síntese: como podemos constatar, a exacta réplica de todos os vícios e taras soviéticas (ou de quaisquer dos seus satélites de leste), não é? Ou mesmo de Cuba, da Albânia, da Coreia do Norte, da China Maoista, senão mesmo do Camboja de Phol Pot!... Ressalta à vista e entra pelos olhos a dentro. Especialmente, untado a vaselina, pelo mais cego de todos!... Porque, repito e trepito, como todos estamos cansados de saber, à data do colapso do paraíso terreal socialista, toda aquela gente, um pouco à semelhança do Império Romano lá das antiguidades, chafurdava em toda a variedade de orgias, sobretudo consumistas, opinorreicas e plutofaccientes. Até metia nojo!
Bonito; e segundo os entendidos, qual o principal factor para esta nossa queda ininterrupta no pecado socialista em larga escala?  É que temos uma constituição socialista, proclamam eles, esgazeados e com a coifa ao desalinho; assedia-nos um tabu legal e atávico  que nos inibe de abraçarmos os redentores hábitos capitalistas e nos constrange, tirânico, ao caminho da perdição. De guarda a este hediondo santuário do mal, patrulham demónios e ogres retintamente socialistas, desde o patriarca Soares até ao último guincho Sócrates, ou seja, desde o proto-socialismo até ao metro-socialismo. O mesmo Soares que, nas suas próprias palavras, guardou o "socialismo na gaveta" e tirou a democracia liberal e palramentarista do armário, onde ela estava escondida desde o 25 de Abril, cheia de medo dos comunistas e à espera que a descolonização passasse; e o mesmo Sócrates cujo paradigma inspirador era um marxista-leninista empedernido chamado Tony Blair, imagine-se. Conseguem imaginar? E já agora, imaginem também a mesma choldra mascarada de povo, entre eleiçados e eleiçores (representação, babam eles), que se entregou a todos os desregramentos, que converteu todas as leis e códigos legais numa nova espécie de papel higiénico regimental, que se marimbou para quaisquer regras milenares do civismo, vá lá, só mais um pequenino esforço, e tentem imaginar toda essa ciganagem cheia de inibições com a Constituição. A cultivar traumas e stresses...fobias angustiantes... O Código Penal não os inibe; as próprias leis da natureza não os inibem, o Diário da República funciona por conta, balcão, recreio e encomenda. Mas a Constituição inibe-os, coitadinhos. Revista e descafeinada, podada e recauchutada, ainda os inibe. Demove-os. Causa-lhes aquela disfunção eréctil mental em que vivem diante da realidade. Com a inteligenciazinha mirrada, a moral descartável e a coluna vertebral gasosa, assistindo, frustes e gelatinados, às contínuas violentações socialistas. A constituição é que não os deixa, é que os impede, é que os obriga a ficar assim, hirtos, meros portadores dum acessório inútil, triste, pendente.. Todavia, uma gaitita mágica, fadada misteriosamente, intimamente agregada ao futuro da nacinha.  Este só se endireitará quando eles endireitarem aquela. Mas  primeiro, detalhe crucial, condição sine qua qua, há que lhes tirar a Constituição da frente. Porque então, então sim, livres dessa maldicinha, a realidade vai ver e, sobretudo, eles vão conseguir ver e encarar a realidade.Sem complexos. E a economia vai trepar nos gráficos à medida e ao ritmo com que a sapiência protuberante for capaz de lhes trepar na barriga, à conquista do umbigo. E ninguém duvide: no mínimo, será vertiginoso!...
Só que até lá vamos penar. Vamos pagar. Vamos expurgar-nos e penitenciar-nos nesta procissão de flagelantes. Temos que mostrar ao mundo, aos mercados, às feiras, às praças e até aos lugares de hortaliça que estamos arrependidos, compungidos, sinceramente pesarosos de todos este tempo estéril em que nos entregámos, de corpo e alma, ao deboche socialista. Na esperança paciente e godótica do dia radioso e deslumbrante em que a inteligência solene dos nossos formidáveis gestores ganhe vigor vertical e deixe de apontar, murcha  e engelhada, ao olho do cu. Da Europa tanto quanto da tribo.»

publicado às 00:18






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