Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
No seguimento da iniciativa do Observador, António de Araújo e Gonçalo Matias escreveram um artigo que assinala diversos paradoxos, contradições e simplificações perigosas do projecto de revisão da Constituição esboçado pelos cinco convidados do Observador. Cumpre ainda assinalar um breve ensaio de António Barreto, que se não deixa de ter razão em muitas das críticas que tece, também não deixa de enveredar, infelizmente, pela ideia muito em voga de que cada geração deve ter a sua constituição. Trata-se, tão só, de uma manifestação do espírito jacobino, do racionalismo construtivista que advoga a eliminação das instituições existentes e a criação de novas instituições, que é contrário à tradição, ou seja, à transmissão entre gerações de instituições, costumes e convenções.
A Constituição deve ser revista, mas querer apagá-la ou expurgá-la da sua carga ideológica para fazer uma nova constituição ou incutir na actual uma carga ideológica liberal (a eliminação dos direitos sociais e do financiamento do acesso à saúde constituirão talvez a face mais visível desta agenda), é ceder às modas ideológicas do momento, é ceder apenas ao presente sem ter noção do passado, sem perspectivar o futuro e sem cuidar necessariamente de melhorar aquilo que é recebido e de transmiti-lo às gerações seguintes, ou seja, sem entender que, como diria Edmund Burke, a sociedade é um contrato entre os mortos, os vivos e os ainda por nascer.
Temos a Constituição que foi possível aquando da sua elaboração e que tem sido possível rever. Está longe de ser perfeita, e nunca nenhuma constituição o será. É verdade que, como qualquer conservador bem sabe, quando as instituições existentes são efectivamente más e não permitem vidas boas, não há nada a preservar ou reformar. Mas apesar de tudo, apesar de todos os defeitos da Constituição, Portugal faz hoje parte das sociedades mais livres e desenvolvidas do mundo. Isto foi conseguido, também, em parte, graças à Constituição. Por isso, talvez importe relembrar novamente Burke:
The science of government being therefore so practical in itself, and intended for such practical purposes, a matter which requires experience, and even more experience than any person can gain in his whole life, however sagacious and observing he may be, it is with infinite caution that any man ought to venture upon pulling down an edifice, which has answered in any tolerable degree for ages the common purposes of society, or on building it up again, without having models and patterns of approved utility before his eyes.
Leitura complementar: "(Re)pensar a Constituição Portuguesa".
Daniela Silva, Uma Implosão Constitucionalíssima:
Se podemos dizer que o Estado frustrou as expectativas de muitos pensionistas, com os quais tinha firmado compromissos, não é menos verdade que o mesmo Estado está a impedir a minha geração de criar as suas próprias expectativas, fora do escopo do governo. A solução é esperar que caia sob o seu próprio peso burocrático com a força das suas regras obsoletas de caráter dirigente.
Em Democracia, Robert Dahl enumera-nos critérios para entendermos as diferenças entre constituições e as suas características. Um dos critérios é a “elasticidade” e diz-nos então: “Um sistema constitucional não tem de ser construído de forma tão rígida ou fixado de modo tão imutável, quer por escrito, quer pela tradição, que não possa ser adaptado a novas situações.” Claro que isto são aspectos que não se aplicam ao nosso país, liderado pela sabedoria omnisciente e intemporal que brotou da Revolução. Somos especiais porque somos encabeçados por uma Lei Fundamental com 296 artigos, salvo erro (e que começou por ter 312). Tudo isto para não deixar escapar nenhum pormenor da felicidade humana devidamente enquadrado.
Gostava que certos indivíduos ditos de direita, especialmente os que se consideram liberais, que por definição devem suportar o constitucionalismo, a separação de poderes, os checks and balances, em primeiro lugar, me explicassem como é que se pode atacar um dos poucos freios constitucionais ao poder executivo por fazer precisamente aquilo para que foi desenhado, ainda para mais justificando os ataques em virtude de nos encontrarmos em estado de excepção (Carl Schmitt fartar-se-ia de rir), e em segundo lugar, elaborassem sobre a distinção entre direito e política que implicitamente assumem quando criticam o Tribunal Constitucional por fazer política, como se este pudesse ser uma espécie de elemento completamente neutro ou até apolítico do regime político.
Os liberais apontam o dedo aos socialistas, estes apontam o dedo aos primeiros, e os constitucionalistas (os verdadeiros e os putativos) gritam "isso é inconstitucional" a toda a hora quando se formos a ver bem, há muitas coisas que se fizeram nas últimas décadas que são inconstitucionais. O Dragão resume bem esta loucura, num texto que já li umas quantas vezes e que aqui deixo na íntegra: