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Os Europeus têm o péssimo hábito de usar argumentos de antiguidade histórica e tradição sempre que são confrontados com o pragmatismo dos Norte-Americanos. Porque temos 800 anos de história. Porque temos os rituais e os brasões. Porque temos as dinastias. Porque estamos cá há mais tempo. Porque os Americanos são uma amálgama de gente oriunda da mescla europeia. Enfim, um conjunto de patacoadas com pouca utilidade para resolver dilemas. Não esqueçamos o seguinte, para bem e para mal. A Constituição dos Estados Unidos da América (1787) é a primeira do mundo que consubstancia verdadeiramente Democracia na sua forma e na sua substância. Precede a própria Revolução Francesa (1789). Nessa linha de ideias, os americanos poderiam ser sobranceiros em relação ao adolescente Euro - a divisa ainda nem sequer pode conduzir um motociclo ligeiro de 50 c.c. - ainda não fez 16 anos, o dólar Americano tem mais de 200. Um facto curioso que reporta directamente ao processo de construção das comunidades europeias deve ser realçado: o dólar americano precede a Constituição Americana. Ou seja, começou a ser cunhado em 1786, um ano antes do Tratado Constitutivo. O actual turbilhão que a União Europeia enfrenta, deve, por essa razão, servir para levantar algumas questões pertinentes. Uma União Monetária deve preceder uma União Política? E será que efectivamente chegou o momento "We, the People" da Europa? Querem uma verdadeira Federação ou apenas um cartel de poderosos nos centros de decisão da Europa? A Grécia, se for bem aproveitada, pode servir para um profundo processo revisionista das premissas europeias, mas, para tal acontecer, deve saber se purgar dos efeitos nefastos da ideologia, quer de mercado quer de índole política. Ao ver as imagens de milhares de atenienses em frente ao seu parlamento, retenho a ideia de algo maior do que um Referendo, um sim, um não, a continuidade de Tsipras ou a reforma de Juncker. A encruzilhada em que se encontra a Europa também se reporta à ideia de tradição e continuidade, de regresso à "normalidade", quando o que o continente mais necessita é de um novo modelo existencial. As palavras valem o que valem, mas um novo Tratado da União Europeia não seria mal pensado. O default constitucional da Europa salta à vista de um modo flagrante.
Addendum do Prof. Armando Marques Guedes a quem agradeço o "alargamento" do meu texto.
"Vai haver quem não goste de "uma verdadeira Federação"... mas ele há gente em toda a parte que não sabe o que diz. A integração jurídica europeia já é federal. Mas incompletamente, e esse é um dos problemas. Não ter política externa ou política de segurança e defesa é obviamente um preço alto de mais a pagar por pseudo-soberanismos sem quaisquer fundamentos que não os ideológicos.
No princípio do artigo, John, valia a pena empiricamente desmontar a ideia de que, comparada com a Europa, a América é "nova" e "sem história". Há aqui um misto de ignorância e má fé. Os EUA têm todas as histórias europeias dentro, bem como imensas outras, não europeias. logo segundo argumento tem os pés no ar. Baseia-se, apenas, numa ideia de antiguidade e continuidade estadual e nacional que não faz grande sentido. Basta olhar para a ideia de que se trata de um Estado "novo", e comparativamente recente. Ora isto é, factulamente, falso. Os EUA existem desde 1776. Poucos são os Estados europeus com essa provecta idade. A Alemanha data de 1871. A Itália anda por aí. A Polónia, que se foi acendendo e apagando enanto ia mudando de sítio, é de 1920, a Ucrânia de 1921, os três Bálticos ainda mais recentes são, a Noruega data de 1905, a Finlândia dos 1900s, com vais e vens, a Bélgica e a Holanda são recentíssimas comparadas com os EUA, a Sérvia e os Balcãs quase todos são do século XX - finais do século XX, no caso dos 8 ex-ioguslavos e dos 15 ex-URSS, e do século XIX as Grécias, Roménias, e Bulgárias; a Turquia é de 1915, a Áustria de 1919, tal como a Hungria. E não se fale em nações: quase todas estão ainda em processo de construção, veja-se os três maiores, a Alemanha, a França e o Reino Unido. Conversa política de balela. Salvo raras excepções (a Grã-Bretanha, que é de 1707, a França, milenar, Portugal, todos Estados sem grande peso comparativo directo na Europa, se comparados com a recentíssima Alemanha ou com a proverbial Rússia, um império que vai mudando) os Estados europeus são na sua maioria muito, mais mesmo muito, mais recentes do que o é o norte-americano. Gostemos ou não, isto é um facto. A diferença específica dos EUA é que são mais antigos, não o contrário. A especificidade dos EUA é muito melhor vista e interpretável como uma forma de sabedoria dos mais velhos do que como um arremedo de um jovem. O resto são declarações políticas contra-factuais."
No seguimento da iniciativa do Observador, António de Araújo e Gonçalo Matias escreveram um artigo que assinala diversos paradoxos, contradições e simplificações perigosas do projecto de revisão da Constituição esboçado pelos cinco convidados do Observador. Cumpre ainda assinalar um breve ensaio de António Barreto, que se não deixa de ter razão em muitas das críticas que tece, também não deixa de enveredar, infelizmente, pela ideia muito em voga de que cada geração deve ter a sua constituição. Trata-se, tão só, de uma manifestação do espírito jacobino, do racionalismo construtivista que advoga a eliminação das instituições existentes e a criação de novas instituições, que é contrário à tradição, ou seja, à transmissão entre gerações de instituições, costumes e convenções.
A Constituição deve ser revista, mas querer apagá-la ou expurgá-la da sua carga ideológica para fazer uma nova constituição ou incutir na actual uma carga ideológica liberal (a eliminação dos direitos sociais e do financiamento do acesso à saúde constituirão talvez a face mais visível desta agenda), é ceder às modas ideológicas do momento, é ceder apenas ao presente sem ter noção do passado, sem perspectivar o futuro e sem cuidar necessariamente de melhorar aquilo que é recebido e de transmiti-lo às gerações seguintes, ou seja, sem entender que, como diria Edmund Burke, a sociedade é um contrato entre os mortos, os vivos e os ainda por nascer.
Temos a Constituição que foi possível aquando da sua elaboração e que tem sido possível rever. Está longe de ser perfeita, e nunca nenhuma constituição o será. É verdade que, como qualquer conservador bem sabe, quando as instituições existentes são efectivamente más e não permitem vidas boas, não há nada a preservar ou reformar. Mas apesar de tudo, apesar de todos os defeitos da Constituição, Portugal faz hoje parte das sociedades mais livres e desenvolvidas do mundo. Isto foi conseguido, também, em parte, graças à Constituição. Por isso, talvez importe relembrar novamente Burke:
The science of government being therefore so practical in itself, and intended for such practical purposes, a matter which requires experience, and even more experience than any person can gain in his whole life, however sagacious and observing he may be, it is with infinite caution that any man ought to venture upon pulling down an edifice, which has answered in any tolerable degree for ages the common purposes of society, or on building it up again, without having models and patterns of approved utility before his eyes.
Leitura complementar: "(Re)pensar a Constituição Portuguesa".
A iniciativa do Observador é meritória e merece ampla divulgação, especialmente por estimular o debate. Mas afirmar que se procurou retirar carga ideológica à Constituição e substituí-la por um alegado paradigma neutro, quando esta alegada neutralidade é uma característica do liberalismo já criticada e demonstrada como errada por vários autores nas últimas décadas, em particular os comunitaristas, é um péssimo ponto de partida e uma tentativa de mascarar como neutro o que nunca o poderá ser. É tentar fazer avançar a agenda liberal pela porta do cavalo e isto, contrariamente ao que os autores e muitos outros poderão pensar, torna o liberalismo, como diria Oakeshott, numa mera ideologia - e só lhe dá mau nome. Ademais, é este péssimo ponto de partida que é transversal às várias tentativas dos autores deste projecto de retirar responsabilidades aos partidos políticos na condução da política nacional, ignorando que é na reforma destes e do sistema eleitoral que se encontra a chave para a melhoria da qualidade da nossa democracia, bem como na assunção de que o espírito de facção faz parte da condição humana e da democracia, como James Madison tão bem percebeu.
Bem sei que vou repetir o óbvio, mas, mesmo assim, e como não sou uma pessoa de desistir facilmente, aqui vai o meu pequenino conselho aos estrategas do Governo: acordem, enquanto é tempo, e arrostem, de uma vez por todas, as grandes pragas do regime. Para começar, seria bom, ou, vá, aconselhável, que os responsáveis maiores dos partidos da coligação entendessem o seguinte: ou fazem alguma coisa no tangente à reforma do Estado, cortando onde verdadeiramente interessa e dói mais, ou então convençam-se que, mais ano menos ano, voltarão à oposição para assistirem impávidos e serenos à ruína absoluta do país, ruína essa, para a qual contribuíram com a sua modorrenta inacção. Em segundo lugar, posto que já seja um pouco tarde, a direita nacional tem de perceber que o actual regime, nas suas várias declinações, falhou. Falhou na política, falhou na economia, falhou na cultura, e falhou, sobretudo, na criação de uma Ideia, de um desígnio que abarque e una todos os portugueses. Entender o que atrás foi dito implica, por dedução lógica, lançar borda fora o arsenal socializante que permeou, e continua, infelizmente, a permear, o núcleo político do regime. Em suma, implica (re)pensar a Constituição e o necessário rearranjo político-institucional dos diversos centros de poder do sistema político saído do golpe de Abril de 1974. É por aqui e só por aqui que uma coligação mais à direita, no actual sistema constitucional, e com os escolhos que são por de mais conhecidos, poderá, ainda que com reduzidíssimas probabilidades, ter algum êxito. Caso contrário, estaremos, como é bom de ver, perante outra oportunidade perdida. O acórdão do Tribunal Constitucional, saído esta semana, constitui apenas e tão-só a confirmação repisada, ou, melhor dito, repisadíssima, da ingovernabilidade do país sob o actual regime constitucional. Por isso, caríssimos amigos governistas, acordem e cumpram o vosso programa.
A balada de Hill Street da Assembleia da República não é uma melodia linear. Os polícias que romperam a barreira colocada por outros polícias levanta algumas questões pertinentes. Como distinguir o cidadão-polícia do polícia-cidadão? Qual o protocolo a seguir no contexto de conflitos que opõem membros de uma mesma facção? A haver um banho de sangue "canibal" entre irmãos compatriotas e colegas profissionais, será que se autoriza a mesma tipologia de comportamento noutros quadrantes? Será que o que aconteceu configura os requisítos de embrião de conflito civil? Como se definem os limites do território físico-político inviolável pela vontade popular? A que degrau da escadaria entramos nesse domínio restrito, em sentido lato ou em stritu sensu? As questões que decorrem dos actos praticados exigem uma interpretação mais profunda, menos emocional e ideologicamente idónea. No calor da noite muitos raciocínios terão sido processados pelo comando policial. À luz de uma óptica de custos e benefícios, sou da opinião que foi necessário escolher o menor dos males. E o cenário equacionado pela liderança foi uma decisão tomada ao abrigo da independência política. Não foi Miguel Macedo a dar seguimento a um despacho operacional ou Passos Coelho que, de um modo executivo, teve de implementar uma boa parte da teoria do jogo que esteve em causa nessa noite. A panela de pressão da manifestação estava muito mais perto de um ponto de explosão do que se possa imaginar. A polícia que estava do lado de lá conhece as mesmas regras de interacção dos que estavam do outro lado. Quando ambos os concorrentes dispõem do mesmo grau e qualidade de informação, a gestão das expectativas mais difícil se torna. Ainda me lembro bem das aulas de estratégia proferidas pelo brigadeiro François Martins e das implicações da ameaça do uso de força e o uso efectivo de força. Dadas as circunstâncias políticas em que se encontra o país e tendo em conta a possibilidade de se observar violência substantiva às portas de, ou no interior da Assembleia da República, penso que o resultado alcançado foi o possível - não o desejado pela ideia fundamental que define um Estado soberano e a defesa do mesmo a qualquer custo. A haver vandalismo sério, com feridos graves à mistura, a situação mudaria radicalmente de figura. Não nos devemos esquecer que na escala de valores pátrios, os militares já sugeriram que estão dispostos a sair à rua. Nesse quadro hipotético, o que aconteceu em frente ao Parlamento, poderá até ser considerado um cenário desejável, um resultado óptimo. Enquanto os polícias se quedaram pelo simbolismo do patamar superior da Assembleia, outras vozes se levantaram no Campo Grande fazendo uso da palavra violência e mais do que uma vez. Nesta fase do campeonato é irrelevante saber se Miguel Macedo cumpriu o seu papel ou não. Para sabermos isso, uma revolução teria de ocorrer e a história de Portugal teria de ser benévola para com muita gente reunida em defesa da Constituição e alegadamente em defesa do efectivo interesse nacional.
Não estive presente na gala da Constituição apresentada por Mário Soares, mas acedi a imagens em directo a partir do portal da Esquerda. Primeira nota; a qualidade do webcast era excelente. Não houve interrupções no streaming. A única coisa chata (decerto que também para os organizadores) foi estar sempre a aparecer publicidade ao Commerzbank (tinha de ser um banco alemão) - o pop-up não se cansava de aparecer. Mas adiante. Mário Soares fez as honras da casa, mas o espectáculo começou verdadeiramente com o artista Carlos do Carmo que sem demoras se pôs a revisitar a sua carreira, não se sabe se de fadista ou de político frustrado. Masturbação para aqui, narcisismo para acolá - não se sabia se a noite seria aproveitada para homenagear a sua carreira (pelo que se foi percebendo através do Facebook, Carlos do Carlos passou a ser Pepsi para muita gente). Por momentos o evento fez lembrar outros palcos. Por instantes tive a impressão de estar a ver uns globos de ouro ou uma revista à portuguesa. Uma quantidade de frases bonitas foi declamada, decalcada da lei fundamental para umas estrofes de encantamento ideológico. E depois foi dada a palavra a Pacheco Pereira, que servindo-se de retórica elaborada, afastou a tentação dos outros, a inclinação para lhe chamarem novamente de camarada. O filósofo das quinas prosseguiu a aula de etimologia para explicar em detalhe a origem do termo - sim, vem de cama, e se quisermos tem a ver com cópula. Os outros palestrantes, brutos ou menos Bruto da Costa, foram por esse caminho também de defesa da constituição e ataque às políticas de destruição do país, mas não passou de diagnóstico intenso, como se a comissão de honra tivesse sido convocada para validar a sua imunidade em relação às responsabilidade políticas que estão na origem da crise. Como se uma nave especial tivesse vindo de um além para aterrar num país que não lhes pertence. O lirismo da modalidade praticada por Manuel Alegre contagiou os estilos de quase todos, como se o poeta fosse o inspirador dos arcanjos da constituição. Devo confessar que abandonei o webcast quando o senhor que se seguiu a Pacheco Pereira fez uso de outras palavras para dizer o mesmo. Em jeito de reportagem incompleta do certame, devo dizer que não fui testemunha de vestígios de um plano substantivo para salvar o país. A noite foi de convívio de frases sonantes e lágrimas ao canto do olho, mas nada se altera com este encontro de egos gigantes. Mais valia os polícias terem dado à sola da escadaria da Assembleia da República e terem marchado em direcção à aula magna para, de viva voz, recitarem as estrofes do seu descontentamento. Tenho a certeza de que poderiam render a guarda destes sentinelas da constituição com mais conhecimento de causa da dureza da vida. O que aconteceu ontem foi um festival de estilos e peitos inchados. Não fiquei até ao fim do concurso da eurovisão, por isso não sei quem levou o prémio para a mais pura demagogia da noite.
António Capucho, Diogo Freitas do Amaral, e José Pacheco Pereira. É sempre bom e reconfortante mencionar os nomes dos recém-convertidos à fé constitucionaleira.
E quando muitos outros vêem nesta o obstáculo principal ao progresso do país, vale a pena lembrar um post sempre actual do Dragão:
«Conseguem imaginar? E já agora, imaginem também a mesma choldra mascarada de povo, entre eleiçados e eleiçores (representação, babam eles), que se entregou a todos os desregramentos, que converteu todas as leis e códigos legais numa nova espécie de papel higiénico regimental, que se marimbou para quaisquer regras milenares do civismo, vá lá, só mais um pequenino esforço, e tentem imaginar toda essa ciganagem cheia de inibições com a Constituição. A cultivar traumas e stresses...fobias angustiantes... O Código Penal não os inibe; as próprias leis da natureza não os inibem, o Diário da República funciona por conta, balcão, recreio e encomenda. Mas a Constituição inibe-os, coitadinhos. Revista e descafeinada, podada e recauchutada, ainda os inibe. Demove-os. Causa-lhes aquela disfunção eréctil mental em que vivem diante da realidade. Com a inteligenciazinha mirrada, a moral descartável e a coluna vertebral gasosa, assistindo, frustes e gelatinados, às contínuas violentações socialistas. A constituição é que não os deixa, é que os impede, é que os obriga a ficar assim, hirtos, meros portadores dum acessório inútil, triste, pendente.. Todavia, uma gaitita mágica, fadada misteriosamente, intimamente agregada ao futuro da nacinha. Este só se endireitará quando eles endireitarem aquela. Mas primeiro, detalhe crucial, condição sine qua qua, há que lhes tirar a Constituição da frente. Porque então, então sim, livres dessa maldicinha, a realidade vai ver e, sobretudo, eles vão conseguir ver e encarar a realidade.Sem complexos. E a economia vai trepar nos gráficos à medida e ao ritmo com que a sapiência protuberante for capaz de lhes trepar na barriga, à conquista do umbigo. E ninguém duvide: no mínimo, será vertiginoso!...»
Daniela Silva, Uma Implosão Constitucionalíssima:
Se podemos dizer que o Estado frustrou as expectativas de muitos pensionistas, com os quais tinha firmado compromissos, não é menos verdade que o mesmo Estado está a impedir a minha geração de criar as suas próprias expectativas, fora do escopo do governo. A solução é esperar que caia sob o seu próprio peso burocrático com a força das suas regras obsoletas de caráter dirigente.
Em Democracia, Robert Dahl enumera-nos critérios para entendermos as diferenças entre constituições e as suas características. Um dos critérios é a “elasticidade” e diz-nos então: “Um sistema constitucional não tem de ser construído de forma tão rígida ou fixado de modo tão imutável, quer por escrito, quer pela tradição, que não possa ser adaptado a novas situações.” Claro que isto são aspectos que não se aplicam ao nosso país, liderado pela sabedoria omnisciente e intemporal que brotou da Revolução. Somos especiais porque somos encabeçados por uma Lei Fundamental com 296 artigos, salvo erro (e que começou por ter 312). Tudo isto para não deixar escapar nenhum pormenor da felicidade humana devidamente enquadrado.
Helena Roseta, na SIC N, solidariza-se com a verborreia que Mário Soares tem debitado nos últimos dias e afirma que Passos Coelho deveria ser alvo de uma acção judicial por atentado à Constituição. Este país está a ficar perigoso.
... nem uma coisa, nem outra. Há ainda que ter em atenção a emergência dos votos nulos e brancos, assim como uma grande abstenção que demasiadamente salienta os saudosos de Estaline. No que se refere à Constituição, a evolução é inevitável, a menos que prefiram uma ruptura. De nada servirão "limites materiais" e outras bacoquices do género. Em 1979, num exame de direito constitucional, tive o prazer de dizer isso mesmo a Jorge Miranda.
Quanto ao resto, os mesmos de sempre continuam com os mesmíssimos jogos, esperando que os outros façam o serviço desagradável e sem direito a recompensa. Dizendo não estar o actual PS preparado para governar, Costa aproveitou para liquidar a liderança de Seguro. São todos uns heróis.
Quando um cidadão exerce o seu direito de voto, delega o seu discernimento e a sua orientação política num representante. É como se assinasse uma procuração que concede a um vizinho o poder de deliberar e votar em sede de assembleia de condóminos. Quando um grupo de cidadãos elege o seu lider partidário, faz precisamente a mesma coisa. Independentemente de ideologias ou partidos políticos, o eleitor, por ter outra profissão, por ser padeiro ou astronauta, e estar ocupado com outros afazeres, atribui a um delegado a responsabilidade de ajuizar e decidir sobre variadíssimas matérias. De um modo genérico é isso que um político de carreira deve fazer com um profundo sentido de abnegação (ainda antes de chegar ao poder). O político profissional que assina um código de honra é uma espécie cada vez mais rara. Esse defensor do princípio do justo e do contraditório não se pode deixar orientar pelo preconceito ou prejuízo. Deve agir de boa fé e procurar a solução que melhor sirva o interesse da comunidade, da sociedade e do país que deposita em si confiança. Quando um prospectivo chefe de Governo, um lider que pretende avançar as causas nacionais, assume preventivamente uma posição de negação, e afasta o benefício da dúvida de um modo irredutível, mata o bom-senso, o devir e o sentido da sua própria missão. Quando António José Seguro anuncia que votará contra o Orçamento de Estado (OE) de 2014, independentemente de conhecer o seu teor ou a sua substância, crava um ferro prematuro num embrião político, num ser que ainda não viu a luz do dia. O OE, abortado pelo PS deste modo grosseiro durante o seu período de gestação, revela a instransigência e a ortodoxia dos socialistas. O OE, sendo uma inevitabilidade, poderia receber o contributo dos socialistas. O documento poderia sofrer variações de acordo com propostas da oposição por forma a atenuar a natureza atroz que alegadamente decorre desse documento de gestão nacional. Os socialistas decidiram que não irão colaborar - ponto final. Quando Seguro diz que vai votar contra o OE, está a defraudar os condóminos do bairro socialista e arredores. Está a fazer gazeta ao trabalho penoso de análise na especialidade e na generalidade de um documento que emana de um orgão eleito de acordo com a Constituição da República Portuguesa. O que eu defendo é um princípio independente de quem está no poder ou de quem deseja lá chegar. O que sobressai neste exercício de "bate pé" é a arrogância intelectual de quem pouco tem para mostrar. Se Seguro acha que tem a receita para salvar o país, que mostre serviço e elabore um Orçamento de Estado Sombra. Um documento que materialize as grandes teorias socialistas. Um cão de palha não é o que o país precisa. O que Seguro faz, ainda antes de ter personalidade política e ocupar um posto executivo, é um mau sintoma, um prenúncio de alguém que não percebe que o momento histórico é outro. Por se negar à tarefa e fechar a porta à mera discussão do OE, Seguro obriga cada um dos condóminos a inteirar-se dos contornos da acta final. E se é esse o caso, nem sequer vale a pena passarem uma procuração ao chefe - chefe mas pouco - porque se demitiu ainda antes de ser contratado. O problema com a Democracia, e em certa medida da Constituição, não é um exclusivo do governo. Seguro também não passa com distinção neste exame.
Há vários temas que dominam os escaparates dos últimos dias. As trágicas mortes dos bombeiros decorrente dos combates aos incêndios, o chumbo do tribunal constitucional (TC), e o clássico, o dérbi que opõe o Sporting ao Benfica. Um outro tema é a crise na Síria e se os americanos chegarão a vias de facto ou não nos dias que se seguem. Mas, fiquemo-nos pelos fogos e pelos tribunais. Se cruzarmos o flagelo do fogo com a razia levada a cabo pelos juízes do TC poderemos perguntar porque razão ainda não redigiram uma Constituição da Floresta e não criaram um Tribunal do Fogo? A catástrofe incendiária que assola Portugal deve ser tratada em sede própria. Os tribunais regulares parecem totalmente desadequados e incompetentes no tratamento jurídico dos ilícitos praticados. Quantas vezes não somos confrontados com reincidentes incendiários que foram sujeitos a um simples termo de identidade e residência? Os deflagradores de matas são assassinos da alma mater do país e homicídas com rosto, e merecem ser tratados como traidores de Portugal. Quantas vezes não são desculpados por terem um isqueiro no bolso e padecerem de problemas de bebida. Por outro lado, a inexistência de uma verdadeira constituição dedicada em exclusivo à floresta, significa que as árvores fazem parte de um regime jurídico regular, banal. Os governantes parecem esquecer que foi a partir de matos desbravados que a nação se ergueu. O que pensam que foi o condado Portucalense? E quem pensam que foi D. Afonso Henriques? O primeiro governante foi precisamente um gestor de terras bravias - o Primeiro Ordenador -, embora não tenha sido esse o seu cognome. A base geográfica de Portugal é a fundação a partir da qual todos os edifícios e sonhos são propostos. O modo inequívoco de decidir dos juízes do TC deveria transitar para um Tribunal do Fogo. Contudo, para que possam agir de um modo conclusivo e irredutível, uma Constituição da Floresta teria de existir. Um normativo fundamental que determinasse a inviolabilidade da bio-massa, do pinhal ou eucaliptal. Todos os anos é a mesma história de sempre. As chamas atravessam vales e montanhas, e a batata esturricada passa de mão em mão. De governante para governante que afirma que Portugal é um exemplo, um modelo de gestão das florestas. Os bombeiros que não têm voto na matéria da administração do território carregam o maior fardo de todos - pagam com a sua vida. Os políticos, mesmo os fracassados e derrotados, nunca se chegam a chamuscar, quanto mais se queimar. Guardam sempre uma distância confortável da responsabilidade, dos crimes de sangue e seiva - e têm sempre à mão de semear um extintor para o caso das coisas começarem a aquecer. A floresta, e todas as suas representações vivas e simbólicas, parece estar votada a uma neblina fatal. Quem disse que Portugal não tem uma floresta negra?
O que separa um homem apaixonado das camadas que imediatamente se lhe seguem na estratificação da mole humana? Montanhas, talvez; a sensação de magnífica e supina impunidade de, tendo galgado a pulso, com dentes e garras, à força da estupidez natural, o cume envolto na bruma da nesciẽncia poder então, lá aposto, cagar em cima de todos e de cada um dos exemplares que povoam este antro insalubre, o país clinicamente insolúvel.
Ou quiçá a música: canções que se revelam e descrevem evoluções tão erráticas como harmoniosas nos canais que conduzem dos olhos à alma, espelhos que Deus, em suprema sabedoria na grande urdidura do Mundo - e porque é que existe algo em vez de nada? coçai a nomenclatura e torcei-vos entre Deus e a axiomática mecanicista, que eu vos direi quando parar - quis dar-nos por ferramentas com as quais interpretar a Natureza, o seu plano e o seu rumo, e as coisas frágeis que vicejam contra a certeza da morte em cada recanto do cosmos.
Sucumbido à carícia irrevogável de um amor inevitável, ombreando como um Atlas que ao tempo sacudira dos ombros o lastro das coisas mesquinhas, tal homem observa com a bonomia de um bonzo o andar da paróquia, os chilreios efémeros das acanhadas criaturas cuja duração se mede pelo braço de uma ou duas estações do ano. Não quer saber? Quer, mas é-lhe convivial, demove-o por menos de uma colcheia do rumo que o coração e as mãos lhe mandam traçar por já estar imbuído, entranhado, imolado e perenemente elevado ao rol dos imperecíveis de amor.
Carthago Delenda Est, o que importam governos, reinos, divisas e a heráldica do cardume socializado, mesmo daqueles a quem o esclarecimento, voluntário, por ímpeto ulterior, ou até acausal, permite ler os dias com um grau de boçalidade aquém daquele de quem "manda", isto é, de políticos, encostados, profissionais da chularia, putas do Estado, controleiros e apaniguados de controleiros, e a demais cáfila que nunca entreviu nas gotas do sangue que lhes corre para a alma um grito de paixão, uma sucessão de batimentos cardíacos suspensos, o rosto impávido e insondável da criatura amada que de repente, num rasgo camaleónico, se abre de rajada em sorrisos que abarcam a geologia de todos os planetas possíveis?
Que mais fazer senão rir, preparar o Outono, e aceitar o mistério que subjaz à feliz partilha de habitar a dois a espuma dos dias?
Como vir cá fora, ainda que por instantes, fora desta onda avassaladora de hormonas, ensejos, ousadia e gratidão, onde se vive um mesmo sentir? Para quê recalcitrar na denúncia do crime, quando no adro os criminosos são supranumerários?
Porque apesar das trincheiras com que a acção do "colectivo social", desde mesmo que os nossos avós eram tenros petizes, tratou de dilacerar a magia, a esperança, a candura e a simplicidade com que emergimos do ventre materno, audazes no nosso terror de campeões pequeninos, apesar disso há ainda um grão de lucidez, uma chama de fúria.
A música toca. As veias latejam. Embora amantes possam perder-se, o amor permanecerá. Tarda o acerto de contas mas na sua perfeição matemática o universo sabe o que faz.
A nós, aqui, a montanha.
Por estas e por outras é que continuo a preferir constituições não programáticas, como a dos EUA, ou até não escritas, como a do Reino Unido, onde até nem há Tribunal Constitucional. E se outros chumbos do TC me pareceram justificados, já este parece-me revestido de uma certa mentalidade anti-reformista da administração pública e do país. É que voltando uns meses atrás, recordo-me que o TC considerou que o Orçamento Geral do Estado para o corrente ano violava o princípio da igualdade. Pelo mesmo prisma, atendendo ao alto desemprego e ao ajustamento salarial que tem ocorrido no sector privado, como é que a manutenção de um estatuto privilegiado para os trabalhadores da função pública pode ser justificada? De resto, de chumbo em chumbo, um dia o dinheiro acaba mesmo e, já que estamos em estado de excepção, nesse mesmo dia acordamos e já o Governo decretou o estado de emergência. Pelo menos isso é constitucional.
No rescaldo do anúncio do acórdão do Tribunal Constitucional escrevi que o "regime já deu tudo o que tinha para dar". Não errei no diagnóstico. Fui até bastante brando. Os dias que se seguiram, com a azáfama que tolheu meio país, designadamente o que vive na "Lesboa" das intrigas, confirmaram a crueza desta sentença. A oposição socialista, liderada por uma vacuidade desconcertante (um bem haja ao Rui A. pelo brilhantismo com que caracterizou a nulidade andante que lidera o dito partido), provou mais uma vez que não tem uma alternativa plausível para o caos em que o país está. A semana passada foi, aliás, bastante esclarecedora no que toca à inabilidade política de uma liderança que não tem mais nada para oferecer a não ser pusilanimidade. Desde uma moção de censura desajeitada até uma carta para a troika que diz e se desdiz no mesmo instante, passando, também, pela exigência de eleições, descartando, nesse acto, uma solução credível para os problemas do país, a última semana dos compagnons socialistas foi deveras penosa, para não dizer outra coisa. Ademais, ontem, o país inteiro ficou a saber, não obstante o triunfo de audiências do preclaro Marcelo, que Sócrates é o verdadeiro líder da oposição. Um líder "madurizado", populista e demagogo como nos horrendos velhos tempos. Um comunicador nato, que mentindo e omitindo continuará a trilhar o seu caminho de revanche e de ódio. Seguro é um mero peão a ser despejado da arena na hora certa. O próprio facto de Seguro marcar uma conferência de imprensa para as 18h30 do dia de hoje, atesta toda a sua fragilidade política. Não é desfaçatez, é pura desorientação, acompanhada de ignorância. Tudo isto é hilariante, no mínimo. Mas se os nossos problemas se reduzissem a Seguro, o cenário não seria tão cruel, porém, do outro lado da ladeira temos um Governo que, em boa medida, tem pela frente a verdadeira hora H. O Governo não tem mais desculpas para atrasar as reformas que se exigem. Passos falou, queixou-se e lamuriou-se, mas prometeu acção. Cumprirá o que disse? Não sei, para dizer a verdade, duvido muito. O histórico não avaliza uma leitura positiva de quaisquer boas intenções provindas de um Governo sumamente descredibilizado. Mais: se Passos quisesse realmente reformar este Portugalzinho já o teria feito há muito. Agora, será mais difícil fazê-lo. A base social de apoio do Governo diminuiu consideravelmente, e parte das elites do regime desejam uma "penedização" que, como é óbvio, só pioraria as coisas. O certo é que, com reformas ou não, o país tem pela frente desafios muito espinhosos. Basta dar uma vista de olhos pela imprensa internacional para constatar que a crença no ímpeto reformista deste Governo é quase inexistente. Das duas, uma: ou Passos reforma e liberaliza o país de vez e sem retrancas, ou a falência virá irremediavelmente. O tempo para as escusas da inacção terminou. Ou sim ou sopas.
Lista dos países (comunistas e não-comunistas) em que o Socialismo está inscrito nas respectivas constituições:
- República Popular do Bangladesh
- República Popular da China
- República Popular Democrática da Coreia (do Norte)
- República de Cuba
- República Cooperativa da Guiana
- República da Índia
- República Democrática Popular do Laos
- República Portuguesa
- República Democrática Socialista do Sri Lanka
- República Unida da Tanzânia
- República Socialista do Vietname.
Fonte: Wikipedia - List of Socialist Countries
E é assim 39 anos depois do 25 de Abril, 38 depois do 25 de Novembro, 31 depois da revisão constitucional de 1982, 27 depois da adesão à CEE, 20 depois da criação da União Europeia, 11 depois da entrada em vigor do Euro.
E depois a culpa é da Troika e da Merkel.
Uma Constituição depende dos homens, mas um fuso horário pode marcar a diferença na forma como é usada. É tudo uma questão de relativismo cultural, de conveniência política. Em Portugal, Cavaco Silva afirma que a Constituição não está suspensa. Na Venezuela, Hugo Chávez pode suspender a Constituição, se assim o entender. Em qualquer dos casos, os "artistas" queixam-se sempre da ferramenta. Como se pode admitir que ignorassem que o memorando de entendimento, que conduz à Troika, pudesse estar ferido de inconstitucionalidade? Há qualquer coisa de perverso nesta constatação. Como se tivessem plantado bombas adicionais num campo de minas. Não se pode aceitar que batalhões de peritos tivessem deixado passar em claro uma "receita" que determinará o futuro próximo de Portugal. Um futuro penoso, certamente mais negro que claro. Não é apenas de fiscalização sucessiva de que se trata. Sem dúvida que tem a ver com um cronómetro, com um relógio que regista atrasos e mais atrasos. Se existe a possibilidade de revisão de decisões tomadas pelo Governo, então essa virtude retroactiva deve aplicar-se no sentido de responsabilizar quem feriu a sorte de um país. Como recipientes de migalhas de razões, nunca saberemos que forças se movimentam em torno das vantagens que se podem extrair da Constituição de um país. E o inverso também se aplica no negócio orçamental. Há falta de transparência em todo o processo de redistribuição de privilégios. Um orçamento, na sua expressão mais simples, corresponde a um processo de redistribuição de riqueza. Ou seja, a capacidade de normativamente realizar transferências de oportunidades e prosseguir um ideal de justiça económica e social. Neste caso, parece que o caderno de encargos apenas se realiza no espectro negativo da contabilidade, por melindrar ainda mais quem pouco tem. Quem nada tem para dar. Mas há quem proceda de modo diverso. Hugo Chávez não precisou da Constituição para subvencionar o consumo de gasolina no seu país. Lamentavelmente, Cavaco nada tem para oferecer ao seu povo. O Presidente da República não tem brindes para dar e calar a sua gente.
Apetece relembrar a frase de abertura do clássico Teologia Política, da autoria de Carl Schmitt: «Soberano é aquele que decide sobre o estado de excepção.» Como, de acordo com Walter Benjamin, a excepção transformou-se em regra, importa rever a constituição em virtude da cada vez mais imperiosa necessidade de limitar os poderes do soberano, para que se minorem os abusos do poder que o povo lhe confere. Infelizmente, Giorgio Agamben parece estar coberto de razão (Estado de Excepção):
«A criação voluntária de um estado de emergência permanente (mesmo se eventualmente não declarado em sentido técnico) tornou-se, desde então, uma das práticas essenciais dos Estados contemporâneos, mesmo dos chamados democráticos.
Perante uma progressão imparável daquela a que se chamou uma «guerra civil mundial», o estado de excepção tende cada vez mais a tornar-se o paradigma de governo dominante na política contemporânea. Esta transformação de uma medida provisória e excepcional em técnica de governo ameaça transformar radicalmente - e já, de facto, transformou sensivelmente - a estrutura e o sentido da distinção tradicional das formas de constituição. O estado de excepção apresenta-se, pois, nesta perspectiva, como um limiar de indeterminação entre democracia e absolutismo.»