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Enquanto escrevo um artigo sobre indignados e "ocupas" para o próximo número do Lado Direito, jornal da JP Lisboa, veio-me à memória uma aula do primeiro ano da licenciatura em que um desses académicos frustrados e infelizes, daqueles que pouco ou nada de original têm e que se limitam a uma espécie de enciclopedismo que se fica pelos redis do sindicato das citações mútuas, dizia que a Teoria das Relações Internacionais era cada vez mais a ciência do quotidiano. Quão ridícula e redutora perspectiva.
Muitas das perspectivas da Teoria das RI não levam em consideração conhecimentos e ensinamentos das ciências de que se diz ter autonomizado e que muitos autores se esforçam até por repudiar – porventura consoante sejam mais fracos nesses domínios, desde a História à Filosofia, passando pela Ciência Política, Economia e Direito. Exemplos claros são as chamadas “narrativas” idealistas pautadas por dogmas ideológicos como o Fim da História, ou o construtivismo da governança global. Ademais, não tendo tanta relevância a perspectiva de Kenneth Waltz de que a primeira unidade de análise da realidade internacional é o indivíduo, sendo o Estado a unidade de análise principal para a grande maioria dos autores, a TRI tornou-se demasiado circunscrita. Nada contra, até porque tal consubstancia a sua autonomização científica. Simplesmente não me parece intelectualmente honesto circunscrever um objecto de estudo e autonomizar uma ciência para depois clamar domínio sobre todas as outras – ainda que apenas tenha ouvido isso da boca de uma só pessoa da área. É que muitas das outras ciências tentaram fazer o mesmo, e já cá andam há mais tempo. Talvez um bocadinho de humildade académica não fizesse mal.
Mais, a proeminência de economistas nas tentativas de explicação dos tempos que vamos vivendo é, também, um sintoma de que os modelos explicativos da TRI estão esgotados, o que é apenas normal se considerarmos que a Economia Internacional assenta nos ensinamentos do keynesianismo (ou não tenha Keynes sido o grande arquitecto do sistema de Bretton Woods).
E já agora, fica a indicação de que por estas bandas, às 15h30 já está escuro como breu...
*título roubado aos Marretas.
No Prós e Contras sobre a Crise Internacional e a Pobreza um sr. de nome Alberto Castro diz a dada altura: "Se o céu nos cair em cima pelo menos vamos todos para o céu".
Eu concordo, há que ver sempre os aspectos positivos das coisas, mesmo das crises...
Cada vez mais me apetece proferir um chorrilho de palavrões contra o endeusamento do mercado e da mão invisível.
Já aqui muito temos escrito sobre a plutocracia capitaleira que com pouco mais se preocupa do que com o seu umbigo e a acumulação de riqueza como se não houvesse amanhã. É que para além deste sistema não ser sustentável porque não tem impacto a nível de um saudável desenvolvimento sustentado e transversal a toda a sociedade, tem uma outra característica perniciosa: a desregulação leva a uma espécie de estado natureza na economia, a sobrevivência dos mais fortes, e se tal deve de facto ser a regra entre as empresas, o mesmo não pode nem deve passar-se ao nível dos indivíduos e da sociedade, sob pena de graves injustiças sociais, como as verificadas ao nível dos sistemas de saúde e educação nos Estados Unidos da América.
E depois venha-me cá o Fukuyama dizer que os trabalhadores europeus têm que se habituar a trabalhar mais horas e a ter menos regalias, como se a culpa desta crise fosse dos vulgares mortais. Deve ser para os arautos da inteligência de administrações da Lehman Brothers ou da AIG poderem receber salários multi-milionários, prémios de boa gestão (atentem na ironia...) no valor de milhões de dólares e passar férias à grande e à francesa enquanto simultaneamente se pede ao estado para salvar as empresas da falência.
A culpa é dos Bancos que emprestaram milhões de dólares em créditos de alto risco e sem garantias, que naturalmente as pessoas incrédulas aproveitaram, ponto final. E a sua incredulidade vai levá-los à ruína e à miséria enquanto os causadores deste descalabro vão continuar impávidos e serenos.
Já agora, quanto ao que deveríamos fazer no pós-crise, vão aprender economia com esse perigoso "fássista", o Doutor Salazar, pode ser que aprendam alguma coisa especialmente com o ensaio "Como se reergue um Estado", um notável tratado com uma secção de economia política que se eu não me engano muito vai tornar-se bem actual.
Não é por nada mas este histerismo em torno da não aprovação do plano de salvação do sistema capitalista norte-americano serve os propósitos de quem? Eu ainda não dei por efeito directo nenhum desta coisa a que chamam crise financeira internacional e alguns já andam por aí a anunciar um regresso à idade da pedra.
Bom, agora a sério, parece-me que estamos sem dúvida num momento chave da História do século XXI. Achavam que os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001 definiram uma qualquer ordem mundial? Pois não definiram, mas aquilo a que estamos a assistir vai sem dúvida definir, e porquê? Porque o sistema financeiro mundial (sim porque estamos efectivamente no domínio de uma economia globalizada, ainda que a um grau menor do que aquilo a que um dia eventualmente chegaremos) tem vindo sempre a preservar-se por via da homeostase integrando as problemáticas com que eventualmente se deparava através de processos de aprendizagem simples mas neste momento ninguém sabe como responder a esta crise. A mão invisível deixou de funcionar e a intervenção por via do Bailout Plan também não me parece garantir que a crise será superada. Tanto quanto sei pode até vir a ter efeitos ainda mais desastrosos do que se o sistema rebentar neste momento.
Portanto, aquilo a que vamos assistir será um doloroso processo de superação do paradigma sistémico vigente por via de um processo de aprendizagem complexa e capacidade homeorética que nos levará a um novo sistema. Que tipo de sistema será, deixo para o domínio da futurologia de que normalmente não me ocupo, embora esta seja uma boa altura para economistas, juristas, politólogos, historiadores, enfim, académicos, começarem a pensar nisso. O que me parece é que o ensinamento marxista de que a infraestrutura económica condiciona a superestrutura política vai mais uma vez ter reflexo prático quando todo um novo sistema económico e financeiro mundial se estabelecer em simultâneo com um reajustamento da hierarquia das potências. Nunca as palavras de estudiosos das teorias imperialistas como Duroselle ou Paul Kennedy fizeram tanto sentido, mais cedo ou mais tarde os Estados Unidos da América teriam que cair. Vamos ver é quem os substituirá se não tiverem recuperação possível. Uma coisa é certa, Bush ficará para a História, e não necessariamente pelos melhores motivos.
Provavelmente com razão, Vladimir Putin acusa os EUA de terem provocado o actual conflito que opõe em confronto bélico a Rússia e a Geórgia (1). Antigo agente dos serviços secretos soviéticos, o "primeiro-ministro" russo conhecerá profundamente todos os meandros da política que outrora opunha a defunta URSS e os americanos e assim, a sua constatação pode ter alguma razão de ser. Quando da implosão - forçada pela derrota na corrida aos armamentos de tecnologia avançada - da União Soviética, o mundo mudou radicalmente na correlação de forças e se num primeiro momento vivemos o inverno de 1989 sem inimigos, essa doce ilusão da extensão da democracia a todo o planeta, esfumou-se diante da cruel realidade dos interesses da superpotência remanescente e daquelas outras outrora poderosas metrópoles, irreversivelmente relegadas para um segundo plano no âmbito da grande política internacional. Afinal, a hegemonia ou pax americana que se adivinhara quando do estrondear do foguetório diante do Reichstag no dia da reunificação alemã, durou apenas três lustros.
Os erros foram-se acumulando no campo vencedor da Guerra Fria. Embora anexando novos membros para a sua periclitante Comunidade, Europa não se fortaleceu como voz audível nos centros de decisão mundial, nem se prevê que tal possa vir a acontecer, dadas as evidentes clivagens sem solução, um dado irreversível da nossa história já milenar. A Rússia, mantendo intacto e no poder todo o funcionalismo outrora conhecido como Nomenklatura, foi relegada para o estatuto de país de terceiro mundo, fonte propiciadora de apetecíveis matérias primas e de mão de obra barata. Com o petróleo a preços baixíssimos e eclipsada a economia fortemente colectivizada - e em ruínas, diga-se - viu apodrecer a sua magnífica frota inactiva em abandonados portos, desesperou com a fome de milhões e com o ressurgir da praga mafiosa, afinal uma directa herança da organização PCUS que despoticamente esmagou o país durante quase oitenta anos. No entanto, o colosso do Leste tem um peso incomensuravelmente maior que todos os seus antigos satélites em conjunto e sobretudo, manteve intacto um vivo espírito nacionalista que repudiou a evidente falta de respeito e o desprezo que os seus antigos e temerosos adversários passaram a dedicar-lhe.
A administração norte-americana - nossa inevitável aliada -, agravou esses erros, quando pretendeu intervir directamente no território de antigas repúblicas componentes - muito teóricas, em abono da verdade - do Império Russo. Jamais existiu qualquer império do Cazaquistão ou da Quiguízia, na verdade meras conveniências decorrentes das catilinárias do marxismo-leninismo internacionalista, a confortável capa do férreo poder imperial de Moscovo.
Os EUA não só forçaram a entrada na periferia da Rússia, como também pretenderam intervir dentro dos limites da velhas fronteiras pré-1917, uma clara ingerência nos assuntos internos do país, segundo o ponto de vista da esmagadora maioria dos russos. Os erros de 1942-45 repetiram-se e pior, ganharam contornos de opressão e de exploração económica com laivos de colonialismo, num momento em que os próprios aliados da NATO iniciaram uma nítida clivagem interna no apoio ou não, à política gizada por Washington.
A derrota no Iraque e o atoleiro afegão. As delongas no encontrar de uma situação satisfatória para o problema israelo-palestiniano. O clamoroso erro da liquidação das velhas políticas de quotas de importação nos mercados asiáticos, quotas estas que equilibravam mesmo que artificialmente, as permutas e a produção industrial do Ocidente e dos mercados ditos emergentes. A má imagem transmitida a todo o planeta, agora receoso dos falcões do radicalismo protestante-religioso dos neocons da administração republicana. Enfim, a lista de erros, más interpretações da realidade e sobretudo, o escandaloso desconhecimento acerca dos interesses vitais dos parceiros, criaram a actual situação que como tem sido propalado pela imprensa, parece conduzir-nos a uma outra Guerra Fria, precisamente no momento em que os russos podiam finalmente regressar à Grande Europa da qual tinham sido arredados em 1918.
Se George W. Bush está a alguns meses do fim do seu mandato sem honra nem glória, a hipótese - porque se trata ainda de uma hipótese - de Barack Obama, não deverá modificar de sobremaneira a actual situação calamitosa. E isto, porque os interesses das grandes companhias energéticas, de armamentos e financeiras, controlam os mais importantes dossiers do Estado norte-americano. O presidente muito diz, mas como ente solitário na Sala Oval, pouco pode (2). Não tenhamos ilusões, pois a crise continuará dentro de semanas.
(1) Portugal deve rigorosamente seguir a acertada política em que enveredou no caso do Kosovo: não reconhecer qualquer independência, nem negá-la, ignorando os acontecimentos. Estaremos assim preparados para qualquer eventualidade a ocorrer no país vizinho. Os conflitos continentais não têm qualquer relevância ou directo interesse para Portugal e a justiça deverá ser salomónicamente equitativa.
(2) É esta umas das razões, entre muitas, porque fui, sou e serei sempre monárquico.