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Não vale a pena entrar em pormenores sobre os contornos do desfalque da Raríssimas - se são gambas ou vestidos de noite que materializam os desvios. Esses aspectos são acessórios. O que é realmente grave diz respeito ao modo como é desferido um forte golpe na credibilidade de tantas associações que prosseguem as suas missões honestamente e em nome do bem colectivo. Este tipo de crime deve ser etiquetado de atentado grave contra a sociedade portuguesa, um acto de traição. O modo como corrói a confiança depositada em organizações com enfoque na acção social, obriga a que se auditem TODAS: fundações, associações, grémios e clubes (doa a quem doer) que, em nome da solidariedade e demais princípios e valores incontornáveis, operam no plano nacional. O facto do Ministro do Trabalho alegadamente já ter conhecimento das irregularidades das Raríssimas, coloca-o particularmente numa situação difícil. Para todos os efeitos práticos, o ministro passa a ser um associado dos delitos, independentemente da cor ideológica ou do partido de onde provém. Sejam quais forem as ramificações e os envolvidos - do governo ou não, da oposição ou não, da casa socialista, comunista ou centrista -, devem ser extraídas consequências materiais e penais. Raríssimo? Veremos. Talvez vulgaríssimo.
A total ausência de alternativas governativas em Portugal torna o país um eterno refém da sua condição. Um refém de boicotes e resgates. Um prisioneiro de argumentos de retórica e pouco mais. Portugal está à mercê de uma tômbola de consequências nefastas. É indiferente quem está no poder ou quem venha a estar. A responsabilidade pela presente situação pertence a todos sem excepção. A todos os governantes, aos que os elegeram, aos que estão na oposição, aos que se demitiram das causas próximas, do seu bairro, do seu comportamento individual ou colectivo. E por esta ordem de ideias, a grande culpada pela catástrofe nacional reside noutro posto que não os mandatos políticos e as cores ideológicas. Foi a matriz cultural do país que implementou o seu processo de selecção de lideres. Foi a ausência de critério ético que fez baixar o nível requerido para exercer a função pública com sentido de Estado. Foi o fraco nível cultural que ditou o vazio de ideias, a incapacidade de pensar o país de um modo conceptual, com vistas largas tendentes ao grande desígnio nacional. O processo de substituição de liderança tem de passar pelo envolvimento da sociedade civil de um modo intenso e irredutível. A transição democrática em Portugal libertou todas as vozes e fantasmas. À luz dessa premissa de libertação, todas as opiniões são válidas, todos os argumentos podem ser invocados para defender a posição, mas não necessariamente o bem colectivo. Portugal pode encontrar bodes expiatórios na sua história próxima ou distante para se eximir de responsabilidades. Os outros farão o mesmo, mas isso não pode servir de desculpa ou princípio. Vivemos a expressão máxima da genealogia da culpa. O Governo culpa o Tribunal Constitucional, o PS culpa o PSD, o PSD culpa o PS, o PCP culpa todos, o BE culpa o Governo, a oposição culpa a Troika, Portugal culpa a Alemanha, a Alemanha culpa os Países do Sul, a Grécia culpa a Alemanha. E não saímos deste beco filosófico sem saída. Há algo de profundamente errado na contínua negação da responsabilidade. Os homens estão a cair, e a arrastar o pouco que resta de dignidade. Algo está a tombar e não são apenas os governos.