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Agora que já tinha duas irmãs grandinhas, nunca mais pensei em jogar ao pião.Tínhamos de improvisar: ver sardinhas nas folhas da laranjeira, café na terra, arroz no areão, e pratos nos cacos de telhas partidas, mas a diversão estava garantida, com uma de nós a fazer de cozinheira, à vez, senão havia zanga pela certa.
Por vezes havia convidadas para o jantar, invariavelmente umas primas vizinhas, e lá vinha a cozinheira dizer que o arroz não chegava.
Por essa altura vendia-se na feira local umas bonecas pequeninas, de plástico, que custavam vinte e cinco tostôes - quando arranjámos dinheiro para comprar uma, passámos a ter uma filha, mas uma filha que era das três. Lembro de irmos à costureira, que nos fazia os vestidos, pedir sobras de tecido para vestirmos a nossa filha: coitada, nenhuma de nós tinha jeito para a costura, e parecia um espantalho...
Brincadeiras que me fazem sorrir quando as recordo. E como gosto de as recordar!
que morria de saudades da sua terra, e só sorriu quando o rei mouro as mandou plantar e elas floriram, porque ao ver tantas flores brancas julgou estar a ver a neve que costumava ver da sua janela; lenda lida ou ouvida algures na infância, foi o que me lembrou o relato do meu amigo: a prima que veio passar uns tempos à cidade, e como as saudades da terra - longe que ela ficava! - apertavam, perguntou se podia dar um grito que se ouvisse lá na casa dela.
Que sim, se isso fazia com que se sentisse melhor. Então ela foi à janela e gritou tanto, que os vizinhos todos olharam espantados.
pois que o piloto era São Vicente, o padroeiro da cidade. Do cancioneiro popular, talvez, constavam estes versos de um Livro da Primária usado por um irmão, mas que todos lá em casa cantavam, cada um com a música que melhor achava enquadrá-los:
Quem quer ver a barca à vela,
Que se vai deitar ao mar,
Nossa senhora vai nela,
E os anjinhos a remar
São Vicente é o piloto,
Jesus Cristo o general,
Que linda bandeira leva,
A bandeira de Portugal !
mas no lugar da casa junto ao rio estavam pintados dois versos. Versos dedicados à mãe.
Ao lado duas ou três andorinhas de faiança também. Soube mais tarde que eram cópias das que Bordalo Pinheiro criara. Tudo isto na sala, onde, numa época em que os serões não aconteciam já na Casa do Forno, mas numa sala pequena, com dois sofás em vez do antecessor escabelo, e onde o lugar de honra, no cimo da estante, onde o livro mais vistoso era um volume azul, grande e com letras douradas, dos Lusíadas, era ocupado pelos bustos de Camilo e do autor do livro azul.
levavam-se merendas e confratenizava-se com outros vizinhos de veraneio", diz, na caixa de comentários, João Amorim. Era assim a minha praia.
A criançada divertia-se a valer; além do baloiço e do prego, lembrado pela Patti, estou a lembrar-me do esconde-esconde, pelo meio das barracas, e do arranca cebolinha, em que acabávamos sempre caídos na areia, mas sempre, sempre, muito felizes.
Se continua a haver baloiços na praia de Póvoa de Varzim, pergunta JAA. Quando para lá ia a banhos, cada sector de barracas tinha dois; agora, que há muito tempo não veraneio por essas bandas, esperei que uma sobrinha, que vai em Julho para a praia, contígua, de A-Ver-O-Mar, cá viesse para lho perguntar: que sim, e que continua a ter muita procura. Não conhece já é o jogo do prego nem o da arranca cebolinha, mas numa época em que os jogos electrónicos dominam, perdura ainda alguma coisa do que vivemos na nossa infância.
que não fui buscar ao meu baú, antes vi num blogue amigo.
Baloiços na praia, eram, para a criança que fui, um dos grandes atractivos da Póvoa de Varzim durante o mês de Setembro; não que não o tivesse em casa, porque tinha, mas a alegria dos altos voos era nessa altura partilhada com muitas mais crianças, que esperavam, sentadas na areia, a sua vez. Então, ao contrário do que transparece na fotografia de JAA, a praia ficava cheia de vozes infantis, tagarelas mesmo.
No resto do ano, o baloiço estava lá em casa, no cabanal, ao lado da " casa da lenha ", onde se guardavam as canhotas que alimentavam o fogão da cozinha, e, no Inverno, a lareira, e não muito longe da pocilga onde grunhiam e rebolavam os porcos. Em frente do baloiço, que dividia apenas com as irmãs - os irmãos eram já muito crescidos para esse tipo de brincadeiras - , junto do beiral, havia um pombal, que era a nossa meta: chegarmos lá com os pés exigia um balanço e peras...; Era a altura de mostrarmos a nossa perícia no canto, e desfiarmos todo o reportório; das canções do « Música no Coração », aldrabadas, claro, ao « Alecrim » ou « Vou Comprar um Chevrolet ».
Quando, ontem à noite, vi, e comentei, este post de João Távora, não contive um sorriso: lembrei a tarde, teria, talvez, sete anos, em que, no Teatro Circo de Braga fomos todos vê-lo -seria a primeira de muitas vezes, agora na televisão, até que me cansei -.
Como é costume enraizado cá em casa ( tinha de me calhar uma família assim, logo a mim que muito prezo a pontualidade :) ), chegámos tarde; no momento em que a preceptora se sentava em cima da pinha, colocada na sua cadeira pelos diabretes, o que me divertiu muito.
Relembro as cenas todas, e o facto de, nos dias seguintes, comentarmos, eu e as minhas irmãs, as peripécias que nos tinham encantado - recordo com particular pormenor o termos retido a cena em que a mais pequenina dos Von Trapp queria, porque queria, mostrar o dedo magoado à Fraulein que regressara ao convento...; o quão bonito acháramos o capitão, nós que nos pensávamos com direito a encontrar um homem tão charmoso...; o termos confessado que ficáramos com um nó na garganta, com muita pena dele, quando vimos que, com a emoção, lhe falhou a voz ao cantar Edelweiss...
Ficámos com inveja quando, na casa de uns amigos, vimos o disco de vinil. Não admira, pois, que quando, muitos anos depois fui a Salsburgo lá tenha comprado o CD. Nunca o ouvi, mas talvez um dia destes queira voltar a ouvir o capitão a cantar « Edelweiss ».
no tempo em que frequentei a Escola Primária. Noites agitadas, muito provavelmente, porque, impreterivelmente, na manhã desse dia começavam as aulas.
Não retenho o primeiro dia das outras classes, mas tenho muito nítida a minha ida à escola na 1ª Classe: acompanhava-me o segundo irmão ( o mais velho estaria já a preparar, talvez, o regresso às aulas, mas no Liceu ) e lembro de a D. Maria ter dito ao meu irmão, que passara também ele pela Escola de S. Martinho de Sande, e já era, pois, seu conhecido, que eu era mais bonita do que ele: a forma que encontrou para que me sentisse bem...
e lembrar o que para as crianças da aldeia, sem possibilidades económicas, e longe de tudo, significava a biblioteca itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian: poder ler o« Noddy », «Os Cinco » ou o « Tintin ».
E a relação que tinhamos com o senhor Sousa era como a que os habitantes destas terras têm com o senhor Nuno: sempre pronto a aconselhar-nos, a dizer que os livros de Eça não eram ainda para a nossa idade, quando algum de nós pegava, por exemplo n« O Crime do Padre Amaro ».
ouvi não, sem prejuízo de, e quando assim o ditava o sentido de justiça e de equidade, ouvir um sim, sempre muito festejado. Hoje, basta ir a um restaurante para se distinguir uma criança que o ouve, de outra a quem os pais dizem sempre sim. Mas esta nova tendência educacional tem já alguns anos, e, a cada passo, tropeçamos com o resultado dela. Deprimente.
dos livros dos meus irmãos mais velhos, que terão sido os mesmos para todos os quatro, do que dos meus, talvez porque os tivesse achado menos interessantes, a pontos de até as capas daqueles melhor terem ficado gravados na memória: deles retenho muitas histórias, bastando por exemplo, ver uma noite de Verão com uma lua grande, para logo lembrar « Luar de Agosto »...
Agora, enquanto vou comendo cerejas acabadas de colher, é a história do homem que, perante a grande estranheza do filho, guardou uma ferradura velha, encontrada no chão, numa tarde de calor intenso, que recordo.
Que chegados ao destino, o homem a vendeu a um ferrador, e pôde, desse modo, comprar um punhado de cerejas, que tirariam a sede quer ao pai, quer ao filho, grande que era...
« Guarda o que não presta, e terás o que precisas », era o título do texto.
que se prolongavam por quase toda a Quaresma, era o encher as jarras com grandes ramos de lágrimas, flores miudinhas brancas que encabeçavam longos e frágeis caules verdes. Só floriam por esta altura, e nunca as vi senão no jardim que o Arturinho partilhava com a irmã, a Se Maria do Se Raul.
Quando passávamos por casa dele, no regresso da escola, já muito próximas as férias da Páscoa, era com um contentamento enorme que nos dizia estarem as lágrimas a " quererem deitar a cabeça de fora ", sinal de que não nos faltariam na altura certa.
E assim era: não me lembro de um Dia de Páscoa sem as lágrimas nas jarras - que eram lágrimas felizes, acrescentava o Arturinho...
Nunca tornei a ver essas flores, e muito as tenho procurado; extinguiram-se, como as borboletas tão coloridas que havia naquela época.
( autor desconhecido, citado por Tomaz de Figueiredo )
Vem a Patti lembrar-me outro dos meus amores de infância: aquele livro em que Edmundo de Amicis dá voz ao pequeno Henrique, quando este se decide a escrever um Diário, desde a sua entrada na escola.
« Coração » foi um livro que me acompanhou desde os oito anos, e que continua dentro dele.
é de uma edição anterior, mas foi este o primeiro livro que li da Condessa de Ségur, deu-mo o meu pai numa das primeiras visitas à Feira do Livro do Porto, numa altura em que à minha irmã coube « Os Desastres de Sofia»; lembro que não gostei mesmo nada da distribuição de títulos, mas lembro também que , quando li o livro, achei que tinha tido muita sorte.
Entretanto o livro desapareceu, e hoje tenho uma pena enorme.
Coisas do passado que ainda hoje me comovem, e que me fazem pensar que tenho a grande sorte de guardar muito da criança que fui...
Que fazíamos os nossos serões. Lembro-me deles no fim dos dias frios de Outono e de Inverno.
Nessas noites, e após o jantar, sentávamo-nos ao redor da lareira de granito, onde crepitava a fogueira, sempre de chamas bem altas.
Um pouco afastadas, bem no meio do borralho, duas chocolateiras de barro, mantinham sempre quentes o chá e a cevada, prontos a bebericar.
Começava então aquilo que, algum tempo depois, veria, como numa " reprise", no ecrã do cinema: a sessão à Von Trapp, com o meu pai a dirigir aquelas vozes infantis desafinadas
Foi o tempo de aprendermos " Eu Vou Comprar um Chevrolet" ou "Alecrim, Alecrim,aos Molhos , que Nasces no Monte sem ser Semeado".