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Desde que comecei a abordar o tema do Sudão que tenho evitado falar na questão do Dar Fur, região alvo de quase tão grandes quanto justificadas repercussões mediáticas, especialmente a partir de meados da década de 90.
Hoje, numa altura em que a quota mediática para assuntos internacionais se quase esgota no tratamento de “The War Within”, parece-me urgente deixar aqui um breve comentário acerca do que se está a passar na terra dos Fur.
Antes de mais, convém deixar claro que a crise em que o Darfur está mergulhado assume proporções catastróficas e, apesar de ter perdido muito do mediatismo de outros anos, essencialmente pela fadiga causada por uma crise que dura há já demasiado tempo, não deixa por isso de ser uma situação dinâmica, onde tanto podem observar-se períodos de moderado optimismo, como se vê pouco tempo depois a situação deteriorar-se gravemente. Bref, o Darfur ameaça atingir o ponto mais crítico da sua história num espaço de poucos meses, talvez semanas.
Uma das razões que está na origem do acentuar desta crise é a decisão do governo de Cartum de proceder à substituição das organizações humanitárias internacionais que actuam no Darfur – incluindo as agências da ONU – por organizações nacionais. Esta estratégia foi delineada já em 2010, e materializada num documento intitulado “Nova Estratégia para o Darfur”, onde se dá particular relevo à ideia de que o estado de emergência humanitária teria chegado ao fim. Evidentemente não é o caso. Esta falsa premissa, no entanto, cria as bases necessárias para que o governo do Sudão possa proceder à remoção das agências humanitárias internacionais do terreno, o que, por sua vez, irá abrir as portas para que grupos militares do regime ou a ele afectos possam desenvolver uma acção devastadora sobre a população de forma totalmente impune, e com cada vez menor visibilidade internacional.
Note-se agora que um representante do governo declarou publicamente, no passado dia 21 de Agosto, que um dos objectivos de Cartum passa pela remoção de todo o pessoal das agências humanitárias internacionais da região de Darfur. São assim claramente visíveis, por um lado, várias consequências desta decisão, e por outro, as acções tomadas neste sentido, das quais passarei a enumerar apenas uma pequena parte, podendo considerar-se que estes exemplos constituem apenas a fracção de uma acção concertada que tem vindo a tomar proporções catastróficas.
Comecemos pela UNAMID, a Missão da ONU/UA para o Darfur. Torna-se cada vez mais evidente que esta missão se encontra em estado de progressivo colapso, revelando-se incapaz não só de proteger a população civil, mas também a si mesma enquanto missão, como se pode verificar pelo clima de insegurança cada vez maior em que vivem os civis e militares onusianos na região. Os ataques às escoltas da ONU têm vindo a tornar-se cada vez mais frequentes, e o número de mortos entre os capacetes azuis tem aumentado de forma preocupante nas últimas semanas. Mais de 50 soldados perderam a vida em resultado de ataques à UNAMID desde o início do seu mandato em 2008, e entre as vítimas destes ataques, contam-se também 47 mortes de pessoal de agências humanitárias, 139 feridos e 71 raptos.
E no entanto esses números parecem quase irrelevantes face à situação em que vive a população local. Contam-se nos últimos 15 anos mais de 2,000 bombardeamentos aéreos a civis já confirmados, e digo isto sem sequer entrar em especulações quanto ao número real de tais ataques. Mais de 350,000 deslocados internos (IDP) recebem apoio directo da American Refugee Committee só na zona do Darfur do Sul. Imagens de satélite revelam a devastação que resultou de um só ataque numa cidade do Darfur Central, em Abril deste ano, onde mais de 2,800 edifícios foram destruídos, e pelo menos 42 civis perderam a vida. De um conflicto tribal no Darfur do Norte que começou no início deste ano, resultaram quase imediatamente 300,000 novos IDP, muitos dos quais eventualmente cruzaram a fronteira para o Chade onde o apoio a refugiados é praticamente inexistente, e as condições de sobrevivência são ainda mais frágeis do que no Darfur.
Considerando o Sudão em toda a extensão do seu território, estima-se que quase 4,5 milhões de pessoas necessitem de apoio humanitário urgente; 1,4 milhões vivam em campos de refugiados; 1,8 milhões de crianças não possam ir à escola; que os níveis de subnutrição atinjam já os 16% da população; que mais de 5 milhões de pessoas não tenham acesso aos níveis mínimos de higiene.
Números aterradores?
E no entanto aqui estou eu, a poucos quilómetros da fronteira com o Darfur, a beber chá e a fumar cigarros à sombra de uma acácia ressequida, a escrevinhar num pequeno bloco de notas negras previsões de que crise está prestes a entrar numa fase ainda mais devastadora.
E resisto, contrariado, a fazer comparações com a justificação dada pelos Estados Unidos para iniciar uma intervenção em território Sírio.