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A expressão "à política o que é da política, à justiça o que é da justiça", recorrentemente utilizada por António Costa, bem como a frequente recusa de julgamentos morais ou de carácter, não passam de habilidades retóricas a que um PS permeado por casos de corrupção e de duvidosa moralidade tem recorrido nos últimos anos com o objectivo de os afastar do debate político. Estas habilidades têm obtido bons resultados, talvez porque boa parte da oposição não tenha engenho para as denunciar e também porque o temor reverencial de grande parte da comunicação social se encarrega de fazer com que esta as reproduza acriticamente e acabe por criar na opinião pública a percepção de que serão válidas. Ora, na verdade não passam de habilidades retóricas que certas acções do PS, quando no governo, se têm encarregado de demonstrar serem falsas, quer pela interferência na justiça, quer pelos julgamentos de carácter que fazem dos adversários políticos, evidenciando à saciedade a hipocrisia de muitos militantes da agremiação do Largo do Rato.

De resto, nestas coisas, pese embora muitos não hesitem em salientar o duplo processo de judicialização da política e de politização da justiça, cujos contornos não conseguem precisar, a separação de poderes não implica que uma questão não tenha ambas as dimensões e possam ser retiradas consequências nos respectivos domínios. Veja-se, a este respeito, a forma como os poderes estão separados mas fundidos na Constituição dos EUA e como no caso do processo de impeachment de Donald Trump estão em causa consequências políticas para uma acção que poderá também ser alvo de julgamento pelo poder judicial.

Ademais, no que concerne aos julgamentos morais ou de carácter, estes fazem e sempre fizeram parte da política. São, aliás, parte essencial dela, ao contrário do que o Primeiro-ministro nos quer fazer crer, particularmente num país como o nosso, em que se discute muito mais politics, o jogo político-partidário quotidiano, do que policies, as políticas públicas. Dado que o jogo político-partidário é protagonizado por indivíduos, a avaliação do seu carácter é uma componente central da política, especialmente em momentos eleitorais, e é precisamente por o saber que António Costa declara publicamente a sua recusa. Ninguém gosta de tirar uma fotografia em que sabe logo à partida que ficará mal.

publicado às 17:31

A eutanásia não morreu

por Samuel de Paiva Pires, em 29.05.18

 

Lamentavelmente, por parte de muitos opositores à eutanásia, assistimos nos últimos dias a inacreditáveis distorções, homens de palha e falsidades. É frustrante a dificuldade em debater racionalmente e de forma civilizada na esfera pública portuguesa. 

 

Muitos dos opositores da eutanásia querem obrigar doentes em circunstâncias de dor e sofrimento intoleráveis, cuja morte está no seu horizonte próximo, a prolongar a sua agonia. Fazem-no porque, muitos deles, entendem que, estando os próprios ou os seus familiares em idêntica situação, nunca optariam pela antecipação da morte. Por convicção ideológica ou religiosa, por terem meios para suportar cuidados paliativos, que entendem ser a panaceia para quem se encontra em tamanho suplício, ou por questões de consciência, esta é uma escolha que estão aptos a fazer. Ninguém os condena por isso. No entanto, quando lhes é pedido que pensem e reflictam fora da sua esfera individual, no sentido de considerarem outros seres e enquadramentos éticos igualmente merecedores de consideração, não se esforçam para os compreender e demonstram a mais vil das intolerâncias. E, enquanto o fazem, condenam aqueles que vêem na eutanásia um acto de verdadeira e pura bondade, arrogando-se os únicos conhecedores do sentido desta expressão. Como se esta obstinação, a caracterização dos defensores da eutanásia como "nazis", o ecoar de slogans como "pela vida" e "contra a cultura da morte" e arrogarem-se o monopólio do "amor" e da "compaixão" contribuíssem de alguma forma para a elevação deste debate. Ademais, afirmam a existência de uma rede de cuidados paliativos, quando estes escasseiam no Serviço Nacional de Saúde (destaco o número de 376 camas para todo o país), que, assim, acaba por denegar o tratamento de todos os doentes que deles necessitam. Claro está que este não é um problema (pelos vistos, nem sequer uma preocupação) para quem tem possibilidade de recorrer às unidades de cuidados paliativos oferecidas pelo sector privado - onde, diga-se de passagem, devem ser uma área de negócio bastante lucrativa, mas talvez a deputada Isabel Galriça Neto um dia nos possa esclarecer a este respeito.

 

Esperemos que a continuação deste debate o recentre no que é realmente importante, e que, afinal de contas, consiste na possibilidade de alguém, livre, consciente e esclarecidamente, em circunstâncias legalmente delimitadas, poder solicitar o abreviamento do seu sofrimento físico, sem que isso lhe retire qualquer dignidade, sem que daí advenha qualquer ataque aos beatos princípios de quem, ainda que na política seja frequentemente maquiavélico e pouco ou nada católico, prefere ignorar a dura realidade dos serviços de saúde, na área dos cuidados paliativos, em Portugal, bem como, e acima de tudo, negar a possibilidade de alguém poder escolher a eutanásia. 

 

Uma das virtudes da democracia liberal consiste no facto de as maiorias de hoje serem as minorias de amanhã. Felizmente, a questão da eutanásia não morre aqui. Quer beatos, comunistas e deputados permeáveis a certas pressões gostem ou não.

publicado às 23:30

Parece a Escola de Atenas

por Samuel de Paiva Pires, em 26.02.14

Pedro Abrunhosa, Camilo Lourenço, Fernando e João Tordo, Fernando Ribeiro, Pedro Boucherie Mendes, Valter Hugo Mãe, José Luís Peixoto, colunistas do P3, comentadeiros de serviço e os que, por arrasto, se enredam nos debates que estes e outros que tais protagonizam. É só intelectuais de alto gabarito.

publicado às 21:10

Sim, o bacalhau demolhado pensa e intervém

por João Pinto Bastos, em 11.12.13

O Daniel Oliveira fez, muito provavelmente, um pacto com o Diabo, só isso justifica a febre comicieira com que o colunista avençado pelo Dr. Balsemão se tem adornado nas últimas semanas. Hoje é Soares dos Santos, ontem foi Cavaco, e amanhã será, talvez, Bush, ou, quiçá, Salazar. Nada escapa à pluma justicieira do bloquista socratizado. É tudo uma questão de prioridades, como diria o outro. Mas, hoje, Daniel Oliveira conseguiu, mais uma vez, superar-se. Atentem nesta passagem riquíssima de conteúdo: "É que saber vender iogurtes de pedaços, bacalhau demolhado da Noruega e champôs anticaspa não nos dá obrigatoriamente habilitações culturais e políticas fora do comum. Mesmo quando destinamos parte do dinheiro conseguido com a venda de Oreos e rolos Renova ao financiamento de fundações para propaganda ideológica". De feito, vender champôs anticaspa e bacalhau demolhado da Noruega não confere, obrigatoriamente, habilitações culturais e políticas fora do comum, porque, como qualquer leitor medianamente informado sabe ou deveria saber, a cultura é um atributo exclusivo das cabecinhas chiques e pensadoras que pululam em torno dos partidos da esquerda festiva. Seria até um pecado incomensurável admitir a mera possibilidade de a actividade merceeira produzir gente intelectualmente elevada. Já se sabe que, na acepção deste epígono da esquerda moderna, a inteligência não é apanágio do mundo material, do universo da luta de classes, em que o operário secundário e terciário maneja os instrumentos de produção em total conflito com o patrão soba e ganancioso. A cultura pertence às vanguardas, sejam elas as vanguardas leninistas do poder arrebanhado à custa do genocídio colectivo, ou as vanguardas do risco abstracto, com as banalizadas derivações pós-modernas. Mas esta visão comezinha das coisas choca com um ponto inarredável: a inteligência não escolhe cores, idades, raças, e classes, é ampla e universal, e, paradoxo dos paradoxos, é, também, elitista. Sim, elitista, mas num sentido diametralmente oposto ao preconizado pelo omnsciente Oliveira. A inteligência é elitista na medida em que, não escolhendo classes nem idades, acolhe no seu seio as mentes mais brilhantes e meritosas, e, para infortúnio dos infortúnios, nem todos são bafejados à nascença com o brilhantismo do raciocíno e da cultura. Alexandre Soares dos Santos tem, com certeza, os seus defeitos, mas tem uma qualidade que o distingue de muito boa gente que anda por aí a opinar sobre a desgraça portuguesa: é inteligente. Além de ter amealhado uns bons milhões, teve, veja-se só, a supina lata de erigir uma fundação destinada à produção de ideias e pensamento, actividade essa, que em Portugal gera muita urticária em certas luminárias. E não, não é uma fundação para propaganda ideológica, no sentido em que, por exemplo, o preclaro Oliveira a vê. A FFMS, com algumas insuficiências, é certo, tem feito um trabalho muito meritório na discussão aberta e desempoeirada dos grandes gargalos da sociedade portuguesa. E tem-no, sublinhe-se, conseguido. É por isso que o plumitivo do grupo Impresa não suporta Soares dos Santos. Aliás, a esquerda não suporta quem pensa e debate, quem raciocina e questiona fora dos quadrantes ideológicos estatalocráticos tão do agrado das esquerdas hodiernas. Talvez Daniel Oliveira não compreenda nada disso, mas ainda vai a tempo de pensar antes de expelir a quantidade anómala de absurdos que, diariamente, escreve, para gáudio dos que cultivam a ignorância a rodos.



publicado às 17:59

A vociferante matilha do espectáculo

por Samuel de Paiva Pires, em 22.05.13

Grande parte da discussão em torno do episódio Martim-Raquel Varela é um exemplo perfeito de como o debate público em Portugal enferma em larga medida de vários males: estupidez, falácias, histeria e falta de racionalidade. À esquerda e à direita. Estão bem uns para os outros.

publicado às 17:57

Banda sonora para a manifestação de hoje

por Samuel de Paiva Pires, em 02.03.13

Hoje não vou à manifestação. Mas deixo uma sugestão de banda sonora, para deixarmos de enjoar a Grândola, que assenta tão bem a todos os arquitectos da nossa desgraça, deste governo ao anterior e a todos os outros cujos membros colocaram os seus interesses pessoais e dos seus partidos à frente dos interesses nacionais, trazendo-nos à ignóbil situação de protectorado em que nos encontramos. É que talvez seja bem pior que a crise financeira a crise intelectual, moral e política que infecta e corrói a democracia e o debate público.



publicado às 13:13

O Natal dos perdidos

por João Pinto Bastos, em 27.12.12

Após um breve interregno blogueiro, Natal oblige, verifico, com algum pasmo e pesar, que o debate em curso continua a versar sobre o pilantra acoitado pela verve indignada de Nicolau Santos. Compreendo a fúria de muita gente, mas, passado o tempo do choque e da degustação da impostura, que tal deixarmos de dar tempo de antena a Baptista da Silva? Será pedir muito?

publicado às 22:56

Da atmosfera intelectual corrente

por Samuel de Paiva Pires, em 30.10.12

Parece que de há uns anos a esta parte o debate público está dominado pelas oposições entre mais austeridade ou menos austeridade, menos estado ou mais estado, público ou privado. Infelizmente, porém, raramente se discute verdadeiramente o que subjaz a estes conceitos e quantificações, ou seja, não se qualifica aquilo de que se fala, pelo que muitas pessoas acabam a falar para as paredes ou a falar com outras sobre coisas que embora tenham o mesmo nome, podem e têm mesmo entendimentos diferentes e até divergentes. O debate público português (e talvez mesmo o europeu e até o americano) está afunilado e esgotado. Pior que a pobreza económica, só a pobreza intelectual. "Isto dá vontade de morrer", como diria Herculano, ou pelo menos de nos exilarmos voluntariamente como ele. É que como diria Cícero, "Se temos uma biblioteca e um jardim, temos tudo o que precisamos."

publicado às 15:23

Em tempos o Cardeal Manning afirmou que "todas as diferenças de opinião são teológicas no fundo". Eu arrisco-me a dizer que todas as diferenças de opinião são também epistemológicas e metodológicas, pelo que importa sempre religare, ou seja, voltar ao início, para perceber e validar qualquer construção teórica e conclusões posteriores. Não é possível passar da doxa para a episteme quando nos deixamos enredar em manuais de pronto-a-vestir ideológico, servidos como verdades absolutas, sem procurarmos saber quais as bases epistemológicas e metodológicas destes. Compreender isto é a chave para tornar o debate público em qualquer sociedade aberta minimamente racional e inteligível, diminuindo as possibilidades de acrimónia exagerada e expurgando o ruído de que normalmente enferma, que, na política, são essencialmente o resultado da hemiplegia moral de ser de esquerda ou de direita.

publicado às 00:17






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