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Os Europeus têm o péssimo hábito de usar argumentos de antiguidade histórica e tradição sempre que são confrontados com o pragmatismo dos Norte-Americanos. Porque temos 800 anos de história. Porque temos os rituais e os brasões. Porque temos as dinastias. Porque estamos cá há mais tempo. Porque os Americanos são uma amálgama de gente oriunda da mescla europeia. Enfim, um conjunto de patacoadas com pouca utilidade para resolver dilemas. Não esqueçamos o seguinte, para bem e para mal. A Constituição dos Estados Unidos da América (1787) é a primeira do mundo que consubstancia verdadeiramente Democracia na sua forma e na sua substância. Precede a própria Revolução Francesa (1789). Nessa linha de ideias, os americanos poderiam ser sobranceiros em relação ao adolescente Euro - a divisa ainda nem sequer pode conduzir um motociclo ligeiro de 50 c.c. - ainda não fez 16 anos, o dólar Americano tem mais de 200. Um facto curioso que reporta directamente ao processo de construção das comunidades europeias deve ser realçado: o dólar americano precede a Constituição Americana. Ou seja, começou a ser cunhado em 1786, um ano antes do Tratado Constitutivo. O actual turbilhão que a União Europeia enfrenta, deve, por essa razão, servir para levantar algumas questões pertinentes. Uma União Monetária deve preceder uma União Política? E será que efectivamente chegou o momento "We, the People" da Europa? Querem uma verdadeira Federação ou apenas um cartel de poderosos nos centros de decisão da Europa? A Grécia, se for bem aproveitada, pode servir para um profundo processo revisionista das premissas europeias, mas, para tal acontecer, deve saber se purgar dos efeitos nefastos da ideologia, quer de mercado quer de índole política. Ao ver as imagens de milhares de atenienses em frente ao seu parlamento, retenho a ideia de algo maior do que um Referendo, um sim, um não, a continuidade de Tsipras ou a reforma de Juncker. A encruzilhada em que se encontra a Europa também se reporta à ideia de tradição e continuidade, de regresso à "normalidade", quando o que o continente mais necessita é de um novo modelo existencial. As palavras valem o que valem, mas um novo Tratado da União Europeia não seria mal pensado. O default constitucional da Europa salta à vista de um modo flagrante.
Addendum do Prof. Armando Marques Guedes a quem agradeço o "alargamento" do meu texto.
"Vai haver quem não goste de "uma verdadeira Federação"... mas ele há gente em toda a parte que não sabe o que diz. A integração jurídica europeia já é federal. Mas incompletamente, e esse é um dos problemas. Não ter política externa ou política de segurança e defesa é obviamente um preço alto de mais a pagar por pseudo-soberanismos sem quaisquer fundamentos que não os ideológicos.
No princípio do artigo, John, valia a pena empiricamente desmontar a ideia de que, comparada com a Europa, a América é "nova" e "sem história". Há aqui um misto de ignorância e má fé. Os EUA têm todas as histórias europeias dentro, bem como imensas outras, não europeias. logo segundo argumento tem os pés no ar. Baseia-se, apenas, numa ideia de antiguidade e continuidade estadual e nacional que não faz grande sentido. Basta olhar para a ideia de que se trata de um Estado "novo", e comparativamente recente. Ora isto é, factulamente, falso. Os EUA existem desde 1776. Poucos são os Estados europeus com essa provecta idade. A Alemanha data de 1871. A Itália anda por aí. A Polónia, que se foi acendendo e apagando enanto ia mudando de sítio, é de 1920, a Ucrânia de 1921, os três Bálticos ainda mais recentes são, a Noruega data de 1905, a Finlândia dos 1900s, com vais e vens, a Bélgica e a Holanda são recentíssimas comparadas com os EUA, a Sérvia e os Balcãs quase todos são do século XX - finais do século XX, no caso dos 8 ex-ioguslavos e dos 15 ex-URSS, e do século XIX as Grécias, Roménias, e Bulgárias; a Turquia é de 1915, a Áustria de 1919, tal como a Hungria. E não se fale em nações: quase todas estão ainda em processo de construção, veja-se os três maiores, a Alemanha, a França e o Reino Unido. Conversa política de balela. Salvo raras excepções (a Grã-Bretanha, que é de 1707, a França, milenar, Portugal, todos Estados sem grande peso comparativo directo na Europa, se comparados com a recentíssima Alemanha ou com a proverbial Rússia, um império que vai mudando) os Estados europeus são na sua maioria muito, mais mesmo muito, mais recentes do que o é o norte-americano. Gostemos ou não, isto é um facto. A diferença específica dos EUA é que são mais antigos, não o contrário. A especificidade dos EUA é muito melhor vista e interpretável como uma forma de sabedoria dos mais velhos do que como um arremedo de um jovem. O resto são declarações políticas contra-factuais."
Podem agradecer às caixas Multibanco não haver tiros, mortes e sangue nas ruas de Atenas e outras cidades gregas. Se não fossem as ditas caixas, decerto que a fúria da falência iminente transbordaria para outras formas de levantamento - não vai a bem, vai a mal. A tecnologia, já com décadas de existência, está a servir de válvula de escape para milhões de gregos ávidos por lançar a mão às suas poupanças. No entanto, amanhã a história será outra. E no dia seguinte outra ainda. Uma corrida aos bancos não é uma maratona.
Enquanto alguns festejam o 34º e outros se queixam de cargas policiais, aproximamo-nos a passos largos do fim de um outro campeonato. Uma liga onde Portugal disputa o seu futuro. A Grécia está cada vez mais perto de um desfecho dramático. O default grego é uma inevitabilidade. Aquele país praticamente já não tem dinheiro em caixa para pagar as contas. Como vem descrito no artigo do CNBC, resta saber quem irá abater o cavalo (de Tróia). Tsipras já disse que não a um referendo que em última instância aprovaria mais medidas de austeridade. Pelo andar da carruagem não haverá uma entidade externa a empurrar a Grécia para fora do euro. Serão os decisores políticos gregos que carregarão o ónus da falência. E se Tsipras e Varoufakis forem fiéis ao estilo a que nos habituaram, irão vender a tragédia como um sucesso. O governo de Passos Coelho sabe que estes eventos jogam a seu favor. A instabilidade externa promove, sem margem para dúvida, a ideia da necessidade de continuidade. O aventurismo dos socialistas já se está a fazer sentir. As sondagens podem ter valor relativo, mas António Costa já não convence o eleitorado nacional. Iria mais longe até. Comparado com Seguro, não acrescentou nada que se possa ver. Distingue-se do seu antecessor, mas pelos piores motivos. Não pretende a regeneração nem do partido socialista nem da ideologia subjacente. Há portanto semelhanças entre Tsipras e Costa: são ambos teimosos. E provavelmente passarão a ter mais em comum - derrotas políticas. Há outra coisa de que António Costa se esqueceu: já não pode entregar a taça a Luís Filipe Vieira ou a Jorge Jesus nos paços do concelho. É assim. Foi bom enquanto durou.
Hoje apetecia-me escrever um post redux, galvanizado pela recém-largada bojarda de Atenas que diz que diz que diz não à Troika, mas sem recalcitrar além da razoabilidade nos pormenores sangrentos daquilo para que estão guardadas duas gerações de portuguesitos amorfizados.
Façamos a coisa a três tempos - passado, presente e futuro.
No passado, há meros vinte anos, o essencial à subsistência de qualquer lar era produzido em Portugal, e por isso acessível a grande parte das famílias.
Enquanto petiz, os extremos dos meus dias eram passados testemunhando o desenrolar de vidas activas - pessoas a quem, directa ou indirectamente, era dado produzir e participar no circuito de distribuição daquilo que era produzido. E havia lugar para todos, ou pelo menos para os melhores. Era um mix de selecção natural, empreendedorismo, comunidade e família. Respirava-se no quotidiano, com saúde mental, e a venda de antidepressivos e ansiolíticos encontrava-se em mínimos históricos.
Também nesse mesmo passado, o acessório era devidamente enquadrado como tal, e qualquer das gerações então coexistentes sabia como coadunar o seu modo de vida no âmbito do imediato com as aspirações a médio e longo prazo.
As pessoas faziam o que tinham de fazer por si mesmas, sem que para tal fosse imperativa a consignação de quaisquer estipêndios financeiros, autorizações e certificados, ou autocolantes coloridos por parte do Estado. Não consta que houvesse mais ou piores acidentes de trabalho, ou que grassasse a peste bubónica entre os veraneantes na Caparica. Um homem era um homem, uma mulher uma mulher, um aluno aprendia, e a cor da pele de um assaltante (que deixava de ser jovem com a mesma idade dos restantes cidadãos), era legível nos jornais, até mesmo no Público.
Depois foi dito aos portuguesitos, tendo por base a permutação do essencial pelo acessório, que as inúmeras e suculentas prebendas materiais disponíveis nos outros países, os sérios e trabalhadores onde a lucidez e a previdência imperavam, podiam ser suas bastando para tal que ingressassem, de mãos dadas em concupiscência com a classe política (à qual poderiam até pertencer, senhores!, pertencer como os marqueses de antanho) num lento e inexorável suicídio a longuíssimo termo.
Dando ao desbarato os valores, princípios, orientações, instintos e ofícios - afinal, a súmula da Tradição - que fizera de Portugal um país funcional, assim se quis o provincianismo sob uma capa cosmopolita, a boçalidade coberta a casquinha dourada, o chico-espertismo nepótico e tentacular que a tudo e todos emaranhou - dos antros degenerescentes de deseducação neurótica e ignara, aos veros corredores da morte que são hoje os hospitais, da incapacidade policial ao apurado esbulho fiscal - no deslumbramento pago por trinta óbulos da nova moeda comunitária.
Da lama mais vil fizeram-se doutores e engenheiros, e até nulidades impróprias para servir à mesa no Ruanda se viram catapultados para a cúpula da cópula sedeada em Bruxelas. Fim do primeiro acto.
O presente, no nosso país, é como a mole protoplásmica do caldo primevo onde a vida deu os primeiros passos. Vive-se de cabeça bem afogada na turfa mais densa que for possível achar, e foge-se do espelho, a pavor, como se o embate com o próprio reflexo invocasse o ónus vesicante de trinta e nove anos de votos vendidos a troco de migalhas.
É-se crianço anafado em ambiente hermético e isento de traumas (as árvores não que arranham, os professores não que ralham, as notícias não que cansam a cabecinha), como se todo o mundo até à vetustez da meia-idade fosse uma extensão do ventre materno, e a sociedade o líquido amniótico que expia os recalcamentos dos paizinhos, ébrios do conforto a crédito e da homogeneização pelo denominador mais baixo.
A mediocridade dita o cair do pano ao término do penúltimo acto.
E vai ser um futuro simples, resta dizê-lo. A impossibilidade de esmifrar mais sem que suceda algo realmente grave, a saída do euro, ou o Anticristo de Alcochete - cedo ou tarde o recibo cai na mesa com juros e correcção monetária, para quem ainda se lembra do que isto significa.
Vai ser bonito de se ver, agradável, macio, pitoresco, e um regalo para os justos (Mat 5:6) quando o acessório, da noite para o dia, novamente custar dez vezes mais do que hoje, pois que nada cá é produzido e sim tudo importado, usado, descartado e readquirido como se não vivêssemos sob um sistema mais diáfano e frágil que as asas de um beija-flor; e o essencial, com a mesma celeridade, desaparecer das prateleiras, pois que está na natureza do lusitano, uma vez ameaçado, rapar como um sevandija faminto toda a esperança do seu semelhante, só porque sim.
As súcias de instalados dentro e à sombra do Estado, ao debandar perante a quebra da urdidura, deixarão entrever por entre as costuras esgaçadas a real dimensão da Besta que sufrágio após sufrágio cada um de vós, pequenos Judas, ajudou a amamentar, mesmo aqueles cuja "única" culpa é a da complacência para com o estupro das gerações que já se foram, e das que virão.
É todo um novo campeonato: esqueçam o terrorismo de Estado, em Portugal tivemos o terrorismo de Eleitorado. Acaba-se a guita, acaba-se o móbil, reverte-se ao estado de energia mínima. Eu assim por alto atiro para os níveis de vida que tínhamos em 1982, 1983. Por alto.
Estou em crer que o posfácio desta peça há-de entrar para os anais da História, um marco Histórico, como é moda ser propalado pelo aparelho de propaganda que Soares montou, Sócrates aprimorou, e os imberbes de hoje aproveitam.
Acta est Fabula.