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Manhã de Domingo em Brasília. Na Praça dos Três Poderes decorria a cerimónia mensal de troca de bandeira quando acontece isto:
Os dois caças supersónicos Mirage 2000 da Força Aérea Brasileira passaram sobre o Palácio do Planalto (sede da Presidência) e sobre o edifício do Supremo Tribunal Federal, que ficou com a fachada neste estado:
Escusado será dizer que ninguém faz um vôo de exibição a esta velocidade. É claro que os pilotos sabiam perfeitamente que passando a alta velocidade (próxima da barreira do som) o resultado não poderia ser outro. Não foi descuido, foi intencional, tanto que a segunda passagem foi efectuada a uma velocidade mais reduzida. Passar com caças a baixa altitude e a alta velocidade sobre formações inimigas é uma manobra clássica de intimidação pelas forças aéreas.
Dilma Rousseff e os seus andam a mexer num assunto espinhoso: as violações dos Direitos Humanos no tempo da Ditadura Militar. No Brasil e noutros países que passaram pelo mesmo processo de transição, se existe Democracia é porque os militares aceitaram deixar o poder na condição deste assunto ser enterrado e não sofrerem vinganças. Até porque os actuais governantes também beneficiaram de uma amnistia.
Esta foi uma clara advertência das Forças Armadas brasileiras à antiga guerrilheira comunista: há coisas em que é melhor não mexer.
Nem sequer mencionando as mesquinhices do dia a dia que embrutecem uma sociedade exausta e em galopante pauperização, ou as manigâncias que desprestigiam Belém e S. Bento, aqui deixamos umas linhas que o Público hoje fez circular:
"Em 2010, a questão é esta: como é possível pedir aos partidos de uma democracia liberal que festejem uma ditadura terrorista em que reinavam carbonários, vigilantes de vários géneros e a formiga branca" do jacobinismo? Como é possível pedir a uma cultura política assente nos "direitos do homem e do cidadão" que preste homenagem oficial a uma cultura política que perseguia sem escrúpulos uma vasta e indeterminada multidão de "suspeitos" (anarquistas, anarco-sindicalistas, monárquicos, moderados e por aí fora)?"
Pulido Valente usa as próprias palavras da gente do PRP, que escrevendo n'O Mundo, ia dizendo que ..."partidos como o republicano precisam de violência (...) uma perseguição acintosa e clamorosa (para criar) o ambiente indispensável à conquista do poder".
O artigo de opinião de VPV, apenas confirma a impressão que a comissão oficial para as comemorações deixou: o babado elogio da ilegalidade, o cair de joelhos perante a prepotência e a tirania dos golpes de mão. Conhecendo-se a filiação ideológica e partidária dos mentores dos textos e a oculta batuta do conhecido maestro desta orquestra de câmara mortuária, até os mais distraídos compreendem a razão do fascínio. Os postulados d'O Mundo, parecem anacronicamente retirados do jargão leninista, tão do agrado de quem escreve prosas e segue os princípios basilares que orientam a concepção das exposições e brochuras patentes a um público geralmente desinteressado. Nem sequer disfarçam, tal é a grotesca impunidade em que se refastelam.
A culpa deste abuso? É em primeiro lugar, da gente que no topo da hierarquia do sistema, não lê, não se informa, "não quer saber", é preguiçosa e sobretudo, sempre sumamente cobarde, teme as arrogantes investidas de auto-promovidos "intelectuais" de duvidosa proveniência, uma infecta turma de esqueletos que invadiram academias, fundações, ministérios e secretarias de Estado. Ali ditam as suas normas e o pensamento "formatado e aceite". Gente da engorda sem escrúpulos e que tem os homens do regime - Cavaco Silva, José Sócrates, Jaime Gama, Passos Coelho e tantos outros - à sua mercê, conhecedora do seu medo velho de décadas e da complacência perante o dislate.
Como podem Belém e S. Bento brincar à roleta russa?
O deixa andar do laxismo militante, degrada a imagem do Estado e impele uma substancial parte da população, para uma provável louca correria de deserção das hostes de um regime que se pensava consolidado. Sempre exigindo a "escolha popular", os energúmenos não eleitos, abusam da confiança, desrespeitam o próprio posicionamento do Chefe do Estado e do Chefe do Executivo, humilham 80% do Parlamento e abertamente caçoam da população. Apaniguados de grupúsculos de reduzida expressão eleitoral, usam o incomensurável poder da chantagem que intimida e envilece quem a ela subservientemente se sujeita.
Apenas condescende, quem se resigna. Se a cúpula do Estado não manifesta o total repúdio pela passagem de uma mensagem prepotente porque falsa e que atenta aos princípios sobre os quais o regime se ergue, é então a todos indicado, o livre arbítrio e o caminho certo para a desobediência. O tal temido "divórcio" que abre o caminho a todo o tipo de aventuras.
O regime republicano decretou por temor, a falta de respeito, a legitimidade da violência, da mentira e do abuso como norma. Oxalá não tenha tempo para se arrepender.
Como hoje diz Pacheco Pereira, as comemorações oficiais consistem num over-kill.
Soprando vigorosamente as refundidas trombetas de Jericó, o festivaleiro mas pequeno mundo das esquerdas - a antiga do lumpen e a moderna da contestação iconoclasta - previam desde logo a queda da muralha protectora do "sistema capitalista". A reunião do G-20 significaria esse mesmo estertor de um modelo "ultrapassado de exploração e desigualdade", abrindo-se novas vias a um novo ensaio do socialismo real, dito científico.
A esquerda antiga, a dos órfãos das democracias populares vassalas do poder dos blindados da desaparecida URSS, sonha o impossível. Decorridas quase duas décadas desde o desabar do sistema soviético, as condições políticas, sociais e económicas de todos os antigos componentes do Pacto de Varsóvia e do Comecon, estilhaçaram o artificial e gigantesco modelo semi-autárcico que tinha levado o bloco leste à súbita síncope antecipadora da implosão de 1989-91. Os anos 60 e e 70 deram ao mundo uma amostra da transformação do sol soviético numa gigante vermelha que passou à generalizada ofensiva expansionista na Ásia, África e América central, fazendo crer na iminente vitória que lhe fora negada durante as primeiras décadas da guerra fria. A fuga em frente do chamado complexo militar-industrial, cavou a sepultura de uma URSS incapaz de competir com o Ocidente onde as crises, por mais difíceis e de problemática resolução que fossem, encontravam na dinâmica interna das democracias, as soluções que estabilizaram e consolidaram os regimes europeus do período pós-1945. O consumo e a prosperidade - por vezes relativa - que o acompanha, acabaram por se impor como meta a atingir por aqueles que para lá da Cortina de Ferro viviam numa penúria apenas mitigada pela satisfação das necessidades mais básicas. A expansão e o grande alcance dos meios de comunicação social abateram fronteiras, dando a conhecer a todos a possibilidade de uma vida autónoma dos ditames ou caprichos de um Estado dominado por uma escassa minoria de privilegiados de reminiscência medieval.
Considerando o hemisfério norte, os persistentes resquícios do outrora poderoso movimento comunista internacional, não interiorizaram essa evolução que não se cingiu apenas ao acesso a novos bens de produção capitalista. As populações outrora confinadas ao "espaço socialista", viajaram, descobriram um mundo que apenas imaginavam sob o prisma da censura do Partido e dos organismos que o serviam como organizadores da sociedade. A possibilidade de aceder aos bens de consumo torna-se assim inseparável do próprio conceito de democracia e neste aspecto, existe hoje uma maioria que pode adquirir produtos apenas sonhados por aqueles que uma geração antes escutavam em segredo as emissões radiofónicas ocidentais ou aproveitavam as feiras e certames culturais do "inimigo", para conhecer algo do seu estilo de vida. Assim sendo, não se tornará absurdo vaticinar o total fracasso daqueles que vêem no Estado o futuro patrão único da economia e consequentemente instaurando um figurino também único de formatação ideológica e pretensamente representativa. O fatal engano de não querer ver essa imensa massa de novos pequenos proprietários hoje capazes de decidir uma simples transacção imobiliária, o discutível investimento num veículo ou a planificação de férias num solarengo local do além-mar, impossibilita uma realista avaliação das reais possibilidades da conquista do poder através das sobejamente conhecidas "contradições" do sistema em esperada falência. A verdade é que as gentes estão hoje habituadas a discutir, ler, escrever ou criar aquilo que lhes parece ser algo de positivo que enalteça o próprio ego e em reflexo, preencha os desejos de experimentação dos outros. Os povos desabituaram-se da constante presença policial, repressão e inculpação sem formal acusação, despotismo do capricho e à padronização pelo nível mais ínfimo que apenas garantia a subsistência. As sociedades tornaram-se mais exigentes e logo mais democráticas e sofisticadas, tendo hoje ao seu dispor uma jamais cogitada capacidade de comunicação e de acesso à informação quase imediata. O poder central torna-se mais difuso, embora a concentração de dados proporcionada pela informatização do aparelho administrativo, pareça indicar precisamente o contrário. No entanto, a dispersão dos quereres numa miríade de opiniões que não têm necessariamente de se conformar num espaço bandeira ou clube ideológico, impede ou pelo menos tolhe irreparavelmente, o caminho aos aspirantes da ditadura.
O capitalismo ocidental, velho de milénios, jamais deixou de o ser, desde a época das trirremes gregas carregadas de cerâmica e potes de azeite, até às naus portuguesas da primeira globalização de quinhentos. Adaptou-se e evoluiu em célere acompanhamento da conquista do mundo por uma Europa activa, forte na certeza de cada um dos históricos Estados que a compunham e que lenta mas irreversivelmente, permeabilizaram culturas e sociedades antigas, banalizaram lendários impérios celestes e fizeram espalhar as ideologias fundidas no cadinho das várias escolas filosóficas do Velho Continente. Há cem anos, era uma Europa industrial quem inundava de produtos os mercados ultramarinos, invertendo o processo de fornecimento de bens que se afirmara há séculos. Com as máquinas e químicos chegaram os livros, as inovações técnicas da informação, o cinema, uma certa forma de liderar a sociedade e até a moda. Na verdade, de forma mais ou menos matizada, o planeta Terra é um mundo que se rege normalmente pelos princípios gizados e visivelmente impostos por esse já não tão desconhecido ou estranho Ocidente.
Bem ao contrário daquilo que a outra esquerda -, a dita moderna, ao estilo populista de Noam Chomsky e parte envergonhadamente integrante do liberalismo capitalista ocidental - quer fazer crer, o capitalismo é isso mesmo: o poder de adaptação. Se alguns aspectos resultantes da propensão para a ganância - inata urbi et orbi ao homem - conduziram a uma situação de emergência que impõe a regulação do sistema através daquele refinado organismo tacitamente aceite pela esmagadora maioria e que se chama Estado, o capitalismo que garante o progresso pela informação, a inovação pelo estímulo da recompensa social e a tranquilidade da esfera pessoal de cada um, decerto continuará. Pode até dizer-se que provavelmente surgirá depurado daquelas particularidades nefastas que tendiam para o seu descrédito, ou sejam, a especulação sem atender à especificidade de uma dada realidade sócio-económica, a economia virtual dos jogos especulativos, a opacidade do jogo bancário e financeiro, a desorganização da justiça no trabalho ou o lucro como único e derradeiro fim. Estamos num período em que a política deve impor-se, em detrimento do mundo dos negócios. As pessoas habituaram-se à liberdade, seja ela a de circulação, pensamento, expressão ou de afirmação identitária. É decerto previsível a conformação desse "Ocidente", às realidades muito plurais em cada canto do planeta, numa lógica adaptação e respeito pelas diversas Histórias que são tão válidas e respeitadas numa França, Alemanha, Portugal ou Inglaterra, como no Japão, Tailândia, Egipto ou China.
Os próximos anos prenunciam-se difíceis para os sonhadores de modelos políticos que emulam as prestidigitações de outros tempos e desaparecidas realidades. Como se alguém quisesse hoje viver nas aldeias do príncipe Potemkin e muito pior ainda, nos conglomerados betonados de um Nicolae Ceausescu! A verdade é que esse mundo morreu.