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CDS - um partido de ideias, mais do que de pessoas

por Samuel de Paiva Pires, em 02.04.12

Nos últimos dias, o CDS tem andado nos jornais e na Internet por dois motivos, como toda a gente sabe: o voto contra o novo Código do Trabalho de Ribeiro e Castro, por um motivo que apoio em toda a linha, a resistência à eliminação do feriado do 1.º de Dezembro, e a carta de 12 Conselheiros Nacionais que pretendiam ver reafirmados os princípios do partido no que às chamadas “causas fracturantes” (não gosto da terminologia, mas é o que temos para nos fazermos compreender) diz respeito.

 

Deixando de lado considerações e juízos sobre o conteúdo destes dois factos, fico genuinamente contente por assistir aos debates que estes estão a gerar, que significam várias coisas, nomeadamente, que o partido está bem vivo e pujante na sua reflexão ideológica e intelectual, que este é efectivamente um partido que se preocupa mais em discutir ideias do que pessoas, e que está a tornar-se maior, mais representativo do eleitorado, mais transversal à sociedade portuguesa. O facto de existirem divergências ideológicas no seu interior é apenas natural, e será saudável para um partido que se quer cada vez maior saber conviver com a pluralidade que advém de acolher no seu seio três pilares ideológicos que, se têm muitos pontos de convergência, também têm outros de divergência.

 

Mais, não tendo o restante espectro partidário português capacidade para estes debates verdadeiramente importantes e que estão para lá do economês – PSD e PS, como catch-all parties que são, pouco ou nada se preocupam com questões filosóficas e ideológicas, sendo as parcas produções intelectuais no domínio da social-democracia verdadeiramente confrangedoras, e BE e PCP vivem noutra realidade intelectual que economicamente já foi mais do que provada como errada e, do ponto de vista da teoria social, representam exactamente as escolas teóricas de certezas absolutas contrárias ao que poderá sair dos debates internos do CDS –, é com muito agrado que vejo diversas pessoas interessarem-se e debaterem temáticas que são de todo o interesse para o futuro da sociedade portuguesa.

 

E que temáticas são as que estes dois factos levantam? Em primeiro lugar, a questão do mandato livre vs. mandato imperativo, debate em relação ao qual, embora historicamente tenham os defensores do primeiro saído vencedores, importa ressalvar que com a organização de grandes aparelhos partidários ocorreu o fenómeno da frequente imposição de uma restritiva disciplina de voto aos representantes eleitos, sendo a essência do mandato livre subvertida. Na prática, um deputado eleito através de um partido recebe o mandato não dos eleitores mas do partido, que pode punir o representante através da revogação desse mandato quando este ignore a disciplina partidária, que se torna, na verdade, um substituto do mandato imperativo do eleitorado. Daqui, salta logo à vista que é incoerente quem critica Ribeiro e Castro por votar de acordo com a sua consciência (numa questão que devia envergonhar toda a bancada do CDS, diga-se de passagem, se for na realidade “radicalmente patriótica”, como há umas semanas ouvi Telmo Correia dizer que o CDS é) e ao mesmo tempo defende que noutras matérias os deputados possam votar livremente. Assim como é incoerente defender a atitude de Ribeiro e Castro e simultaneamente atacar os que nas tais outras matérias votam de acordo com a sua consciência. O argumento de que há coisas onde a liberdade de voto deve ser dada e outras não, não colhe, porque qualquer critério de verdade que possa definir substantiva e positivamente estas matérias tende a tornar-se absoluto, exclusivo e a ser contraproducente, isto é, afrontando e eventualmente afastando militantes e simpatizantes do CDS. Como é que isto se resolve? Simples, ou se acaba com a liberdade de voto de vez e o CDS se torna num PCP onde impere o centralismo democrático, ou se faz o moralmente correcto que é acabar com a disciplina de voto. E todos sabemos o que isto significa e o que se lhe deve seguir: a reforma do sistema eleitoral, com a introdução de círculos uninominais, desta forma minorando o défice de representatividade de que a democracia portuguesa enferma, tornando os partidos menos caciquistas e os eleitos verdadeiramente representativos dos eleitores e fiscalizados por estes. PS e PSD muito dificilmente avançarão com isto, pois os interesses instalados têm demasiada força, embora frequentemente encomendem estudos e anunciem intenções de o fazer. Se o CDS conseguir colocar novamente este debate na agenda mediática e contribuir para precipitar esta reforma, poderemos assistir a uma excelente evolução do sistema político português.

 

E em segundo lugar, não pretendendo entrar em temáticas nas quais não sou versado, creio que no contexto do racionalismo moderno e do relativismo pós-moderno, a chave para lhes responder filosófica e politicamente se encontra nos três pilares ideológicos do CDS. Porquê? Porque como escrevi noutro post, a modernidade produziu um enquadramento que é altamente destrutivo das tradições intelectuais e morais europeias, que através do racionalismo construtivista e do relativismo produz morais inviáveis, ou seja, sistemas de pensamento moral incapazes de sustentar qualquer ordem social estável, que através de teorizações sociológicas contemporâneas e da corrupção da arquitectura e das artes (como Roger Scruton e John Gray demonstram) criam um clima cultural que é profundamente hostil à tradição e também à sua própria existência. Confrontamo-nos, assim, com uma cultura que tem ódio à sua própria identidade, tornando-se, em larga medida, efémera e provisória. Este quadro deriva essencialmente da inspiração do Projecto Iluminista, à luz do qual os autores modernos e pós-modernos desenvolveram um caos moral, em que o abuso da razão, o objectivismo e o relativismo criaram um ambiente cultural, social e intelectual que é inimigo da tradição. Ao proporem ancorar a moralidade no racionalismo, o positivismo, o cientismo, o historicismo e o cepticismo conduziram naturalmente ao niilismo, construtivismo e planeamento social, e, consequentemente, ao utilitarismo e emotivismo. A rejeição de qualquer tipo de instituição ou código de comportamento que não seja racionalmente justificado parece ser uma característica distintiva da modernidade, e para responder a isto é necessário recorrer às ideias de tradição e evolução, que estão no centro dos pilares ideológicos do CDS. Só apelando a estas e debatendo as questões em causa com abertura de espírito podemos esperar fazer frente ao quadro político e cultural que domina Portugal e o Velho Continente.

 

Por tudo isto, apenas desejo que os debates continuem e que o CDS dê o exemplo aos restantes partidos de como um partido político pode e deve reflectir filosoficamente sobre matérias que nos interessam a todos. 

publicado às 23:40






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