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Da política do dogmatismo

por Samuel de Paiva Pires, em 30.11.13

 

Muitos fervorosos ideólogos seguidores de um qualquer livro de princípios doutrinários que se lhes afiguram quase redentores, ou seja, socorrendo-me de Oakeshott, gente desprovida de educação para o exercício do poder e de intelecto e subtileza para entender a política como uma conversação, afinando pelo diapasão do dogmatismo ideológico, têm, naturalmente, dificuldade - chamemos-lhe assim, para sermos simpáticos - em lidar com a diferença e com opiniões divergentes. Isto tanto ocorre à esquerda, como à direita. Não admira, por isso, que o mais das vezes procurem contrariar opiniões e posições contrárias às suas quase exclusivamente por meio de ataques ad hominem, ou que, quando falamos de grupos, procurem realizar purgas e saneamentos.

 

Parece-me que, na base deste tipo de atitude, está também uma certa preguiça mental e intelectual, que nem cura de ser coerente. Por isso, em vez de se atacar Mário Soares pelas suas ideias, ataca-se pela sua idade, ao mesmo tempo que se enaltece a idade de Adriano Moreira, mesmo quando este toma posições mais próximas de Soares do que dos seus partidários; em vez de se criticar as ideias liberais, ataca-se os liberais apenas porque são liberais - e, como se sabe, o mesmo é dizer neoliberais e, logo, fascistas, plutocratas e afins epítetos -, da mesma forma que em vez de se criticar as ideias comunistas, ataca-se os comunistas apenas porque são comunistas ou os conservadores apenas porque são conservadores; ou, numa modalidade que é cada vez mais um desporto nacional, ataca-se Pacheco Pereira apenas porque é Pacheco, não curando sequer de procurar refutar as suas opiniões.

 

Acresce ainda a este fanatismo a crendice nas ideias do sector ideológico a que se pertence, encaradas como se fossem os Dez Mandamentos que conduzirão à salvação ou à felicidade eterna. No fundo, temos um espaço público composto por barricadas ideológicas e/ou sociológicas de ardentes militantes que nao só não conseguem discutir com aqueles de quem discordam, como não conseguem sequer sair da sua zona de conforto ideológico ou doutrinário. O mesmo é dizer que a política se assemelha cada vez mais ao futebol. E é por isso que, como escrevi há tempos, cada vez menos creio naquela muy liberal ideia de que a razão nasce da discussão. Do debate num espaço público caracterizado pela cacofonia, onde a discussão é quase sempre dominada por surdos que sofrem de hemiplegia moral, nas palavras de Ortega y Gasset, aos gritos uns com os outros, não pode surgir razão alguma. 

publicado às 17:21

G. K. Chesterton, Disparates do Mundo:

 

«Em suma, a fé humana racional tem de ser armar de preconceitos num tempo de preconceitos, da mesma maneira que se armou de lógica num tempo de lógica. Mas a diferença entre estes dois métodos mentais é profunda e inequívoca. O essencial desta diferença é o seguinte: os preconceitos são divergentes, enquanto os credos estão sempre em colisão. Os crentes chocam uns com os outros, enquanto os preconceituosos se afastam uns dos outros. Um credo é uma coisa colectiva, e até os pecados correspondentes são sociáveis. Um preconceito é uma coisa privada, e até a correspondente tolerância é misantrópica. É o que se passa com as divisões que nos separam: não se cruzam. O jornal dos conservadores e o jornal dos radicais não respondem um ao outro: ignoram-se um ao outro. A controvérsia genuína, uma controvérsia séria mantida na presença de um público comum, tornou-se hoje uma coisa muito rara. Porque o homem que a ela se dedica com sinceridade é acima de tudo um bom ouvinte. O verdadeiro entusiasta nunca interrompe: ouve os argumentos do inimigo com a mesma atenção com que um espião ouve as combinações do inimigo. Mas, se o leitor tentar manter uma discussão com um jornal que defenda ideias políticas contrárias às suas, verificará que não há meio termo entre a violência e a fuga; que a única resposta que recebe são insultos ou silêncios. O moderno director está proibido de ter aquele ouvido atento que acompanha a língua honesta. Pode ser surdo e silencioso - e a isso chama-se dignidade; ou ser surdo e ruidoso - e a isso chama-se jornalismo contundente. Em nenhum destes casos há controvérsia porque o objectivo dos actuais combatentes partidários é disparar de fora do alcance do tiro.»

publicado às 13:44






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