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Recordo-me reconfortadamente de quando, na minha pré-adolescência, aderi a um clube de pen-friends. À época, e aqui tratamos de contas simples uma vez que nasci em Abril de 1971, uma carta, que era simultaneamente o meio mais económico e mais eficaz de comunicação a longas distâncias, demorava seis a oito dias para executar a round trip entre Caneças e Oslo, e mais de três semanas se a ponta remota do trajecto ficasse situada além-oceanos.
No decorrer de três anos, correspondi-me com perto de uma centena de jovens, cujas idades gravitavam em torno da minha com um desvio de 3 ou 4 anos para cada lado na recta da vida. Poucas coisas, à parte a leitura de um livro ou o visionamento de um filme, me davam tanta satisfação intelectual como a espera, a antecipação do momento em que, transpostos a três e três, oito lanços dos degraus que mediavam a porta da casa de meus pais e a caixa do correio, a abriria para nela encontrar palavras, expressões, imagens, informação, emoções e a explicação de mundos intangíveis e tão oníricos como Xanadu ou Rivendell.
Algumas dessas pessoas ainda fazem parte da minha vida, graças ao advento das redes sociais. Outras morreram. E ainda outras tornaram-se irrastreáveis, e delas não sei.
Volvidas três décadas, venho confessar-vos que de todas as atrocidades, de todos os atropelos à dignidade humana, entre a miríade de aviltantes degenerescências impostas a este país, uma das piores - senão mesmo a mais vil e soez - foi o assassinato de carácter perpetrado sobre aquela personagem, então ansiada, expectada, tida por Hermes Trismegisto completo com esperança, bonomia e Caduceu: o carteiro.
O carteiro hoje em dia já não entrega missivas da Rachel em Wellington onde vinha contar-me como estava feliz pelo trabalho que havia arranjado para as férias da Páscoa, nem do Timothy em Manchester cujos envelopes mais pareciam sapos inchados, tal era a dilatação do seu bojo repleto de autocolantes, fotografias de concertos, e recortes de bandas das quais por cá, somente dois anos depois se ouviria falar.
O carteiro, nestes dias de depressão e torpor, entrega a morte lenta.
Deposita-a na forma de notificações institucionais, às quais metade da população não consegue compreender, e quase outros tantos reagir, por manifesta falta de meios intelectuais, anímicos, financeiros.
Deposita-a na forma de facturas abusivas, erróneas, repetidas, trocadas e truncadas, perdidas.
Deposita-a sobretudo na forma da ameaça. Há uma aura sobre o carteiro, ora fiel palafreneiro com a espada de Dâmocles na albarda, que é de ameaça, porque deixou de ser possível contar com as únicas três coisas que um Estado, por natureza e por ser pago a expensas da população, tem o Dever maior de cumprir: o apuramento da Verdade, o arbítrio de conflitos, e a protecção dos desprotegidos.
Não havendo literacia, não existe Verdade. A Verdade é aquilo que o mais destro na urdidura da palavra bem entender que ela seja.
Não havendo justiça limpa, célere, impoluta e pragmática, não há arbítrio. Ganha sempre o que tiver o exército maior ou a bomba dissuasora mais temível.
Não havendo correlação entre a realidade da classe política (compadrios e satélites incluídos) e as pessoas normais, não há égide que valha aos que caem nas malhas do erro judiciário, da caderneta predial mal lavrada, da denúncia escarninha porque as galinhas do vizinho são menos fartas que as nossas.
E uns recebem correspondência tranquilos e serenos, sob a redoma que lhes foi permitido erigir, enquanto outros se esforçam para disfarçar o timbre nervoso e a passada trémula até à caixa do correio, para que a família não soçobre ainda mais enquanto tenta manter-se à tona.
Mergitur nec Fluctuat. Até quando, não sei. Sei que o carteiro era, para mim, uma figura arquetipal tão importante como todos os meus outros heróis da infância, desde os bombeiros de Armamar (quem se lembra levante o braço) até ao anónimo de Tian Nan Men.
E agora é a pessoa mais temida em muitos dos círculos onde ainda tenho paciência, vontade e ânimo para mover-me.
Reflecti muito antes de começar a escrever este post.
Nasci numa pequena vila onde era desejável brincar na rua e ganhar anticorpos a tudo - incluindo aos demais habitantes, metade dos quais possuía o seu próprio negócio e chamava útil ao útil, e fútil ao fútil.
Situada num país que não importava vinte marcas diferentes de shampoo para cão, e cuja população se encontrava sã, à data em que o meu tempo era gasto a colher viçosas maçãs, que nunca viriam a ser etiquetadas; a minha terra natal respirava saúde, e exalava aquele tipo de riqueza que os comunistas do PREC jamais viriam a reconhecer: ignorando a adversidade e os eventos à escala menor, cada um fazia pela mudança para melhor mediante actos próprios, sem estender a mão à migalha alheia nem atender a directrizes dimanadas de grémios saramaguenses, vascais e cunhalistas que infestavam a mente e a alma em todas as frequências.
Agora, que já sou pai há quase duas décadas, muito vi, mais fiz e por isso mesmo tenho noção da nossa (minha, vossa, deles, do país, da espécie) pequenez, começam a sobrar-me horas dentro dos anos que escasseiam, e sinto que ao menos desta vez, estarei a cometer uma traição aos meus princípios de coerência, esperança e objectividade se me abstiver de votar nestas eleições que se avizinham.
Porque a minha responsabilidade não se extingue com o término do meu exercício biológico, e algo persiste após o meu eventual sumiço que é preciso acautelar, honrar e prevenir. Talvez por isto eu preferisse ter nascido, e dado ao meu filho a hipótese de ter nascido, numa nação a sério, povoada na sua maioria por pessoas e não por autómatos deslumbráveis, ainda que tal implicasse não nascer numa pequena vila onde a rua ensinasse tanto ou mais do que os adultos. Da mesma forma que preferiria, já que me é imposto um contrato social que não pedi e que não posso unilateralmente denunciar sob pena de encarceramento às mãos do maior tirano de todos, o Estado, poder votar em partidos ditos estrangeiros, e não no menos mau dos medíocres que por cá campeiam. Se assim fosse, o UKIP e Nigel Farage colheriam certamente o meu voto.
Já ouço a turba a carregar mentalmente no botão para mudar de canal, mas concedam-me só mais vinte ou trinta linhas. Isto tem um twist.
A Europa onde vivemos e os problemas que dela fazem um veneno para os nossos filhos podem ser sumarizados em quatro slides.
1. Distopia
imagem: representantes de instituições europeias
Estas pessoas, impantes de si, nunca foram e provavelmente jamais seriam eleitas para os cargos que exercem e pelos quais são regiamente pagos, vivendo como nababos cada vez mais afastados da realidade, passando leis que germinam a partir dos ditames pueris e totalitários a que aderiam em jovens, enquanto cresciam longe da minha vila. O mérito, a honra, e a consequência são conceitos alienígenas para esta gente. Não os quero. Querei-los?
2. Apatia
imagem: festival Eurovisão da canção, 2014
Com o governo de António Guterres deu-se o advento de um socialismo mais basilar, transversal, na sociedade portuguesa. As escolas deixaram de empregar professores com o fito de formar cidadãos produtivos, e passaram a albergar pedagogos, didactas, psicólogos, e uma pluralidade de inúteis sem rumo nem tino cujas duas únicas funções se resumiriam a "igualizar crianças e jovens de valências diferentes num mundo globalizado em mudança", e assegurar que todas as células na folha de Excel enviada a Bruxelas comportariam os valores ""corretos"". Duplas aspas, por causa do acordo ortográfico. Crianças, jovens, e jovens pais adestrados na tabula rasa da igualdade à força resultam em homúnculos apáticos, envelhecidos cedo demais, arrebanháveis com um mínimo de esforço e máxima eficiência energética pelos novos Senhores.
3. Demografia
imagem: contribuinte-modelo conforme proposto pela Comissão Europeia, 2014
imagem: cidadã portuguesa com a sua prole, Lisboa, 2014
Abster-me-ei de sobrecarregar este tópico com comentários, pois retenho ainda um brioso resquício de confiança nos meus conhecimentos de estatística, e segundo estimo a imbecilidade, embora desabrida, ainda não se enraizou tanto que seja preciso escrever quaisquer palavras acerca do massacre planeado em curso que reduzirá Portugal a um deserto silencioso, entaipado e triste antes ainda que os nossos filhos tenham filhos.
4. Terrorismo institucional e destruição sistemática da identidade portuguesa
Exemplo 1, Exemplo 2, Exemplo 3, Exemplo 4, Exemplo 5
De todas as situações acima elencadas, é quase instintivamente imediato perceber o elemento que sobressai: nada disto é normal, nem muito menos necessário, mas vem sendo paulatinamente imposto em complemento à restante anestesia que vim, abusando da vossa paciência, aqui expondo.
Percorremos um longo caminho desde que os nossos bisavós andavam descalços em aldeias minúsculas e remotas, nos enclaves de onde ainda hoje se foge ao escutar o anelo que nos enche o coração de deslumbramento e promessas cintilantes. Mas foi ainda mais extenso, árduo e ameaçador o percurso que fizemos enquanto raça, quando de arborícolas e cavernícolas decidimos sair, sem que para tal pesasse decreto algum oriundo de cima que não a nossa própria Natureza tal como Deus no-la quis dar.
E sair saímos, e aqui chegámos, e a maravilha que é hoje a Humanidade é fruto, não das aspirações arrogantes e desadequadas dos burocratas que elevaram os Estados ao trono que só admite Um ocupante, mas do esforço individual, livre, ousado, e muitas vezes infrutífero, outras tantas glorioso, de cada um. Não de um "nós" artificial e congeminado por mentes retorcidas, não "deles" que brandem a letra da lei com a displicência discricionária de quem nunca conheceu o temor estomacal conexo com decisões de vida ou morte, de riqueza ou pobreza.
O mérito é do indivíduo, desse ente apóstata cuja expressão um Ocidente cada vez mais tíbio e totalitário procura demonizar. Da palavra que deve ser defendida a expensas da nossa própria vida: ego.
Antes que me esqueça. Votarei no partido mais euro-céptico que encontrar, nem que tenha de ser no do doutor Garcia Pereira.
Divirtam-se na praia.