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( No Gerês)
Uma boa parte da tarde dedicada a identificar fotografias antigas, que tirei nos passeios que vou fazendo cá dentro, acatando o avisado critério de Almeida Garrett quando nos assevera que " com este clima, com este ar que Deus nos deu ( ...) o próprio Xavier de Maistre ao menos ia até ao quintal "... ; como quem arquiva as memórias em pequenas gavetas...E lembro um livro de António Manuel Couto Viana: < Coração Arquivista >.... Como escreveu Tomaz de Figueiredo: ' Ah! mundo esmagador das recordações, emendadas umas nas outras, aboiando como de mar sem fundo '... E digo-me: isto está tudo ligado...
* título roubado a saudoso confrade da blogosfera
Vendo-os assim tão pertinho / a Galiza mail’ o Minho / são como dois namorados / que o rio traz separados / quasi desde o nascimento.// Deixal-os, pois, namorar / já que os paes para casar / lhes não dão consentimento ( João Verde ).
( O rio Minho em Valença - Illustração Portugueza - )
" Em João Verde é nos ' Ares da Raya ' que o seu espírito regional se demonstra mais evidentemente. ( ... ) Os seus versos são todos de lisonja sincera para as belezas rústicas da sua terra. No agrado com que canta os pinheirais, o toque das trindades, o rio Minho, o campo-santo, as raparigas minhotas, a viola e a flor-de-linho, vê-se a doce e alegre paisagem do nosso Minho, a Galiza vizinha, namorados eternos que o rio constantemente separa, segundo ele... ( ... ) Só João Verde, à semelhança dos cantares de Rosalia de Castro, nos deixou a alma raiana, às escâncaras, no seu pitoresco impressionante. ( ... ) Joao Verde, pelo perfume nacional e regional que deixou nas suas poesias pela facilidade da sua inspiração fecunda, pelos seus próprios considerandos líricos, ficará na nossa literatura como um dos maiores, senão o maior, dos líricos regionais. Porque o regionalismo em poesia é mais uma prova da natureza lírica, superiormente lírica, dos seus cultivadores " . Manuel Anselmo in Arquivo de Viana do Castelo
" -Chama-o ao telefone o Sr. Prof. Reynaldo dos Santos - disse-me a empregada. - ' Que me quererá o Reynaldo? '- perguntei a mim próprio. Nunca nos tínhamos tefonado. ( ... ). Não lhe ignorava os talentos excepcionais, mas contentava-me de os admirar a distância por falta de tempo e ausência de hábito. Combinado o encontro, Reynaldo propunha-me participar com ele na direcção da revista que a Fundação Gulbenkian lhe confiara - a revista que chamaríamos << Colóquio >> e nos proporcionou uma camaradagem de onze anos. .......................,.... Surpreendente o esforço a que dedicou os últimos anos da sua vida, totalmente consagrados ao estudo e à radicação e generalização do interesse pelo nosso património artístico. Felizmente que lhe foi possível, com o auxílio da sua mulher, ocupar todas as horas em que a doença o não tolhia, a continuar até ao termo a tarefa, assumida como sagrada missão: - legar à nossa terra os três volumes monumentais - Oito Séculos de Arte Portuguesa. " ( Hernâni Cidade, director literário da Colóquio. ) Precisava inventariar os exemplares da Colóquio existentes nas prateleiras paternas, a fim de actualizar a aquisição da revista. E, como sucede frequentemente, a leitura de um excerto prende-me a atenção - paro no volume referente ao já longínquo ano de 1970, e, no número de Maio/Junho leio sobre a morte do que até aí fora o seu director artístico: o Prof. Reynaldo dos Santos. Não consigo conter um sorriso: é que ontem mesmo limpara o pó a esse ' monumento '.
" ... por estes campos verdes (...) senti-me tomado de um tão sereno bem-estar e de uma tal saúde ( ... ) Ahi, aonde? Em que sítio? Qual o nome do lugar? Não o sei, nem isso importa ao caso. É terra portuguesa, são lugares do Minho por onde me criei - e isso basta. " Antero de Figueiredo in Partindo da Terra Parafraseando pessoa conhecida, mais sabor tem uma sopa em Portugal que lagosta no estrangeiro. E quão melhor seria, não tivesse o torrão sido invadido pela corja. * frase roubada ao blogue Casa Portuguesa
e porque as consoantes mudas têm uma função, sim. " Afirma Renan algures que, de hoje a algumas centenas ou milhares de anos, terão completamente desaparecido da memória dos homens todos os livros que actualmente conhecemos, com excepção da Bíblia e talvez das obras de Homero. É possível que a profecia mofina do mais ático escritor francês do século passado, saída da sua pena prestigiosa n'um dia de melancólico desalento, venha a realizar-se, sendo precipitado no fundo sorvedoiro dos tempos todo o vasto repositório do saber humano, desde que o pensamento se materializou na palavra, e a palavra escrita se juntou a outras para formar - o Livro. E, assim como a acção destruidora dos flagelos tem devorado o recheio das mais famosas bibliotecas da antiguidade, tais como a que Osymandias estabeleceu no seu maravilhoso palácio de Tebas, e sobre cuja porta fez gravar a conhecida inscrição " Remédios para a alma ", e a célebre de Alexandria, que Ptolomeu Soter dotou com setecentos mil volumes, pela mesma forma é para recear que, no cumprimento da profecia do mestre, desapareça tudo quanto enche as modernas livrarias... " Conde de Sabugosa
Nascera para escrever como outros nascem para pescar trutas ou caçar borboletas. ( ... ) Desde pequenino, o seu mister secreto consistia em estudar o mundo para depois contar a si mesmo, com palavras suas, o que lhe ouvira. ( ... ) A leitura não só lhe servia de deleite como de repasto espiritual " - O Escritor - Ler, sempre gostei de ler, desde que aprendi a fazê-lo, e esse meu gostar sempre foi incentivado pelo meu Pai: do mesmo modo que é agora o meu, adulto já, gostava de livros infantis, pelo que saíram da sua então pequeníssima estante os primeiros livros que li, antes ainda de recorrer à Biblioteca Itinerante da Gulbenkian. Dizia há tempos. Hoje, é ainda nas estantes paternas que encontro muito do alimento com que sacio o espírito. Como este conto de João de Araújo Correia, escritor de mão cheia, muito nosso, de tão perto se encontrar do povo, ao qual sara as feridas do corpo e que lhe é fonte de inspiração.
Atesta Castilho nas « Escavações Poéticas » ser Francisco Gomes, homem do povo, " saído jamais dos seus montes, um dos mais chapados clássicos ".
Por seu lado, é nos Arcos de Valdevez e na Aldeia de Cima, as suas terras " sentimentais ", que o escritor nortenho, um eterno curioso e amante da nossa Língua, busca, e sempre encontra, matéria para alimento dos sempre presentes caderninhos de capa preta, onde alistava os vocábulos e expressões que o povo acalentava à revelia das academias.
Romanisca ( faceira, gaiteira ) ou regateiras-de-Abril ( chuvadas inesperadas, de pedraço muitas das ocasiões ),são exemplo de vocábulos e expressões que desesperava não achar nos dicionários. Nem no seu fiel Morais.
Da boca da senhora Lucília, ou da Maria Rodrigues, as escutava, quantas vezes ao serão, frente à lareira. Sempre com o pensamento no Dicionário Falado que um dia escreveria. Esse Dicionário a que volto mais uma vez.
o autor da « Enfermaria do Idioma », com a autoridade de quem mostrou, no muito que escreveu, cuidados tamanhos com a Língua da Pátria Grande, vem nesse seu escrito zurzir, em acto premonitório, já se disse, o que houveram por bem designar acordo ortográfico, em dia de falha inspiração; aborto, veio depois a correcção.
Certeiro, quando escreve: " Letras aparentemente ociosas campeiam em qualquer Língua aparentada com o Português. Alguém convencerá o Espanhol a suprimir o d de soledad? Alguém convencerá o Francês a suprimir o t de gilet? Dirá o espanhol que o d lhe abre o a. E o Francês que o t lhe abre o e.
Antes o " gilet " fique sem botões do que sem e aberto - diria o Francês com aborrecida graça, a quem lhe propusesse a supressão do " t ".
Nós, se nos quiserem tirar o c de espectador, somos capazes de concordar. Não diremos que o c abre o que tem às costas, não diremos que é preciso distinguir espectador de espetador, não diremos nada. Nem sequer diremos que o c , em muitos casos, deve subsistir para nos não divorciarmos de civilizações latinas, próximas da nossa civilização. Haja em vista o c de actor e outros. "
Como estava longe, João de Araújo Correia, dos Malaca Casteleiros. Mas previu que eles nos pudessem surgir pela frente. E disse-nos para resistirmos.
Camilo versus Eça: um confronto que só existe na cabeça dos incondicionais de cada um dos escritores. Certo que, genericamente, gosto mais da tão castiça escrita do homem de Seide, mas tenho como obras-primas, indispensáveis, alguns dos livros de Eça: aí estão, nomeadamente, A Ilustre Casa de Ramires ou Os Maias...
Vem tal a propósito de texto lido na Revista Gil Vicente - um excerto do livro « No Saguão do Liberalismo », de Fernando Campos.
" É ponto assente que o romancista da Ilustre Casa de Ramires nunca foi esse desnacionalizador sistemático, apontado às turbas inconscientes por certa crítica leviana.
Acusaram-no de francês, de estrangeirado, de autor rebelde às disciplinas tradicionais da linguagem - que teria maculado por desconhecer os clássicos - e de mau português, que desdenhava a sua terra. ( ... )
Diferente é o parecer de Agostinho de Campos, crítico autorizado da obra queirosiana, o qual sustentava que ' Eça provou que era, ao contrário, portuguesíssimo, num Portugal que abdicara todo da sua velha individualidade nacional ' "
O próprio Eça defendera-se dessa acusação no artigo « O Francesismo », acrescenta Fernando Campos. Com efeito, aí o autor d'A Cidade e as Serras diz que aos homens de 1820 devia Portugal o estar curvado aos ditames que sopravam de França; que embora o assacassem de afrancesado, a verdade é que « em lugar de ser culpado da nossa desnacionalização fui uma das melancholicas obras d'ella », ele que « ainda com sapatinhos de crochet » " começara a respirar a França, e a ver só a França à sua volta."
Este livro, em que nos apresenta um Jacinto cansado do cosmopolitismo parisiense mas também, antes, na Ilustre Casa, um Gonçalo que em tudo faz lembrar Portugal, acabaria de vez com tais calúnias?
" Há cidades, como certas mulheres, que respiram um misterioso fluido de encanto e sedução. Florença, Granada, Veneza, são cidades voluptuosas. Há outras, como certas almas, que possuem o segredo profundo do êxtase. Em Perugia e Assis os olivais e os sinos sonham. Há cidades que cantam, como Nápoles; cidades que dançam, como Sevilha; cidades que choram, como Bruges; cidades fatais, como Viena; cidades que rezam, como Roma.
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Há cidades cujo sono se deixa embalar, como o das crianças; cidades que adormecem cantando, como Coimbra; outras que despertam sorrindo, matinais, mal o sol lhes dá os bons dias, como certas pequenas cidades alegres da montanha, habituadas ainda ao claro tinir dos rebanhos e ao despontar dos cerros. ( ... )
A alma das cidades é sempre uma alma feminina."
Augusto de Castro, « As Mulheres e as Cidades »
Algumas ficaram apenas no sonho; outras foram calcorreadas, palmilhadas, umas poucas até à exaustão - mas sem que nunca tivesse, nenhuma delas, deixado que sentisse, ou sequer lhe vislumbrasse, a alma: essa parece estar defesa aos olhos do visitante comum; reservam-na para quem tem pulsar de poeta.
Na secção dedicada aos livros que por então iam sendo editados, João da Rocha, colaborador da « LÍMIA- Revista mensal ilustrada de letras, ciências e artes », propõe, no nº 8 da Revista, de Maio de 1912, entre outras a leitura do livro que, no ano anterior, dera ao prelo Afonso Lopes Vieira. Livro de poesia, género em que o multifacetado escritor de Leiria se estreara em 1897, com « Para Quê? ».
Nessas " Impressões Pessoais " discorre dest'arte o referido jornalista: " ... Curtas e leves, as poesias das frescas e radiosas « Canções » são como brancas ou irisadas borboletas voejando entre as verduras olorosas dum jardim. Lê-las é amá-las, decorá-las, repeti-las lentamente como quem sorve, a golos inteligentes, um licor precioso, feito de sucos e essências naturais. Há uma sã alegria neste livro ( ... ), e se por vezes a contemplativa melancolia ou a piedosa ternura, como um óleo doce e brando se entorna, se derrama sobre a agudeza e a amargura dos espinhos e das dores, logo um sorriso de alada ironia vem temperar a sensibilidade que se queda e esquece... "
Assim são os versos daquele que, nas palavras de Hipólito Raposo, " foi sagrado Grão-Mestre de Portugalidade.
Profeta e apóstolo descendente de Bandarra, em nenhum outro português contemporâneo mais viveram e latejaram as pulsações do coração da Pátria "
É conhecida a faceta polemista do autor de Eusébio Macário, e ficaram famosas, entre outras, as polémicas que susteve com Silva Pinto, com quem viria a congraçar-se, passando este a nutrir por Camilo uma admiração incondicional.
Ao percorrer, de novo, a estante consagrada ao escritor de Vilarinho da Samardã, fico presa a um pequeno livro escrito por Silva Pinto já depois da morte do Mestre. Livro delicioso. Nele aquela veneração é evidente, como se constata neste saboroso excerto.
" Na Foz do Douro, uma tarde, dizia-me Camillo Castello Branco:
- Que impressão deixou por ahi a polemica com o Alexandre da Conceição?
- A do costume. Ao primeiro terço da refrega lê se o que v. ex.ª escreve e não se dá attenção ao que o seu adversario diz.
Elle teve um certo sorriso glacial, muito seu característico, e logo depois de uns momentos de concentração:
- É o tal caso. Imagine-se que nunca entrei n'essas polemicas sem ser muito provocado. Previ sempre, de cada vez que entrava em fogo, o que realmente vinha a dar-se: uma especie de remorso meu, por ter sido exagerado na lucta. Quer v. que eu lhe diga? O unico adversario que me não deixou remorsos foi o Silva Pinto. Parece -me que não cheguei a dizer lhe tudo quanto v. merecia.
Balbuciei um agradecimento e um protesto. Afigurou-se-me que o leão não tinha a consciencia de quanto valiam as suas garras.
Elle prosseguiu:
- Sempre que um dos novos me agride, ha quem me aconselhe a não fazer caso. Foi assim quando v. me provocou. O Teixeira de Vasconcellos escreveu-me de Lisboa: «Não responda. Este sujeito não guarda o decoro ». E eu respondi ao Teixeira: « Nem eu. Quem melhor as tiver, melhor as joga. »
( ... ). Pela minha parte resolvi não me deixar contundir sem usar de represalias. Os rapazes dão-me; mas eu reajo, como se vê...
Dei lhe razão contra mim proprio - contra o audacioso franganote que em 1874 lhe chamara, nas colunnas da « Actualidade » do Porto: " O chapado ignorante que só serve para escrever descomposturas! ".
Perdoae-nos, Senhor, as nossas dividas... "