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Em 1980, Alvin Toffler publicava o livro A Terceira Vaga, o segundo volume de uma saga iniciada em 1970 com Future Shock, a que se seguiram outros títulos, e mais recentemente Revolutionary Wealth (2006), considerado uma continuação da Terceira Vaga. Em 1980 tinha apenas 10 anos de idade e tive de esperar 5 anos para pegar no livro com olhos de semi-adulto e tentar entender algumas das suas ideias. À época recordo-me que o livro espelhava já um brave new world, a emergência gradual da sociedade de informação que hoje vivemos em pleno, com todas as contradições tecnológica-existenciais que conhecemos. Naqueles tempos da aurora digital, Toffler tinha tido a capacidade de ser ousado no desenho que fez das futuras etapas do desenvolvimento humano. Apenas em 2006 voltei a estabelecer contacto com Toffler, mas nesse período que percorri, deambulei por diferentes autores que avançavam com aquilo que designamos por Grandes Teorias das sociedades humanas. No fundo, são quadros que tendem a simplificar o caos e estabelecer uma ordem conceptual. Outros autores, como Francis Fukuyama e a sua obra O Fim da História e o Último Homem (1992) ou Samuel Huntington e o Choque de Civilizações (1993) oferecem também distintas arquitecturas de explicação do mundo. E eis que chegamos a 2013, a um mundo em convulsão real, um palco intensamente contraditório, que confirma a ineficiência de modelos de execução, pensados academicamente, mas distantes do corpo social onde os impactos se fazem sentir. Nem sequer entro em detalhe sobre a falência dos modelos económicos que ambicionaram a exactidão das ciências, quando deveriam se ter dedicado a outra arte, como procurar entender o homem na sua acepção mais complexa que transcende a riqueza ou o estatuto. As prerrogativas económicas tomaram a dianteira sem olhar para trás, mas sabemos agora que foi um engano, que algo deveria ter contrariado esse fenómeno de esvaziamento. E que algo deve ser feito para redesenhar o quadro conceptual subjacente à construção das nossas sociedades. Para esse efeito, gostaria de chamar à liça Paul Feyerabend (1924-1994), um filosófio Austríaco, que quase paradoxalmente conviveu com os advogados da Escola Austríaca de economia. Uma das suas ideias centrais tem a ver precisamente com as contrariedades do método científico, a sua alegada consistência argumentativa. A forma como a solução nova valida a anterior, mesmo que esta seja deficiente, numa expressão questionável da revolução de paradigmas, explicada, embora de outro modo, por Kuhn. Deixo à consideração dos leitores a investigação que considerem adequada para que formem o vosso próprio juízo. Não é o meu intento leccionar cadeiras sem o vosso assento. Não estou habilitado para tal. O que me traz aqui hoje, neste encadeado de ideias sobre Grandes Teorias, tem a ver com a inevitável aparição de uma panóplia de aplicações cuja soma não perfaz um modelo estável - um simplificador de angústias, um paradigma no sentido clássico em que o definimos há largos anos. Vivemos o momento histórico da desmontagem de premissas, da desconstrução dolorosa de certezas. Estamos a meio do exame que sublinha a vermelho frases inteiras de cadernos ideológicos e doutrinários. Receitas para a existência em sociedade, que formataram o nosso modo de ver o mundo, e a nossa teimosia na oferta das mesmas soluções. Iremos assistir, na minha confusa opinião, a um caldeirão de pertinências, a uma amálgama de resquícios de doutrinas neo-liberais e amostras de receitas marxistas. Todos os termos operativos que cuspimos sobre as mesas redondas, deixaram de significar. Tornáram-se obtusos, quadrados. A simbologia que empregamos já não tem nexo, não conhece a paternidade da sua alma fundadora. A plataforma de mediação, designada por consenso político, nada mais será do que um processo de repetições de tiques de demandas e raras cedências. A clivagem que opõe a riqueza à miséria, não encontrará resposta na Social-Democracia ou na Esquerda tal como as entendemos. Será algo de novo que irá emergir. E é aí que nos encontramos. No núcleo efervescente de lava política, que vai expelindo consternações e pequenas curas. A residência estável de uma grande teoria não acontece de um modo célere. Temos de aprender a viver no dia a dia. Com os restos de considerações ideológicas que se encontram por aí em marés de esperança e depressão. Tem tudo a ver com vagas. Ideias vagas.
Desde que a crise económica e financeira eclodiu em todo o seu negro esplendor em 2008, um processo de revisão do Socialismo tem vindo a ser efectuado aqui e acolá, aos poucos, mas de um modo seguro, sem querer dar muito nas vistas e sem abalar a alma mater da bandeira. Os homens da rosa sabem que a sua sobrevivência ideológica está em causa. Como forma de se eximirem de responsabilidades morais, os socialistas procuram sacudir a água do capote como se não fossem neo-liberais, como se não tivessem apoiado o funcionamento desregulado dos mercados que conduziu a este estado desgraça, como se não estivessem no poder quando as chatices aconteceram. Como se não tivessem transformado a sociedade em algo corporativo com amigos distribuídos por posições de grande inflluência na vida económica e social do país. Temos assistido à utilização intensa de um código sacado de um mapa ideológico que já não faz parte deste mundo. Estes senhores também borraram o fato de macaco do trabalhador e agora afirmam trabalhar na lavandaria de esquina. Porém, independentemente de levantarem a voz e vestirem outra farda, sabem que algo mais profundo está a abalar o significado do Socialismo, e por essa razão se torna urgente aparecer com a cara lavada, cortando com o Socialismo da antiguidade clássica que tantos males trouxe ao bairro dos compadres. A Internacional Socialista encontra-se na Riviera Portuguesa para discutir crescimento sustentável e emprego mas enganou-se no título da conferência. Acho notável que um agrupamento de falhados não aproveite a oportunidade para analisar as causas do desmoronamento. Há um fio condutor que liga as famílias políticas destes senhores ao que está a acontecer na Europa. A declaração de intenções consubstanciada na frase vamos procurar uma saída para a crise, diz tudo sobre ausência de ética e responsabilidade política, e por isso deveria ser editada, em nome da verdade. Substituída por; queremos encontrar a saída para a crise que ajudamos a fabricar, ao que poderiam também acrescentar; não somos socialistas no sentido inaugural da doutrina, somos iguais aos outros neo ou ultra-liberais. Depois há outra dimensão caricata que desconhecia, que não ajuda a promover a ideia de cantina solidária. Não sabia que a sede do PS também é um restaurante. Alguém me pode dizer, se ali no Rato, há uma cozinha secreta? Ou será catering? Será que os cozinhados são preparados na Casa da Comida e trazem tudo em tupperwares lavados? E porque razão o Bloco de Esquerda não foi convidado? Afinal foram eles que lançaram o mote de uma nova corrente de Socialismo. Se fosse eu, teria cuidado com o que está a passar. Assistimos há já algum tempo a deslocações de sentidos políticos que nos baralham por completo. Por vezes as Esquerdas aparecem na ala Direita, as Extremas ao Centro, os que estão por baixo por cima, e tudo isto em defesa de um princípio subjacente à condição política, o acesso ao poder seja qual for o preço a pagar. Paga o contribuinte. Mas restringindo-me ao Socialismo, não me surpreenderia se uma nova doutrina fosse inaugurada como uma novidade de mercado, um perfume para desinfestar e afastar os maus cheiros provocados pelos próprios. Deo-Socialismo, Neo-Socialismo...