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Ainda me lembro e bem, de certa e determinada escola privada em Lisboa nos anos 80 e 90, de ensino secundário "à medida", que face à burrice crónica de alguns alunos, e para desespero dos seus pais, servia de alavanca para o menino e para a menina pelo menos terminarem o liceu, ou até poderem ingressar no ensino superior num curso adequado às ambições limitadas dos discentes. A tal escola não era propriamente barata, mas alegadamente facilitava a coisa a troco de um módico. Vem isto a propósito de rankings de escolas melhores e piores, tabelas de honra e Portugal. Como em tudo, mas sobretudo em distintos domínios de gestão, nomeadamente Parques Públicos Escolares e o catano, onde já houve deslizes políticos e borradas intencionais, convinha que estas LigaNos das escolas fossem sujeitas a escrutínio apertado. Gostava de saber, em abstracto e em concreto, quais as ligações políticas dos agrupamentos, das escolas públicas e privadas a decisores que atribuem meios financeiros e de outra ordem (as legislativas estão à porta). Por outras palavras, seria bom saber por onde escorre o giz do negócio e da putativa vantagem. Associado a este paradigma, existe um conjunto de nuances parasitárias que vive à custa do coiro escolar. A saber; editoras de manuais, empresas de fornecimento de equipamento para as salas de aulas, empresas de transporte de crianças. Enfim, se tudo fosse analisado e processado com a objectividade e o rigor exigidos, provavelmente saltar-nos-iam à vista dislates de ordem diversa. Estes rankings caem assim de repente no nosso colo, mas não sabíamos de nada. Nunca soubemos. E provavelmente não fará diferença alguma. A melhor escola nunca constará da lista, da classificação.
Decididamente António Costa não quer aprender. Diria mais; o primeiro-ministro não pode aprender. A sua vida política, e a amizade que nutre por alguns, não se distinguem. A montante ou a jusante, essa é a premissa que tem marcado a paisagem política do Partido Socialista (PS) - colocar em lugares de governação homens de confiança - uma manada de boys. Mas está enganado. Um amigo, por defeito afectivo, não é capaz de formular uma crítica objectiva, de tecer um juizo a doer. O bom amigo não quer magoar e perde a noção da sua missão por amor à camisola da lealdade. António Costa, ao nomear para ministro da administração interna Cabrita e o compincha Siza Vieira, mais uma vez fere a isenção e a ideia de mérito que devem nortear um país. Não interessam as ligações do advogado da Linklaters a dossiers eventualmente em conflito de interesse com o Estado. Não interessa que provenha da família certa. Não interessa que saiba arquitectar soluções políticas ou não. O que interessa é esse pacto de consanguinidade, o juramento, a prova de fidelidade em nome da grande casa, a loja do Rato. Mas este fenómeno faz parte de uma escala maior, faz parte da matriz de Portugal. Há escassos anos, quando procurava quem me publicasse uma obra, contactei uma editora que faz carreirinha numa casa de publicações universal, e após submeter insistentemente e repetidamente umas meras cinco páginas de amostra do meu manuscrito, por fim lá obtive a resposta. A editora não tinha tempo para ler cinco páginas e, para além do mais, a sua resposta foi, e passo a citar: "primeiro estão os autores da casa". Está tudo dito. É assim que funciona. É assim que morrem 100 pessoas.
A cultura e pseudo-intelectualidade ainda são uma divisa de valor. O povo deve ser reencaminhado. O povo deve ser levado pela mão para o ministério do saber e da presciência. O burro não há-de morrer idiota. A Presidência da República disponibilizou o shopping de Belém para que editores da praça pudessem espalhar a boa palavra. Mas o busilis da questão não reside aí. Um território institucional do Estado foi colocado à disposição de empresas para que estas pudessem exercer a sua actividade e gerar um cash-flow. Houve vendas nos jardins do Palácio de Belém. Houve mais-valias no Palácio de Belém. Houve marketing e publicidade de editoras no Palácio de Belém. Houve lucros no Palácio de Belém. E se amanhã o lobby das farmácias quiser fazer uma mostra e venda promocional de um novo anti-psicótico nesse mesmo jardim? A saúde é tão importante quão a literatura. Um supositório vale tanto quanto uma bela suposição. Qual foi o regime fiscal que prevaleceu na festa do livro? A quem pertence esse domínio público? Agradecia que alguém me esclarecesse. Belém é um offshore ou não?
Não são apenas os colossos financeiros que devem nutrir a nossa desconfiança. Não são apenas os bancos de Wall Street e as agências de rating que devem ser o alvo da nossa preocupação. Vivemos num mundo de fusões e aquisições, de intervenientes cada vez maiores que detêm o controlo sobre o nosso dinheiro, sobre as nossas ideias e sobre as nossas preferências. Sirvo-me do mais recente exemplo de gigantismo que está prestes a subjugar ainda mais o nosso mundo; a fusão das duas maiores agências de publicidade do mundo para se tornarem na maior de todas. Os mercados, e em particular os consumidores, estarão deste modo ainda mais à mercê de uma força irresistível, uma espécie de cartel do champô e da pasta dentífrica. É isso que está em causa num ambiente de défice democrático, onde a força de uma minoria esmaga as aspirações dos pequenos, as liberdades individuais. O mesmo sucede no meio editorial - também estamos sujeitos a uma lavagem, embora neste caso seja mental, cultural. Os principais grupos editoriais do mundo decidem o que os neurónios do resto do mundo devem consumir. Numa sala pejada de executivos, decisões importantes são tomadas para acalmar os ânimos, domar os leitores mais irreverentes - os potenciais destabilizadores de sistemas de poder. São estes grupos de comunicação que formatam o nosso modo de pensar, de reinvindicar. São estes monstros que decidem por nós o que é válido e o que deve ser obviado. Embora os editores se afirmem como intelectualmente independentes, em abono da verdade não passam de agentes de interesses dissimulados em literatura light, parágrafos inofensivos - para não causar muito dano. Nesta época de convulsões, em que apontamos baterias a políticos e banqueiros, seria bom que não perdêssemos a perspectiva, a vista dos actores que jogam no mesmo tabuleiro de controlo e opressão. A liberdade intelectual já não é o que era. O pensamento e a reflexão profundos estão ao serviço do bottomline, do saldo positivo. Estes monstros apenas têm uma coisa pregada na mira da balança; o lucro. A qualidade é um tema secundário, não tem importância, desde que se possam embalar as expectativas cada vez mais baixas de indivíduos levados na incoerência. Uma corrente onde não abunda massa crítica, espessa.
Cada um dos dois volumes de A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos, a obra mais célebre de Karl Popper, recentemente publicada em português, custa 26,90 euros, ou seja, 53,80 euros no total. Em inglês, na Book Depository, uma loja que não cobra os custos de envio, pode-se comprar cada um dos volumes por 17 euros, ou uma edição que inclui os dois volumes num só por 22 euros. Partindo do pressuposto que a esmagadora maioria do público-alvo desta obra também lê em inglês e que cada vez mais se banaliza a encomenda de livros através da Internet, como é que se explica o preço da edição portuguesa? A tradução vale ouro ou trata-se de uma edição em capa dura - com uma capa de ouro, claro - ? E quem fala neste caso, fala noutros. Por exemplo, qualquer edição portuguesa da obra de Tocqueville Da Democracia na América custa cerca de 40 euros, enquanto as edições em inglês ficam por 10 ou 20 euros. Por estas e por outras é que já raramente compro livros em português que não sejam de autores portugueses. Depois queixem-se da falência de editoras nacionais ou que os portugueses têm maus hábitos de leitura...