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Portugal é um inconseguimento permanente

por Samuel de Paiva Pires, em 09.12.20

Hoje, a propósito de três acontecimentos da semana passada, escrevo no Observador sobre alguns traços da cultura nacional. Termino assim:

Em suma, no nosso país imperam a “tudologia”, um debate político pobre, uma crónica incapacidade organizacional e lideranças políticas medíocres. Continuaremos certamente a pensar a cultura portuguesa, a identidade nacional e o nosso declínio em torno de temas como o sebastianismo, o pessimismo ou a saudade, mas a causa principal do nosso atraso estrutural, na esteira do que Nuno Garoupa escreveu há quase três anos, é a infelicidade de termos elites de má qualidade. Como canta Samuel Úria, “Se fosse meritocracia/ Nem serviam para comida de cão”.

publicado às 20:56

The Power Elite

por Samuel de Paiva Pires, em 22.01.19

A malta que está entre o espanto e a indignação por Jaime Gama ter sido convidado por uma empresa de produção de cannabis para o seu Conselho Consultivo só pode andar a dormir. Não deram por o filho, João Taborda da Gama, advogado bastante conhecido na nossa praça, andar há anos a fazer a apologia da utilização da cannabis para fins terapêuticos? Ainda não perceberam o país em que vivemos? 

publicado às 20:56

A respeito de certas elites

por Samuel de Paiva Pires, em 19.02.17

E. M. Oblomov, "Intelligentsia Elegy":

 

If some of Solzhenitsyn’s criticisms sound familiar to American conservatives, it may be because the qualities he despairs of are endemic to educated elites everywhere. Or, it may be because our American intelligentsia has been Russified over the past century. You would think that a free society would give full expression to the intelligentsia’s virtues. Yet, somehow our own intelligentsia, lacking any serious need for moral courage, has managed to concentrate in itself the worst aspects of its Russian cousins: sanctimony without sacrifice; obsession with egalitarian social justice that “paralyzes the love of and interest in truth”; hatred of its own history and the confusion of that hatred with a “passionate ethical impulse”; an exaggerated sense of its own rights and entitlements; contempt for the views of ordinary people; a transparently false, pretentious pose of acting only on the basis of undisputed facts and disinterested principle. If in the Soviet case we see a servile intelligentsia crouching defensively against an all-powerful totalitarian police state, in the United States we see a different dynamic: a powerful, self-assured intelligentsia increasingly at odds with the workings of democracy.

 

(...).

 

The American intelligentsia remains hard to define. A good working definition may be a class of educated people who, like Lewis Carroll’s White Queen, are able to believe as many as six impossible things before breakfast. Here, in no particular order, is a full day’s worth: colleges are hotbeds of rape culture; Cuba has excellent health care; the New York Times has no partisan bias; Islamophobia is a meaningful word; poverty causes crime; poverty causes terrorism; global warming causes terrorism; gender is a social construct; capitalism causes racism; racism causes crime; racism causes poverty; Oceania has always been at war with Eastasia; and so on.


At least in the Soviet case, complicity in a soul-crushing system of official lies was coerced at the point of a bayonet. It is disturbing that, with our intelligentsia, these beliefs are self-inflicted.

 

(também publicado aqui.)

publicado às 12:33

Prof. Cavaco Silva

por João Almeida Amaral, em 08.03.16

Quadro.jpg

 

É extraordinário, que o primeiro Presidente da República pós 25/4 , que não tem raízes nem ramificações com as elites políticas, financeiras ou maçónicas, seja crucificado e ridicularizado pelos que se afirmam representantes das classes trabalhadoras, socialistas, comunistas e extrema esquerda. 

Filho de um humilde empregado de uma bomba de gasolina , (mais tarde pequeno empresário) não fugiu ao cumprimento do serviço militar obrigatório,nem fugiu para Argel como outros,  tirou uma especialização no Reino Unido e chega a Portugal depois do 25/4.Foi fazer a rodagem ao Citroen e ganhou.

Socialmente nada tinha a ver com Sá Carneiro ou Pinto Balsemão, para eles seria sempre um pé descalço.

O pai não era padre, nem a mãe Inglesa. 

Este filho do povo Algarvio é eleito primeiro ministro,com duas maiorias absolutas e Presidente duas vezes a primeira volta.

Mas afinal o que quer esta gente ?

Haja paciência.  

Os cães ladram a caravana passa. 

Cumprimentos Senhor Professor e obrigado. 

publicado às 20:39

Existem muitas e variadas razões que servem para explicar a demise de Portugal, mas a falência de lideranças e da governabilidade de um país tem relação íntima com a capacidade que os membros de uma sociedade têm de interpretar o mundo. A falta de ingestão de ingredientes culturais conduziu a uma espécie de consanguinidade intelectual - anemia crítica. Os parcos conhecimentos que circulam são os mesmos de sempre e não foram refrescados através do acto contínuo e interminável de leitura. A taxa de analfabetismo regrediu nos últimos 40 anos e até houve um concurso televisivo para apurar o uso da língua portuguesa (Sim, foi a Bárbara Guimarães que apresentou o programa, coadjuvada com trabalhos de casa administrados pelo Prof. Carrilho), mas isso não chega. Foi entretenimento de prime-time - mais nada. Por mais torres editoriais de marfim e escritores que nasçam, para gaudio de revistas literárias de elite, a verdade é que se a disseminação maciça da sabedoria não acontece, o futuro de um país torna-se refém da sua insuficiência intelectual. Para acompanhar as bancarrotas financeiras, a verdade vem agora ao de cima para revelar aquilo que muitos já sabiam - o estado da insolvência literária de um país. O Marcelo Rebelo de Sousa que passa os olhos sobre mais de 100 livros por semana, não é exemplo para ninguém. Não existe tal coisa como ler a correr (que é o que ele faz). A leitura é um processo que deve "atrasar" os processos mentais, que deve condicionar o leitor e obrigá-lo a paragens e retornos a diferentes análises em função do mesmo texto, idêntico parágrafo afinal distinto. Houve ao longo das últimas décadas uma festa incessante dos "produtores" de cultura. Tivemos festivais para aqui, capitais da cultura para acolá, mas tudo isso foi desenvolvido para os círculos de "iluminados", amigos e privilegiados que receberam convites para as vernissages. Os eventos mediáticos e cheios de glamour não serviram para apontar a luz da cultura na direcção do espectro alargado da população, daqueles que mais necessitavam. À semelhança de grupos de interesse económico e instituições financeiras que tomaram conta dos meios, houve apostas especulativas e operações de troca, um verdadeiro swap da missão cultural do país. E pode parecer que não há ligação entre tudo isto, mas desenganem-se. Um povo que não detém ferramentas de avaliação e interpretação da realidade, faz más escolhas. Por exemplo, elege representantes do poder político que são o espelho da sua precariedade, da sua ignorância - porque esses não lêem muito mais. Não têm tempo para isso. Estão nas comissões disto e daquilo e a passar os olhos na revista de imprensa para ver se ficaram bem na fotografia.

publicado às 09:58

Pancada de magistrado

por John Wolf, em 20.09.13

Para responder à pergunta colocada pelos magistrados sobre a capacidade dos eleitores para fazerem opções, recomendo alguma calma e a leitura do livro de James Surowiecki - The Wisdom of the Crowds (Why Many Are Smarter Than the Few), mas avanço já com algumas considerações nascidas à flor da pele irritada. A questão formulada pelos magistrados em plena época de desconforto social e político, pode ser interpretada como um desvio ao ideal democrático e pode ser entendida enquanto ofensiva por uma larga camada da população votante. Dizem os magistrados "que existem alguns cidadãos sem cultura suficiente para fazerem opções em eleições", a que podemos responder, taxativamente e com a mesma unidade de medida, que a grande maioria dos políticos não tem ética ou competência (demonstrado ao longo de tantas décadas) para defender os interesses daqueles cidadãos que não têm cultura suficiente para fazerem opções eleitoriais. Estão a ver a pescadinha de rabo na boca desta caldeirada? Existe tanta coisa perigosa nas palavras proferidas que nem sei onde deva começar. O que significa fazer opções eleitorais? Votar num em detrimento de outro? Ou escolher o menor dos males? Referem ainda que a formação política é inexistente ou precária. E quem serão os magníficos reitores da razão cívica e societária (para não usar a expressão "política")? Será nos partidos que se aprende política no seu sentido mais profundo e deontológico, ou será que são meras agências que defendem o interesse de alguns? E qual a alternativa no processo de formação do poder? Pelas palavras magistrais poderemos concluir que através de um passe de mágica, uma espécie de elite fica automaticamente encarregada de pensar pelos outros - um círculo de iluminados que defende os interesses dos iletrados e cidadãos troglóditas. Uma democracia assente no juízo de alguns, mas apenas alguns. E que entidade certifica o cidadão por forma a que ele possa ajuizar e decidir de um modo politicamente correcto? Onde é que colam o selo de aprovação? Na testa? Não sei de onde vem esta febre, mas de certeza que as autárquicas devem estar a dar a volta à cabeça ao juízo, aos juízes. No livro do autor que referi no início deste post, há uma alusão à miragem que tantos acidentes já causou. Surowiecki fala da obsessão pela faixa da rodagem mais rápida na auto-estrada e que a grande maioria dos condutores julga ser a da esquerda. Mas sabem uma coisa? Não é a mais rápida. Mas também não digo qual é. Não é assim que funciona - o que funciona é o resultado agregado de idiotas e génios, náuseas e felicitações.

publicado às 15:50

Os cavalos da Cinemateca

por John Wolf, em 05.09.13

Como tantas outras instituições deste país desgovernado, a Cinemateca também faz parte da idiossincrasia nacional de falências e reis na barriga. A instituição que se encontra com a corda no pescoço tem a obrigação de analisar os fundamentos da sua demise. Muitas das razões que explicam a aflição destes poisos de intelectualidade são endémicas, fazem parte da casa, dos seus modos e do costume enraízado na cultura portuguesa que determina que estas instituições devem ser dirigidas por pensadores e letrados que não percebem patavina de gestão das artes, e que por essa razão se fecham em copas. Vem a propósito este post porque em 2007 estabeleci uma ligação fugaz e infrutífera com a Cinemateca e pude confirmar a sua fraca receptividade a parcerias e novas abordagens. Na qualidade de membro da direcção da Sociedade Hípica Portuguesa, entrei em contacto com Bénard da Costa no sentido de se organizar um ciclo (ia dizer festival, mas eles não gostam do termo, faz lembrar feira) dedicado ao tema "o cavalo e o cinema". Na minha proposta enviada por e-mail concedia toda a superioridade à pessoa de João Bénard da Costa. Seria a Cinemateca a única instituição capaz de definir um conceito profundo alusivo a essa relação especial entre o cinema e o equino. Aliás, o cinema - a captação do movimento -, quase que nasce com o cavalo. Desde a infância do cinema o cavalo tem sido uma constante na malha de narrativas, dramas e comédias. Francis Ford Coppola produziu esse filme estético que serve de referência ao simbolismo clássico vertido para os tempos modernos, para uma nova linguagem - "o Cavalo Negro". Enfim, poderia discorrer sobre outros diaporamos que envolvem Bucéfalo, Alexandre o Grande, My Friend Flicka ou o lendário Secretariat, mas penso que já perceberam a riqueza da minha proposta temática. Refiro-me também a épicos literários que antecedem em muitos casos o próprio advento do cinema, e, nessa medida, o projecto seria uma síntese de distintas disciplinas. O ciclo de cinema que propunha aconteceria nos campos do Jockey Clube, no Campo Grande, ao ar livre com o amparo de um anfiteatro, uma bela bancada a lembrar a Belle Époque. Os filmes seriam sempre antecedidos por uma curta exposição sobre as implicações estéticas ou culturais do visionamento, e seguidos por um período de debate aberto ao público. O casamento entre as duas modalidades não poderia ser mais perfeito. A Sociedade Hípica Portuguesa também tem a sua história de glória e lendas (medalhas olímpicas entre outras) e conta com mais de 100 anos de existência, e foi sempre receptiva a tantas iniciativas excêntricas. No entanto, e apesar do meu entusiasmo, a resposta não tardou em chegar. Bénard da Costa foi categórico:"não cedemos material a terceiros". Para meu espanto, sempre o havia tido como um homem de cultura, capaz de se aventurar em novos ângulos de apreciação de um mesmo espólio de natureza eminentemente dinâmica. Mas não foi esse o caso. A resposta foi intencionalmente concebida para afastar, de uma vez e por todas, quaisquer incursões que pudessem colidir com a missão conservadora da Cinemateca, ou melhor, a sua mentalidade conservadora. Este episódio, sem grande utilidade, serve apenas para demonstrar que uma nova atitude (cultura) deve ser desenvolvida para tirar as elites do atavismo que as define, da sobranceria que não serve o interesse cultural nacional. Tenho imensa pena que não se tenha feito lumiere na cabeça do então director da casa magnânima do cinema. Perdemos todos; os leigos, o cinema e os cavalos.

publicado às 11:01

O carcinoma Cavaco

por João Pinto Bastos, em 25.05.13

Silva Porto, O Guardador de Rebanhos

 

Quando olho para a República, mormente para Cavaco, o representante-mor deste conjunto de instituições e práticas políticas apoucadas pela ridicularia dos oligarquismos, tenho a ligeira sensação de que, mais cedo ou mais tarde, o país desabará estrondosamente, quedando-se inerme sob um amontoado de escombros sem remição. O estado actual do país não aconselha grandes optimismos. Enquanto alguns, mal ou bem, criticam e apontam falhas, outros vão-se dedicando a explorar o ressentimento do povoléu, exacerbando dissídios que não existem. Desafortunadamente, a grande política, o múnus da pólis, deu lugar à fulanização extremada. O debate que vemos e ouvimos todos os dias na televisão, nas rádios e nas redes sociais tem em comum a pessoalização pueril. Esta tendência não é de agora, nem de ontem. A sociedade do espectáculo, que o situacionista Debord tão bem escalpelizou, é um dado adquirido que vem permeando de lés a lés a pós-modernidade de um Ocidente enfraquecido por relativismos esconsos. Cavaco não foge à regra. É, e sempre foi, um péssimo político. Não pelas razões apontadas pela esquerda roufenha dos Soares e companhia limitada, mas sim pela inépcia com que, desde sempre, pautou a sua acção política. Cavaco comunica mal e decide de um modo tacanho. Ademais, não sabe, por norma, avaliar as condicionantes dos diversos momentos políticos, o que faz com que a sua "práxis" política seja orientada em demasia pela revanche pessoal. Com um histórico deste jaez é fácil intuir que o actual chefe de Estado é um ponderoso factor de instabilidade, o que, convenhamos, não augura nada de bom para o futuro do regime. Com uma crise em pleno crescendo, a falta de talante político de Cavaco tornar-se-á progressivamente num carcinoma de difícil extracção. O incidente com Miguel Sousa Tavares - que, repito, teria feito bem melhor figura se tivesse estado calado - revelou, se dúvidas existissem, que Cavaco não tem a "gravitas" necessária para o exercício de um cargo que exige, em primeiríssima mão, prestígio e autoridade. Para mim, e estou certo de que para muitos, esta ausência de predicados não constitui uma surpresa. Para alguém que defende o retorno a um regime monárquico, como é o meu caso, e o da maioria dos convivas deste blogue, a depauperação a que tem sido sujeita a presidência da república é o resultado óbvio de um regime que promove a mediocridade das suas elites. O problema de Portugal começa justamente nesta palavrinha que, amiúde, é mistificada até ao delírio: elites. Sem elites que pensem, estudem, raciocinem e decidam com peso, conta e medida, não sairemos desta modorra peçonhenta que seca tudo o que floresce neste doce cantinho do Atlântico.

publicado às 15:10

As brechas que supurarão

por João Pinto Bastos, em 30.04.13

O José Meireles Graça é das poucas vozes que conheço na blogosfera que tem uma posição semelhante à minha no que tange à problemática do euro. Neste momento, somos, de facto, uma minoria em crescendo, mas ainda assim uma minoria. E em Portugal as minorias são tratadas na lógica do cabresto. É assim que funciona o país dos democratas de cravo na lapela. As elites do regime, bem ou mal, a meu ver, mal, muito mal, ligaram o edifício político e económico da III República à Europa. A história é simples e conhecida de todos. Portugal está amarrado a um destino que manifestamente não domina. Não se sabe como nem quando o país cairá, nem sequer se sobreviverá, mas é certo e sabido que este rumo é horripilantemente destrutivo. A razão principal está na participação politicamente arregimentada num projecto que falhou. Já escrevi bastante sobre isso, escuso, até, de me repetir, porém, gostaria de fazer um breve acrescento, que vem, no fundo, completar o que o José escreveu. De facto, há duas saídas muito simples para a equação do euro: ou Portugal permanece encostado - isto partindo do pressuposto que o edifício não cairá, e que os alemães, holandeses e filandeses estarão dispostos a financiar os desvarios do sul - à Alemanha, cumprindo os compromissos assinados com a troika, e esperando, outrossim, pela ruína anunciada, ou, então, começa a preparar a saída do euro. Não acredito, muito sinceramente, que as elites do regime pensem, ponderem e preparem o segundo cenário. Uma saída, a acontecer, será sempre traumática, espontânea e desordeira. Os indícios presentes apontam para isso. No entanto, seria bom que houvesse um entendimento devidamente consensualizado sobre esta hipótese. Como o José Meireles Graça afirmou, "talvez venhamos, mais cedo do que julgamos, os que contam com a Alemanha para pôr ordem na casa, e os que não querem ordem a preço e prazo incomportáveis, a ficar sem motivo para desentendimento". Talvez esse desentendimento desapareça. Talvez. Mas o preço a pagar por essa delonga será cada vez mais insuportável. E, também, incomportável. O futuro joga-se nisto: ou as elites acordam e debatem uma estratégia do "mal menor", ou serão implacavelmente tragadas pela voragem dos acontecimentos. E quando assim é, nada escapa à ira da Fortuna.  

publicado às 16:32

A fuga à sabedoria convencional

por João Pinto Bastos, em 30.04.13

Quantas vezes as televisões nacionais dão palco aos verdadeiros hermeneutas do presente? Os caríssimos leitores responderão, e bem, que quase nunca. De facto, é raro vislumbrar um arremedo de reflexão nos noticiários das tricas e intrigas dos canais regimentais. É mesmo muito raro. Porém, nem sempre é assim. A edição da semana passada do programa "Olhos nos Olhos" de Henrique Medina Carreira é disso um bom exemplo. Sim, Medina tem dias em que deixa de lado a brejeirice biliosa para se concentrar apenas na fina análise da contemporaneidade nacional. O convidado da semana passada, José Félix Ribeiro, desconhecido de muitos, trouxe um óbvio acrescento à qualidade do debate. Culto, informado e arguto, o ex-funcionário do Departamento de Prospectiva e Planeamento do Ministério da Economia, sabe bem o que diz. E entre as coisas que disse no programa, salientaria três: 1) Portugal deve repensar o seu posicionamento estratégico no seio da arquitectura económica europeia ( a meu ver, essa interpretação implica a saída do euro, mas isso são outros quinhentos), 2) Portugal deve manter boas relações com a Alemanha, 3) Portugal deve retornar ao atlantismo de antanho, isto é, a relação com os EUA deve ser fortalecida. Por fim, e como corolário da sua intervenção, Félix Ribeiro defendeu que Portugal tem forçosamente de procurar "novos amigos", enlaçando este desiderato com os três objectivos mencionados nas alíneas anteriores. Neste blogue, e creio que posso falar no plural dado que não sou o único a defender o retorno a essa matriz política identitária, há muito que se preconiza o regresso ao atlantismo. É certo que, e aqui tenho de fazer uma ressalva, o atlantismo que perfilho não se reduz unicamente ao redireccionamento estratégico para os EUA. Sem embargo, a posição de Félix Ribeiro, ainda que, a meu ver, incompleta, é assaz corajosa. Não é muito corrente ver e ouvir alguém, ainda para mais quando se tem uma Dona Judite ao lado, afirmar que Portugal deve paulatinamente autonomizar-se da Europa, recobrando o vector atlantista. A raridade deste fenómeno tem, pois, o seu quê de surpreendente. As rupturas que se exigem com o presente e o passado financeiramente candongueiros do país levarão necessariamente à discussão em torno das aporias do regime, entre as quais aquela ideia peregrina de que o país só sobreviverá relacionando-se exclusivamente com o hinterland europeu. Conceitos como Europa, euro, solidariedade europeia e modelo social, terão de ser limados, sob pena de a realidade engolir os parcos destroços que ainda sobrenadam na superfície das águas turvas da insolvência colectiva. Félix Ribeiro deu uma achega para o debate. Seria bom que as grandes cabeças que, como ele, conhecem e pensam o Portugal do futuro delineassem, com maior liberdade e audiência, o porvir colectivo. A escolha será nossa.

 

Nota: segue em baixo o link do programa.

http://www.tvi24.iol.pt/programa/4407/77

publicado às 16:03

A desnacionalização invertebrada

por João Pinto Bastos, em 15.12.12

A tese da desnacionalização das elites políticas e económicas aventada, hoje, por Jaime Nogueira Pinto é particularmente interessante. O menosprezo por elementos fundamentais da nossa identidade histórica é assustador e demonstra, outrossim, que o móbil mais marcante da III República, a Europa dos dinheiros e fundos ilimitados, esgotou-se inexoravelmente. O labirinto da saudade voltou para ficar e confundir, sem Europa que nos valha e acuda na aflição generalizada. O regime chegou à ruína no meio de um turbilhão de políticas e conceitos pouco consentâneos com uma ideia mínima de amor à pátria. A mistura de paternalismo estatizante - bem sublimado pelo terror a um suposto neoliberalismo, como ressaltou recentemente Vasco Pulido Valente - com o indiferentismo perante a identidade e independência nacionais, estimulados pela hipnose europeia, conduziram-nos a este beco paralisante. Não direi, como alguns, que a pátria está em perigo, mas, de uma coisa estou certo: sem uma identidade bem definida não conseguiremos sair desta mesmice.

publicado às 16:03

A esquerda dândi

por João Pinto Bastos, em 11.12.12

Quando oiço e leio as boutades de São Boaventura de Sousa Santos recordo-me instantaneamente de Vergílio Ferreira. Dizia o célebre escritor, na sua Conta-Corrente, que a nossa política é composta por "uma gentalha execranda, parlapatona, intriguista, charlatã, exibicionista, fanfarrona, de um empertigamento patarreco — e tocante de candura". Boaventura dispõe destas características em doses superlativas. Fala, trombeteia, esperneia e, no fim, não fica nada. Nem uma simples ideia, uma ideia que seja, vá, legível, compreensível ao comum dos mortais. Que ainda haja gente que pensa que o Estado Social é eterno não é nada que seja particularmente surpreendente. A solidariedade forçada, erigida em modelo universal e universalizante, criou um exército de dependentes que não fazem mais nada a não ser exigir a sucção dos recursos da comunidade em prol de devaneios gastos. O que surpreende é a desfaçatez com que certa intelligentsia, fortemente acolitada no Estado, dispara em todas as direcções, dizendo o indizível. Mas, e como eu não gosto de ser excessivamente crítico, talvez Boaventura tenha razão. Afinal de contas se houvesse alternativa ao Estado Providência o intelectualóide conimbricense não poderia dispor do seu tão querido CES. É que o dandismo da esquerda só se manifesta quando o maná do Leviatã despeja o dinheiro, extraído aos contribuintes, em instituições inúteis e estupidificantes. Talvez seja este o preço a pagar pela existência de uma democracia enviesada por complexos de esquerda.

publicado às 00:26

A balsa dos afogados

por João Pinto Bastos, em 03.10.12
Théodore Géricault, A Balsa da Medusa, 1818-1819

Quando Théodore Géricault apresentou no Salon de Paris a famosa pintura A Balsa da Medusa, já sabia de antemão que a obra iria provocar uma acesa polémica. O tema subjacente a este quadro é a famigerada tragédia que vitimou o navio francês Méduse em 1816. Em certa medida, este acidente foi um exemplo clássico do menoscabo a que sempre foi votado o povoléu pelos estratos superiores da sociedade. A tragédia resumiu-se basicamente à condução desastrada do navio por banda do comandante. Num navio que levava ao todo 560 pessoas apenas 15 sobreviveram. À semelhança do que ocorreu com o navio Costa Concordia, o Méduse foi um típico caso de negligência grosseira, em que a corrupção e depravação humanas atingiram o clímax na pessoa do comandante - um Francesco Schettino do século XIX. Ao inverso do que seria expectável, o comandante preocupou-se, sobretudo, em salvar a própria pele, abandonando à desfortuna o resto da tripulação. O solipsismo das chefias foi de tal monta que, contrariando as mais elementares regras do bom senso, optaram por reservar um triste destino aos restantes passageiros, sem cuidar das funestas consequências que adviriam dessa decisão imponderada. Este affaire representou uma forte machadada na credibilidade de uma monarquia recém-restaurada, em que o espavento político era a regra número um.

A menção a este episódio, brilhantemente condensado nas pinceladas geniais de Géricault, tem como motivo o desnorte que vai grassando nas hostes governativas do país. Se há lição que pode ser retirada do episódio em causa é que a soberba e sobranceria que amiúde tomam conta do poder, são o princípio do fim da bonança. O acidente representado no quadro de Géricault é uma metáfora singela da "húbris" descarnada das elites. O caso português é particularmente paradigmático, basta atentar no facto de o comandante deste navio lusitano, em risco de afundamento definitivo, não se preocupar minimamente com o destino dos seus passageiros e tripulação. Com uma população afogada no terrorismo fiscal e no empobrecimento desabrido, os celerados que nos governam apenas cuidam dos seus ínvios interesses, agindo à revelia de uma noção mínima de equidade. Mas, como o próprio caso Méduse ensinou, o egoísmo exarcebado nunca leva a consequências benfazejas a longo prazo. O Governo pode continuar a fazer uso de argumentos ad terrorem para justificar o inaceitável, contudo, o servilismo não é eterno. As novas medidas de austeridade são mais uma pedrada num charco já de si fétido, mas como escreveu Shakespeare no Acto Primeiro de Otelo, "nem todos podemos ser amos e nem todos os amos podem ser fielmente servidos". A conclusão é fácil de extrair: se esta sanha fiscal suicida continuar, os nossos amos, venais e néscios, correrão o sério risco de deixarem de ser fielmente servidos pelos zelosos e depenados contribuintes.

publicado às 23:39

Ou ainda, como escreve o Professor José Adelino Maltez no Facebook, «O modelo político que as forças vivas geraram chama-se aliança da esquerda moderna com a direita dos interesses, entre a subsidiocracia e a empregomania», aqui fica parte de um excelente editorial de Helena Garrido:

 

«Desde que o país se começou a liberalizar, na segunda metade dos anos 80 do século XX, a teoria prevalecente foi, em parte, semelhante à do Estado Novo. É preciso dar margens elevadas às elites para que acumulem o capital e o saber que fará Portugal prosperar por contágio a todo o resto da economia. Assim se disse. Passou quase um quarto de século e o que boa parte das elites acumularam foram dívidas, que as conduziram – e nos conduziram – ao precipício da falência. Onde não vão cair porque obviamente são a nossa elite, porque são demasiado grandes e demasiado agarrados uns aos outros para falirem, porque a sua queda seria a nossa miséria.

Não foi sempre assim e sempre assim será? Talvez. Então, por favor, que se tenha o pudor de não invocar o mercado e o liberalismo ou, ainda, o génio da gestão. Se há culpas, se há responsabilidades, são das elites económicas e políticas. Que não querem apenas tudo. Praticam a política da terra queimada para todos os que não sejam eles. E nem sequer são capazes de criar valor para eles. Há países onde não é assim. Aqui, também podia não ser. Sinais de esperança? Poucos. »

publicado às 13:05






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