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Para atenuar os efeitos nefastos na mioleira, gerados pela verborreia incessante de políticos em campanha e comentadores de serviço em Portugal, hoje volto-me para outro personagem toldado por manias de grandeza europeia. Macron Bonaparte, que ambiciona ser o lider da Europa, não se inibe de produzir declarações no mínimo inflamatórias e que colocam em risco nações europeias. Ao sugerir a ideia de colocação de soldados de países europeus no teatro de operações da Ucrânia, fala como se já houvesse um consenso militar, como se já existisse um exército da União Europeia, como se a Europa não dependesse da sombrinha protectora dos EUA e por extensão da NATO — e como se a Rússia não existisse. Um lider que produz este género de declarações, esconde algo mais dramático na manga. A França que se encontra a braços com uma revolta agrária, é sobretudo uma sociedade fracturada, dividida e guetizada, fruto da realidade islâmica e de décadas de pilarização. Macron encontra assim um modo de incendiar a casa europeia, uma vez que França representa o maior exemplo na Europa de como a integração falhou. Não me refiro à integração europeia — que também padece de males, mas da sua própria sociedade, da qual os cidadãos mais abastados fogem para encontrar refúgio em Portugal, no bairro agora conhecido por Champs d´Ourique.
Arrisco mais uma vez com palpites sobre o resultado final das eleições presidenciais francesas. O meu track-record recente é deplorável. Enganei-me com o Brexit e estampei-me com Hillary. Ou seja, não ofereço garantias do que quer que seja. No entanto, avanço com alguns cenários conceptuais, com um modelo operativo ideológico questionável. Assumindo a vitória final de Macron devemos levar em conta o seguinte. O Emanuel tem de cantar uma parte da cantiga pop. Afinal foi mais de 20% do eleitorado que escolheu Le Pen nesta primeira ronda, e nessa medida, como em semelhante medida de um choroso socialista Fillon, Macron terá de acomodar vontades e desejos que não os seus. Nesse terreno alegadamente amorfo de centralidades ideológicas, se Macron for de facto o próximo presidente, terá de incluir uma parte da agenda patriótica de Le Pen, outra parte socialista-tributária-penalizadora de Fillon, e agradar ao firmamento financeiro de onde provém, onde fez escola na banca de investimento. O pilar de desmontagem da globalização de que se serve Le Pen não é totalmente descabido. Afinal, foi em nome da eficiência produtiva que a mesma avançou e simultaneamente cavou o fosso largo de justiça económica e social, entre abastados e nem por isso. Nesta panóplia de considerações a ter em conta, Macron formará a sua presidência numa espécie de geringonça atípica, ou, traindo os intentos enunciados, e nesta ante-câmara de derradeira campanha política, assumindo sem pudor o espaço ocupado por Le Pen. Os socorristas Fillon ou Hamon, ao fazerem-se ao piso de Macron, servem duas causas; por um lado procuram derrotar Le Pen, e por outro lado entusiasmam-se com a possibilidade de serem recrutados politicamente. Em todo o caso, devemos levar em conta que as ocorrências francesas determinarão novas ordens. No plano doméstico da nação gaulesa, mas sobretudo ao nível da arqueologia da União Europeia (UE) que ainda vive a ilusão das grandes famílias políticas europeias. Embora se sirvam com saudosismo de grandes chavões de referência e figuras abstractas, a verdade é que muitos terão de mudar de chip rapidamente. Portugal, mas sobretudo os socialistas cá do burgo, em vésperas de comemoração democrática-revolucionária, terão de encontrar figuras de referência no algo decadente quadro socialista pan-europeu - os socialistas franceses não estão disponíveis, não servem para grandes ideários. Não esqueçamos que existem muitos que desejam a eutanásia da UE, o desfalecimento endémico do projecto. Encontramo-nos sem dúvida num momento chave da história da Europa. Mas tardamos em encontrar a porta certa neste labirinto de possibilidades.