Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
O Fernando Tordo decidiu, aos 65 anos, partir para o Brasil, onde irá, de acordo com as fontes noticiosas, dinamizar um espaço cultural no Recife. Diria que não há nada de errado nisto, exceptuando o facto de fazerem do acontecimento uma efeméride, apesar do vácuo noticioso a tanto nos ter já habituado.
Esperem, que isto afinal não é bem assim. Decidiu-se metamorfosear este momento num outro. Vejamos:
Fernando Tordo alega, em directo, no momento do seu lânguido farewell, que Portugal não é suportável, que não está triste com ninguém, mas que este país, que agora deixa, não lhe dá oportunidades. Retorquindo à questão que lhe foi colocada pela jornalista, em que lhe foi perguntado, em tom algo jocoso, se seguia o conselho de Passos Coelho, Tordo demonstra o desdém que tem por PPC dizendo que este não tem tamanho para dar conselhos a ninguém, que é muito pequeno. Certo.
Afinal, aquilo é isto. Só que não. Não é.
O Vítor Cunha, do Blásfémias, revelou que a empresa em que Fernando Tordo é sócio-gerente recebeu, desde 2008, mais de 200 mil euros, 10 mil euros dos quais este ano, pela produção de vários espectáculos. Também não me parece que haja nada de errado nisto, exceptuado o facto de todos os espectáculos terem sido objecto de ajustes directos por parte das entidades adjudicantes.
Tordo explica que deu emprego a 26 músicos, técnicos de luz e som e que, do total das adjudicações directas feitas à sua empresa, recebeu apenas 10%.
Acrescento ainda que Tordo voou para o Brasil mas voltará em Abril, altura em que actuará, a dia 25, num espectáculo no Centro Cultural do Alto Minho, em Viana do Castelo.
Très bien. E agora? Agora fazemos um breve rewind.
Tordo, prenhe de auto-comiseração, diz que não tem oportunidades em Portugal.
Ora, a mim parece-me que Tordo beneficia de uma posição supra-legal, indevidamente conferida pelas entidades com as quais contratou, em que o cumprimento da lei e dos procedimentos pré-contratuais necessários parecem ser um óbice ao desenvolvimento da sua actividade. Ademais, não dá para tolerar a desfaçatez, a impudência e a falta de gratidão de um indivíduo que tanto deve ao país que agora deixa.
Fernando Tordo não é um coitadinho. Tordo parece-me ser um biltre mas, hoje, todos dele se compadecem.
Voltemos à arena mediática:
A Carta ao Pai , publicada no Público. Compreendo que cause comoção a alguns o desabafo do filho de Tordo, um escritor, que entendeu ser necessário defensar a honra do seu pai publicamente, após ter lido no facebook comentários desagradáveis acerca da ida deste para o Brasil mas, porra, a sério? Poupem-me. Se, de facto, como diz o filho: "Tudo isto são coisas pessoais que não interessam a ninguém, excepto à família do senhor Tordo” por que raio escreve uma carta pública? Quando quero falar com o meu pai, dar-lhe força e transmitir apoio eu telefono-lhe ou vou lá a casa. Que raio de empáfia é esta?
Já para não falar da soberba do tipo, que escreve, e passo a citar: "Pouco importa quem é o homem; isso fica reservado para a intimidade de quem o conhece. Eu conheço-o: é um tipo simpático e cheio de humor, que está bem com a vida e que, ontem, partiu com uma mala às costas e uma guitarra na mão, aos 65 anos, cansado deste país onde, mais cedo do que tarde, aqueles que o mandam para Cuba, a Coreia do Norte ou limpar WC e cozinhas encontrarão, finalmente, a terra prometida: um lugar onde nada restará senão os reality shows da televisão, as telenovelas e a vergonha."
"Uma mala às costas e uma guitarra na mão". Coitado do pobre senhor Tordo. Abandona o país ciente de que tem de se libertar dos grilhões desta governação, sente-se explorado, cansado, deu tanto a Portugal e recebe apenas 200 euros de pensão. É triste, muito triste. Só que eu e vocês sabemos que não é bem assim. Mas há de ter soado bem e há que deixar o escritor escrever. Deixar o artista expressar-se.
João Tordo tenta ainda um breve diagnóstico político-social e conclui que a geração do pai tudo fez para construir um país melhor para os filhos e netos e que a classe política governante "fez tudo para dar cabo deste país. Não posso comentar isto agora. Sim, é melhor não. Avante.
Fernando Tordo replica, no facebook, ao filho, dizendo: "Não entristeças, João".
Os Tordos querem dar a esta viagem um sabor de coup de grâce ou torná-la num manifesto mas a tentativa falhou. Falhou, senhores.
Não quero, de todo, com este texto, descredibilizar a análise feita por Fernando Tordo. De facto, Portugal está insuportável, mas não é para ele. Portugal tem uma classe política que se vê, quer-me parecer, obrigada a injectar esperança nos portugueses, mormente por via dos indicadores macroeconómicos e das análises feitas pelos especialistas e artigos no Financial Times, porque sabe perfeitamente que os efeitos desses sinais positivos na economia real e no consumo só se darão sabe-se lá quando. Bem sei que Portugal está na ruína. A minha geração nasceu com dívidas e morrerá com elas devido à geração do senhor que se diz agora sem oportunidades.
A si, senhor Tordo, desejo-lhe a felicidade mas não me compadeço. Não posso admirar-lhe a coragem porque a geração dos seus filhos, que é a minha, é uma geração sem oportunidades, em que a resiliência e a coragem são nossos apelidos, graças a si e aos seus.
Senhor Tordo, não ter oportunidades é começar por não ter dinheiro para pagar senhas de almoço na escola primária; não ter oportunidades é não ter dinheiro para pagar uma licenciatura; não ter oportunidades é não ter possibilidade de contrair um empréstimo bancário para concluir os cursos, porque os bancos agem de sobreaviso e está declarado o fim da era do “crédito barato”; não ter oportunidades é, concluída com suor uma licenciatura, não ter emprego; não ter oportunidades é não poder formar uma geração vindoura; não ter oportunidades é ter medo de ter filhos e assistir ao envelhecimento progressivo da população; não ter oportunidades é viver em casa dos pais até aos 40 anos; não ter oportunidades é fazer contas aos descontos para a Segurança Social que perceber que daqui a 20 anos a palavra reforma é coisa do passado; não ter oportunidades é não poder pagar o passe; não ter oportunidades é comer pão com pão durante semanas.
A sua geração, senhor, rebentou-nos as costuras e, agora, estamos como vê, numa situação tão decrépita que fazemos notícia, na nossa televisão pública, da história de um cagão que faz milhares de euros em Portugal, em espectáculos, ao arrepio da lei e decide ir para o Brasil dinamizar um espaço cultural e se dá ao luxo de dizer que Portugal não lhe dá oportunidades.
Adeus, tristeza, até depois.
Olharei para 2013 por cima do ombro - "Que queres de mim? Conheço-te?"
Não sei o que dizer deste ano, é uma grande mancha, uma nódoa de fronteira irregular.
Os picos de felicidade que vivi facilmente se dissolvem quando integrados no contexto geral. E foi, no geral, um ano terrível.
É impossível saborear uma vitória pessoal, o sucesso, quando à volta reina a confusão, a pobreza, a revolta silenciada, o desespero resignado, a ignorância, o embrutecimento. Quando ligamos a TV chovem disparates. Quando abrimos o jornal salta à vista propaganda e mentiras. Desinformação e superficialidade, um chorrilho de meias-verdades e clichés. Que nojo!
Olhamos para o mundo e há países a saírem-se tão bem e outros, tão mal. Por ignorância, por pura ignorância bruta.
Todos os dias que passaram vi ser-me roubada uma parte do meu salário, uma parte da minha liberdade, uma parte da minha energia, uma parte da minha ambição, uma parte dos meus sonhos. Que futuro? Que futuro, quando todos partem?! Para quem ando eu, afinal, a trabalhar? Dizem-me que o que me retiram da boca é para o estado social… Pergunto: que "social"? Que social?! Não há social nenhum aqui, há emigração em massa, há desagregação, há separação, há destruição. E velhice, muita. Fiquei também por eles, pelos velhos - que será deles se todos, os novos, partirmos? Portugal, esse lar à beira-mar plantado. É bem sabido que este país não é para novos, nem para ninguém que tenha sangue vivo na guelra! Mas também é verdade que é hostil para os velhos, pelo menos, para alguns velhos, os reformados, principalmente aqueles reformados de uma vida de trabalho "privado". Ficou claro ao longo deste ano que há velhos de primeira e velhos de quinta. Os de quinta, quem se importa com eles?
"Concentra-te no presente pois é tudo o que há." Repeti vezes sem conta o mantra sábio, em surdina, como auto-lavagem cerebral. Meditei. Não chegou. Caminhei. Não chegou. Vagueei, deambulei, abandonei-me. Não chegou. Corri. Corri ainda mais. Corri tanto que fugi! Fugi muito este ano que passou, não fiz outra coisa que não fosse fugir, para a frente, sempre para a frente, um dia de cada vez, na impossibilidade de serem dois. Rápido!
Tive saúde, é verdade, e agradeço. Afinal, aquela coisa de que me ria "a saudinha, para si e para os seus!" é a melhor coisa que me podem desejar - faz sentido e dou por mim a desejar "saúde!" aos que amo: digo-o com autenticidade, com solenidade, olhos-nos-olhos.
2013… o ano da confusão, da dissolução. Pela primeira vez, que me lembre, não soube o que pensar, fiquei baralhada várias vezes, a clareza lendária do meu raciocínio deu o tilt em várias situações. Na impossibilidade de raciocinar, vociferei:
"Está tudo louco!"
"Perdeu-se a vergonha na cara!" - que provavelmente nunca se teve…
"Perdeu-se a razão!"
"Perdeu-se a noção do ridículo!"
"Eu desisto."
E fugi novamente, desliguei, não quis saber. Não adianta, para quê saber? Saber é sofrer.
Tenho consciência que estamos a viver um período de transição e por isso é normal estarmos enterrados até ao pescoço nesta lama. Esta lama é "normal".
O meu desejo para os próximos anos é que se saia desta lama e se pise terreno fértil. O meu receio é que o país saia da lama para pisar o deserto. E com a quantidade de gente destrutiva, ignorante e egoísta que este país tem em lugares de poder algo me diz que após a lama virá a areia. Será necessário uma grande mudança de mentalidade dos governantes e dos cidadãos para que ideias novas possam florescer neste terreno agora lamacento. Que sejam deitadas à terra as sementes da mudança e que se protejam os rebentos novos das pragas e parasitas, desses predadores que vivem da estagnação, da confusão e da destruição. Que se regenere esta terra para que um dia possamos reaver aqueles que agora partem rumo a países amigos de ideias boas, países que os abraçam e lhes enchem os corações de esperança e os olhos, de futuro. Um dia esse país será Portugal. Tem de ser!
Vai-te embora 2013 e leva contigo os que te tornaram tão desprezível.
Deve ter sido Cavaco Silva, co-adjuvado por um servente, que teve a magnífica ideia de baptizar o certame de "Conselho da Diáspora Portuguesa". Será que não sabe a origem do termo? A Diáspora é uma daquelas expressões reservada para a singularidade negativa da história. A Diáspora tem a ver com a fuga perpetrada por indíviduos que nunca chegaram a ser bem-vindos nas comunidades em que se encontravam. Os judeus que escaparam ao churrasco da Inquisição, que foram expulsos ou que fugiram a sete pés de Portugal, corporizam a própria definição de Diáspora. É de um extremo mau gosto semântico e cultural, associar este encontro de campeões portugueses ao conceito de Diáspora. Os 30 eleitos para promover Portugal no mundo, que eu saiba, não foram perseguidos por motivos religiosos ou étnicos. Saíram de Portugal de um modo confortável para ocupar lugares de destaque, por mérito próprio, ou, quem sabe, por terem conhecimentos na rede de influência internacional da área dos negócios, da academia ou dos media. Estes embaixadores já têm a cama feita, e não percebo, que a toque de caixa, agora repitam o chavão de John Fitzgerald Kennedy -"ask not what my country can do for me but what I can do for my country'" (não perguntes o que o país pode fazer por ti, mas o que podes fazer pelo país). Os trinta magníficos apresentam-se como perfeitos entendedores da angústia da mala de cartão, mas aos olhos dos portugueses a caminho do banlieu, são privilegiados com laivos de misericórdia, com a necessidade de ficarem bem na fotografia para o caso de alguém perguntar: onde estavas quando Portugal ruiu? Eu? Então não sabes? Sou um dos eleitos - um dos conselheiros da Diáspora. Minhas senhoras e meus senhores, a Diáspora não é algo com que se brinque de ânimo leve. Está intimamente ligada ao conceito de genocídio, limpeza étnica, perseguição e exclusão discriminatória numa sociedade. Seria tão bom que antes de brincarem aos "justos e bons", percebessem que mexem com consciências e fantasmas históricos que não podem ser evocados desta forma boçal. Estes embaixadores nunca seriam os escolhidos para representar a memória da verdadeira diáspora, quanto mais para representar os milhares de portugueses que estão de partida da Portela em busca de melhores dias. Um pouco de bom-senso e cultura seriam mais que bem-vindos nesta ocasião, mas isso seria esperar muito de uma pequena casa situada em Belém.
No Sábado passado, fui levar ao aeroporto uma querida família, sangue do meu sangue, para um inédito Natal em Londres, junto do rebento que emigrou. A Gare estava a rebentar pelas costuras, especialmente os voos da Ryanair, mas não só.
Pensei na maravilhosa mobilidade portuguesa, hoje mais sofisticada e mais "móvel. Uma desgraça? Não inteiramente. Um alívio e a primeira confirmação dos tempos globais que ou enfrentamos ou enfrentamos. Tanta gente, meu Deus!
Mesmo que não quisesse, não deixei de meditar nisto, na nossa Emigração de Enfermeiros, Engenheiros, Professores, Arquitectos, Informáticos, Picheleiros... E isto é amargo como um Xarope Emocional. Amargo e Doce porque os que se firmam e têm trabalho por essa Europa e esse Mundo têm mais trabalho e mais carreira que alguma vez teriam cá, provavelmente em Países que se dão ao respeito na Justiça, na Civilidade e numa estimulante retribuição.
Doce e Amargo pela distância dos corações nos nossos corpos apenas mais próximos graças ao platonismo do Facebook, que nunca suprirá Abraços e Beijos em Carne e Osso, tudo em que se resume a Espécie Humana e faz com que valha a pena.
Alberto Gonçalves é um dos melhores cronistas portugueses, e a sua coluna de Domingo é de leitura indispensável. Mas há semanas em que está particularmente inspirado, ainda mais que o habitual. Esta é uma delas. Ide ler, do princípio ao fim, que vale bem a pena. Aqui fica parte da crónica, "As casas dos imigrantes":
«É curioso que o mesmo Governo que exorta os indígenas a emigrarem para fora daqui tente convencer estrangeiros a imigrarem aqui para dentro. É engraçado que o mesmo Governo que tenta angariar uns trocos na receita à custa dos indígenas gaste 828 mil euros (alguns media falaram, impávidos, em 828 milhões) a vender imobiliário a estrangeiros. É hilariante que o mesmo Governo que esfola os indígenas através do fisco prometa a estrangeiros benesses fiscais e um IRS competitivo.
Se ainda não têm vontade de rir, eu explico: o Governo quer atrair em definitivo para dentro das fronteiras cidadãos que incompreensivelmente vivem além delas, sobretudo reformados do norte da Europa. O raciocínio do ministério da Economia é inatacável. Se muitos suecos, holandeses, alemães e, pelos vistos, russos torram as poupanças na aquisição de residências permanentes ou estivais em Espanha, França e Itália, nada impede que procedam de modo similar em Portugal, que possui sol, comida decente e, já agora, "6 mil a 10 mil" casas prontas a negociar no mercado de turismo residencial, das quais se espera comercializar 10%. O único contratempo era, como sempre, a escassa divulgação do país no exterior, apesar das recorrentes campanhas de divulgação do país no exterior. A solução? Uma campanha de divulgação do país no exterior.
Sou incapaz de prever o sucesso da iniciativa, mas afianço imediatamente um facto: o nosso Governo é decerto dos menos xenófobos que alguma vez existiram. A tendência histórica e contemporânea da maioria dos países é para repelir forasteiros. Enquanto repele os locais, o Executivo do dr. Passos Coelho optou pela hospitalidade da Holanda seiscentista ou da América dos inícios do séc. XX e desunha-se para aliciar quem vem de longe. Não sendo um apelo tão nobre quanto o "Dai-me os vossos fatigados, os vossos pobres" de Emma Lazarus, a descendente de judeus portugueses cujos versos foram gravados no pedestal da Estátua da Liberdade, o "Dai-me os vossos abastados escandinavos" também é digno de louvor. Caso corra bem, em breve estaremos ricos. Se, o que é pouco provável, estivermos cá.»
A Dora e o Raul foram deixar a filha no aeroporto. O Alfredo e a Catarina foram deixar o mais velho no aeroporto. A Guida e o André foram levar o primogénito ao aeroporto. Manuel e Teresa foram deixar a filha no aeroporto. Maria Rocha e Jorge Ferreira foram levar o filho ao aeroporto. Artur e Laura foram deixar a filha no aeroporto. Emanuel e Sofia foram levar os gémeos ao aeroporto. Vítor e Yolanda foram deixar o rapaz no aeroporto. Manuela e Vitória foram deixar a mais velha no aeroporto. Fernando e Socorro foram levar o moço ao aeroporto. O Partido Socialista e o Partido Social Democrata construíram estradas ao lado de estradas e aeroportos a fazer de mortos para que finalmente, num certo dia, acabássemos por ir deixar a nossa juventude no aeroporto. A Procuradoria Geral e o Presidente da República fecharam diligentemente os olhos para que, num belo dia, pudéssemos deixar os nossos irmãos e irmãs, sobrinhos e sobrinhas, no aeroporto. O Regime, os Corruptos do Regime, os Ladrões e Comissionistas Perpétuos dos Orçamentos do Regime, trabalharam arduamente para que nos não fosse de todo impossível deixarmos filhos, irmãos, cunhados e genros, no aeroporto. Enfermeiros. Engenheiros. Arquitectos. Professores. Operários. Criativos. Ámen. Assim seja.
A anormal normalização do estado de excepção, em que a razão da força é superior à força da razão, é sintomática do amorfismo que tolhe qualquer eventual sobressalto cívico da sociedade de uma dita democracia que já nem soberana é. O mesmo é dizer que o maquiavelismo dos "fins justificarem os meios" tem servido apenas os fins dos amadores aprendizes de príncipe, sendo responsável pela alienação da autonomia de um país, pela revolta calada de um povo e pelo alheamento de muitos indivíduos da vida pública. Talvez emigrar nunca tenha feito tanto sentido como hoje, servindo o propósito de nos exilarmos voluntariamente para, como alguém me disse há tempos, salvarmos o Portugal que vai dentro de nós.
Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, As Farpas, "8 - Dezembro de 1871":
«A emigração é decerto um mal.
Porque aqueles que se oferecem mostram ser, por essa resolução, os mais enérgicos e os mais rijamente decididos; e num país de fracos e de indolentes, é um prejuízo perder as raras vontades firmes e os poucos braços viris.
Porque a emigração entre nós, não é como em toda a parte a transbordação de uma população que sobra, é a fuga de uma população que sofre;
Porque não é o espírito de indústria, de actividade, de expansão, de criação, que leva os nossos colonos, - como leva os ingleses à Austrália e à Índia - é a miséria de um país esterilizado que expulsa, sacode e que instiga a emigrar, a procurar longe o pão;
Porque a emigração, tomando o rumo dos países estranhos, contraria a necessidade de regularizar interiormente uma emigração de província a província;
Porque a emigração em Portugal não significa - ausência - significa abandono: o inglês por exemplo vai à Austrália, à América, fazer um começo de fortuna - para voltar a Inglaterra, viver, casar, acabar de enriquecer, servir o seu país, a sua comuna, trazer-lhes auxílio da vontade robustecida, da experiência adquirida, do dinheiro ganho; para Portugal ninguém volta, a não vir provido de boa fortuna, ser improdutivo, burgês retirado, inutilidade a engordar.»
Um texto a não perder.
Avelino de Jesus, num artigo que vale bem a pena ler na íntegra (via Blasfémias):
«A atitude face à emigração deve ser enquadrada numa posição de abertura face à mobilidade social e económica em geral. As restrições à emigração, quer em termos de políticas quer de pensamento, relevam sobretudo de posições ultraconservadores e reaccionárias, qualquer que seja a forma com que se disfarcem. É próprio destas perspectivas reprimir os movimentos de populações quer no interior quer para o exterior. É muito frágil a posição de alguns críticos segundo os quais "nem nos tempos do salazarismo se ouviu um governante dizer que os portugueses deviam ir embora"; claro que não, ouviam-se antes os tiros de perseguição nas fronteiras contra aqueles que procuravam sair a salto, contra a vontade dos que então, como agora, visam tolher a liberdade de circulação das populações.
Aqueles que - jovens ou maduros, profissionais manuais ou intelectuais - ousem emigrar, por necessidade ou ambição, merecem o nosso apoio e solidariedade.
O mesmo conforto merecem igualmente todos os que - incluindo os governantes - manifestem esse apoio e solidariedade àquela atitude de inconformismo radical.
O provincianismo e o cultivo de posições periféricas e isolacionista foram, e continuam a ser, dos principais obstáculos ao nosso desenvolvimento. Contrariar tais pechas - mesmo quando temos pela frente autênticas barreiras que, travestidas de posições progressistas, constituem puro terrorismo ideológico - não sendo tarefa fácil, não poderá ser contornada.
As críticas em apreço podem ser eleitoralmente rentáveis, porque fazem apelo aos reflexos mais atávicos, mas revelam uma ignorância da realidade e uma falência moral lamentáveis. »
Em comentário ao meu post de ontem sobre a emigração e as virgens ofendidas, eis que aparece uma destas na caixa de comentários. De entre o chorrilho de lugares comuns, destaque para esta parte:
"Mas para quem não seja um liberalzinho mete-nojo, com cabelinho à mete-nojo, para quem não se excite a ler o Hayek ou outro austríaco qualquer (...)"
Sabe o que é que me chateia mesmo? É o meu cabelinho à mete-nojo já não tapar adequadamente as entradas capilares cada vez mais notórias.
Armando Esteves Pereira, Director-Adjunto do Correio da Manhã: «As declarações ao CM sobre os professores levaram a uma onda de críticas injustificadas. Passos respondeu a uma pergunta sobre Angola precisar de 15 mil docentes. Confirmou contactos com José Eduardo dos Santos e adiantou que Dilma também falou da necessidade de professores no Brasil. Para quem precisa de emprego, é uma oportunidade, não uma ordem de emigração.»
E muito, mas mesmo muito engraçadas, são as declarações da Ministra do Trabalho de José Sócrates, Helena André, em entrevista à Fox News em Dezembro de 2010: «We interviewed the Minister of Labor, Maria Helena André, and she told us her suggestion for young people looking for work here was to be “open and flexible.” She admits that this includes emigrating, as the Portuguese have been doing for decades.»
Perguntar não ofende: as virgens ofendidas e descabeladas que por aí têm andado a bradar aos quatro ventos contra Passos Coelho, especialmente as que apoiavam Sócrates, ainda acham que não faziam melhor em estarem caladas?
No tempo do salazarismo, em particular nas décadas de 60 e 70, com o país internacionalmente isolado e com fronteiras fechadas, emigrar era uma coisa boa para fugir à guerra e à repressão política, embora esses fluxos migratórios acontecessem numa altura em que a economia portuguesa crescia a um ritmo que oscilava entre os 5 a 8% ao ano, tendo chegado aos 11,2% (1973) e 12,6% (1970). Neste tempo de abundância em que vivemos, com um crescimento pujante da economia e uma taxa de desemprego perto de 0 (ou pelo menos é o que transparece das declarações de muitos alheados da realidade) emigrar é uma coisa má? Isto é esquizofrénico e ofensivo para os portugueses que emigram ou é só impressão minha?