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Quando se trata de civismo, ou a falta do mesmo, todas as leis e respectivas sanções são mais que bem-vindas. Se não vai a bem, se o comportamento de cada um não é passível de ser auto-regulado (devido a carência ética ou a pobreza de princípios), em nome da comunidade e dos seus valores de agregação, o Estado deve intervir. O sociólogo Tonnies faz a destrinça entre as forças espontâneas que asseguram a coesão dos agrupamentos humanos (comunidades) e os vectores de dispersão que obrigam ao estabelecimento de contratos para evitar a desagregação irreversível (sociedades). Neste quadro de entendimento, que cruza a etologia (estudo do comportamento animaI) com a civilização, fruto da cultura humana, das regras adoptadas, dos costumes e tradições, os legisladores cumprem uma missão polivalente. Substituem a paternidade que não soube transmitir os valores que permitem a vida colectiva e interpretam o conceito de idealismo existencial, através do qual o respeito pelo próximo estaria salvaguardado pela acção individual. A nova lei, em vigor desde janeiro de 2015, estabelece coimas para utentes que demonstrem determinadas faltas de civismo ou incomodem outros passageiros. No meu entender, o âmbito de aplicação da lei deveria ser alargado a outros espaços públicos onde os indivíduos incomodam os seus concidadãos. Não é apenas na Carris ou nos Táxis que os fenómenos de mau comportamento se registam. Já sei que qualquer tentativa de ordenamento do território comportamental deste país choca de frente com os activistas das liberdades fundamentais, os obreiros do 25 de Abril, os pais da Democracia, aqueles que acham que a sua liberdade não pode ser condicionada por o que quer que seja, os delfins intransigentes de uma Esquerda questionável, libertários do Antigo Regime - aquele pau para toda a obra da desculpabilização política e sociológica. Enfim, um espectro alargado de gente que muito provavelmente não vê mal algum num conjunto de comportamentos primários que polvilham a paisagem deste país. A saber; os telemóveis que tocam incessantemente e que são atendidos (e a conversa que se segue em voz alta em pleno concerto de música clássica no CCB); o uso da faixa de emergência na via rápida para fugir à fila demorada ocupada por condutores que respeitam o código de estrada; as escarretas lançadas à porta da entrada do hospital; as beatas atiradas da janela de um terceiro andar para o passeio já de si manchado pelos dejectos de cão alheio (coitadinhos dos animais, criem mais uma petição) ou o cliente-amigo no balcão dos Correios que não tem senha porque apenas tem uma perguntinha a colocar e não demora nada (e passa à frente do freguês). Em suma, nos transportes públicos acontece muita coisa, mas se buscarmos a objectividade na análise do fenómeno do mau comportamento, não é preciso ir muito longe. Não sei se a lei funcionará nestes domínios de ética, porque em última instância o que impera é a tese voluntarista - ou se é educado ou se procura sê-lo.