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na língua portuguesa, é sempre com prazer que leio - e releio! - autores como Camilo, Tomaz de Figueiredo ou João de Araújo Correia. Desta feita são os " Pontos Finais " que me chamam de novo. Alguns capítulos já os lera, tempos atrás, mas a urgência doutro livro, não lembro já qual, obrigou-me a adiar a leitura a que hoje volto. E logo castiço vocábulo me empurra para aquele conselho do nosso grande esgrimidor do vernáculo. ( que, por sua vez, o recebera do poeta Donas Boto )
Sim; neste tempo de facilitismos digitais, os velhos dicionários, Morais ou outro, ainda nos movem, com vantagem!
Tenho de ter alguma atenção. Os amigos são amigos dos seus amigos, e não necessariamente amigos da ética e dos valores que devem nortear as nossas sociedades. Não faço parte do clube dos amigos Disney. Não andei a dar palmadinhas nas costas e a obter favores de proximidade. Estou à vontade. Sou um bastardo dessas sortes de salão, um desfiliado da amizade de décadas de grémio. O que diria Fernando Pessoa da união de facto dos 38 consagrados que se inscrevem na pauta em defesa do bom nome de Inês Pedrosa? Não teço comentários sobre o desempenho da escritora nem sobre a direcção da casa Fernando Pessoa. Não é isso que está em causa. Bastou-me mencionar a "possibilidade" de Marcelo Rebelo de Sousa puxar cordelinhos para prolongar a excepcionalidade da Cornucópia e seu mentor, para que prontamente fosse designado de "achinquilhador". Prontamente atiraram-me à cara que desconhecia os 43 anos de arte e saber. Não quero ver a lista de desassossego dos macróbios da terra para não ficar ainda mais enojado. Reporto-me aos factos. Houve favorecimento de um companheiro? Houve dinheiros atribuídos em virtude de "contratos" que não obedeciam ao normativo vigente? Houve lesados directos por não terem tido às mesmas condições de acesso a um expectável concurso? Em vez de buscarem o silêncio e a penitência, os 38 artistas que fazem parte do casamento, são homónimos da mesma prevaricação. Nada em Pessoa é insignificante. Nem essa nuance burocrática. E ele avisou-nos em tempos idos, em vida e depois de desfalecido. De pouco serviu.
Atesta Castilho nas « Escavações Poéticas » ser Francisco Gomes, homem do povo, " saído jamais dos seus montes, um dos mais chapados clássicos ".
Por seu lado, é nos Arcos de Valdevez e na Aldeia de Cima, as suas terras " sentimentais ", que o escritor nortenho, um eterno curioso e amante da nossa Língua, busca, e sempre encontra, matéria para alimento dos sempre presentes caderninhos de capa preta, onde alistava os vocábulos e expressões que o povo acalentava à revelia das academias.
Romanisca ( faceira, gaiteira ) ou regateiras-de-Abril ( chuvadas inesperadas, de pedraço muitas das ocasiões ),são exemplo de vocábulos e expressões que desesperava não achar nos dicionários. Nem no seu fiel Morais.
Da boca da senhora Lucília, ou da Maria Rodrigues, as escutava, quantas vezes ao serão, frente à lareira. Sempre com o pensamento no Dicionário Falado que um dia escreveria. Esse Dicionário a que volto mais uma vez.
Camilo versus Eça: um confronto que só existe na cabeça dos incondicionais de cada um dos escritores. Certo que, genericamente, gosto mais da tão castiça escrita do homem de Seide, mas tenho como obras-primas, indispensáveis, alguns dos livros de Eça: aí estão, nomeadamente, A Ilustre Casa de Ramires ou Os Maias...
Vem tal a propósito de texto lido na Revista Gil Vicente - um excerto do livro « No Saguão do Liberalismo », de Fernando Campos.
" É ponto assente que o romancista da Ilustre Casa de Ramires nunca foi esse desnacionalizador sistemático, apontado às turbas inconscientes por certa crítica leviana.
Acusaram-no de francês, de estrangeirado, de autor rebelde às disciplinas tradicionais da linguagem - que teria maculado por desconhecer os clássicos - e de mau português, que desdenhava a sua terra. ( ... )
Diferente é o parecer de Agostinho de Campos, crítico autorizado da obra queirosiana, o qual sustentava que ' Eça provou que era, ao contrário, portuguesíssimo, num Portugal que abdicara todo da sua velha individualidade nacional ' "
O próprio Eça defendera-se dessa acusação no artigo « O Francesismo », acrescenta Fernando Campos. Com efeito, aí o autor d'A Cidade e as Serras diz que aos homens de 1820 devia Portugal o estar curvado aos ditames que sopravam de França; que embora o assacassem de afrancesado, a verdade é que « em lugar de ser culpado da nossa desnacionalização fui uma das melancholicas obras d'ella », ele que « ainda com sapatinhos de crochet » " começara a respirar a França, e a ver só a França à sua volta."
Este livro, em que nos apresenta um Jacinto cansado do cosmopolitismo parisiense mas também, antes, na Ilustre Casa, um Gonçalo que em tudo faz lembrar Portugal, acabaria de vez com tais calúnias?
Imagino-o a animar romarias. Um tio meu herdou-lhe, de certo modo, o ofício, mas com a ajuda dos inseparáveis cavaquinho e concertina.
" O aldeiagante sucedeu ao rapsodo, responde-lhe.
Deram ambos um tiro ao trabalho, para não terem de arredar os olhos das flores e das estrelas. A Poesia é egoísta, quer-se toda para si, defendendo-se de ser roubada.É sempre fugidio e breve o tempo de amar, de ser do coração. Basta-lhe, ao coração, que seja ele a bater. ( ... )
De aldeia em aldeia, quanto de reino em reino, o aldeiagante é um escrito de memórias falado. Se a Ilíada, os poemas homéricos, são contos de rapsodos emendados uns nos outros, na mesma as histórias dos aldeiagantes dariam supostos inéditos de Camilo, outras Novelas do Minho, Douro, Trás-os-Montes... "
Tomaz de Figueiredo, « Dicionário Falado »
Em 1885, ainda o autor do livro que venho de ler, « Coisas Espantosas », vivia em Seide, escrevia Manuel Pinheiro Chagas algo que qualquer leitor de Camilo tem como inatacável: " a opulência da linguagem só tem por igual a riqueza do seu estilo ".
É, porém, em Revista bem posterior, porque vinda a público apenas em 1916 - « Camiliana- Archivo de Materiaes Para Um Monumento Litterario Ao Grande Escriptor » que leio tal apreciação do seu contemporâneo. E mais diz o autor do polémico « Poema da Mocidade »:
" Ao percorrermos rapidamente a lista enorme das obras de Camilo pasmamos! Que espírito fecundíssimo e vário! Que talento tão maleável! ( ... ). Como pode o escritor vigoroso e terrível que descreve os dramas do adultério e do crime traçar ao mesmo tempo as páginas castas e suaves d' « O Bem e o Mal »!
E no meio de tudo isto aparecem livros que só Camilo sabe escrever: são os romances humorísticos no género da « Queda de um Anjo »...................
E todas estas obras, o romance, o panfleto, o drama, o folhetim..., em que maravilhosa linguagem são escritas. Nunca a Língua Portuguesa se mostrou no nosso tempo mais nervosa, mais rica, mais maleável! "
Por tudo isto, mas também por muito mais do que isto, vimos nos dias de hoje uma escritora que a ele por bastas vezes foi beber - a consagrada Agustina - lapidarmente proclamar: "
'Quando o coração me falha neste dialecto de escrever livros, volto-me
para Camilo, que é sempre rei mesmo em terra de ciclopes "...
Que era grande amigo de Tomaz de Figueiredo, fez-mo saber um amigo comentarista. Até então não sabia nada de Fausto José.
Acerca de uma visita a Ucanha e a Tarouca, falou-me em Armamar, no Douro, e que teria feito muito bem se tivesse subido um bocado até à Aldeia de Cima, onde o poeta acolhia amiúde o escritor de Valdevez. Fiquei com vontade de a visitar, claro, mas foi sempre um destino adiado até que me propus rever a, certamente - como vim a confirmar - já restaurada ermida de S. Domingos, ali vizinha ( freguesia de Fontelo ), e que se encontrava em obras de restauro.
Procurei os seus poemas e soube que a Câmara de Armamar os reeditou não há muito tempo. Mas não descansei até o encontrar, integrado na antologia « Líricas Portuguesas », coordenada por Cabral do Nascimento. Dela esta « Névoa ».
" O gosto da leitura associado a uma prosa saborosa é que explica que, quando ela falta, a literatura, para muitos se torne enfadonha. Por isso, pela graça do seu estilo, é que Eça ainda se lê ( quando não condensado em discutível resumo ) e Camilo ainda vai resistindo ao progressivo empobrecimento da língua - a mesma língua de que o grande prosador celebra as " consonâncias maravilhosas ".
João Bigotte Chorão.
" Li-o duas vezes, que eu desconfio sempre da minha primeira leitura, que é raro coincidir com a segunda: ou me causa uma impressão melhor ou pior. Com a sua admirável novela, na segunda leitura foi melhor a impressão recebida. Feriu-me, sobretudo, no desenho nítido das paisagens, a figura esboçada do personagem principal. Nisto reside o maior merecimento da obra! O ser humano, porque é vivo, é indefinido, perante as cousas mortas ou simplesmente animadas. Este contraste, tão eloquente! no seu livro, porque faz ressaltar a verdade que vislumbramos no panorama do mundo, feriu-me, repito, duma maneira muito especial e original! Trata-se duma escritora de raça, dotada de excepcionais qualidades visionárias, do instinto do real. Sem este instinto, há só literatura, e mais nada. Se os românticos excederam a realidade, caindo na falsidade, os chamados naturalistas cometeram o pecado contrário, e tornaram-se inferiores à Natureza. A autora do « Mundo Fechado » não praticou esses erros. E, por isso, a felicito com o maior entusiasmo! "
Carta de Teixeira de Pascoaes, agradecendo a oferta do primeiro romance da escritora amarantina.
* Agustina Bessa-Luís
É conhecida a faceta polemista do autor de Eusébio Macário, e ficaram famosas, entre outras, as polémicas que susteve com Silva Pinto, com quem viria a congraçar-se, passando este a nutrir por Camilo uma admiração incondicional.
Ao percorrer, de novo, a estante consagrada ao escritor de Vilarinho da Samardã, fico presa a um pequeno livro escrito por Silva Pinto já depois da morte do Mestre. Livro delicioso. Nele aquela veneração é evidente, como se constata neste saboroso excerto.
" Na Foz do Douro, uma tarde, dizia-me Camillo Castello Branco:
- Que impressão deixou por ahi a polemica com o Alexandre da Conceição?
- A do costume. Ao primeiro terço da refrega lê se o que v. ex.ª escreve e não se dá attenção ao que o seu adversario diz.
Elle teve um certo sorriso glacial, muito seu característico, e logo depois de uns momentos de concentração:
- É o tal caso. Imagine-se que nunca entrei n'essas polemicas sem ser muito provocado. Previ sempre, de cada vez que entrava em fogo, o que realmente vinha a dar-se: uma especie de remorso meu, por ter sido exagerado na lucta. Quer v. que eu lhe diga? O unico adversario que me não deixou remorsos foi o Silva Pinto. Parece -me que não cheguei a dizer lhe tudo quanto v. merecia.
Balbuciei um agradecimento e um protesto. Afigurou-se-me que o leão não tinha a consciencia de quanto valiam as suas garras.
Elle prosseguiu:
- Sempre que um dos novos me agride, ha quem me aconselhe a não fazer caso. Foi assim quando v. me provocou. O Teixeira de Vasconcellos escreveu-me de Lisboa: «Não responda. Este sujeito não guarda o decoro ». E eu respondi ao Teixeira: « Nem eu. Quem melhor as tiver, melhor as joga. »
( ... ). Pela minha parte resolvi não me deixar contundir sem usar de represalias. Os rapazes dão-me; mas eu reajo, como se vê...
Dei lhe razão contra mim proprio - contra o audacioso franganote que em 1874 lhe chamara, nas colunnas da « Actualidade » do Porto: " O chapado ignorante que só serve para escrever descomposturas! ".
Perdoae-nos, Senhor, as nossas dividas... "