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Eterna caloira

por Cristina Ribeiro, em 27.08.17

na língua portuguesa, é sempre com prazer que leio - e releio! - autores como Camilo, Tomaz de Figueiredo ou João de Araújo Correia. Desta feita são os " Pontos Finais " que me chamam de novo. Alguns capítulos já os lera, tempos atrás, mas a urgência doutro livro, não lembro já qual, obrigou-me a adiar a leitura a que hoje volto. E logo castiço vocábulo me empurra para aquele conselho do nosso grande esgrimidor do vernáculo. ( que, por sua vez, o recebera do poeta Donas Boto )

Sim; neste tempo de facilitismos digitais, os velhos dicionários, Morais ou outro, ainda nos movem, com vantagem!

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publicado às 18:50

União de facto de Fernando Pessoa

por John Wolf, em 22.12.16

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Tenho de ter alguma atenção. Os amigos são amigos dos seus amigos, e não necessariamente amigos da ética e dos valores que devem nortear as nossas sociedades. Não faço parte do clube dos amigos Disney. Não andei a dar palmadinhas nas costas e a obter favores de proximidade. Estou à vontade. Sou um bastardo dessas sortes de salão, um desfiliado da amizade de décadas de grémio. O que diria Fernando Pessoa da união de facto dos 38 consagrados que se inscrevem na pauta em defesa do bom nome de Inês Pedrosa? Não teço comentários sobre o desempenho da escritora nem sobre a direcção da casa Fernando Pessoa. Não é isso que está em causa. Bastou-me mencionar a "possibilidade" de Marcelo Rebelo de Sousa puxar cordelinhos para prolongar a excepcionalidade da Cornucópia e seu mentor, para que prontamente fosse designado de "achinquilhador". Prontamente atiraram-me à cara que desconhecia os 43 anos de arte e saber. Não quero ver a lista de desassossego dos macróbios da terra para não ficar ainda mais enojado. Reporto-me aos factos. Houve favorecimento de um companheiro? Houve dinheiros atribuídos em virtude de "contratos" que não obedeciam ao normativo vigente? Houve lesados directos por não terem tido às mesmas condições de acesso a um expectável concurso? Em vez de buscarem o silêncio e a penitência, os 38 artistas que fazem parte do casamento, são homónimos da mesma prevaricação. Nada em Pessoa é insignificante. Nem essa nuance burocrática. E ele avisou-nos em tempos idos, em vida e depois de desfalecido. De pouco serviu.

publicado às 19:55

E agora, quem defende os Clássicos?

por Cristina Ribeiro, em 29.07.14

A leitura do comentário ao Diálogo em louvor da nossa linguagem >, de João de Barros, no boletim de Abril de 1951 da Sociedade de Língua Portuguesa, assinado por M. M. T., lembrou-me que, até que Vasco Graça Moura deixou de nele escrever, apenas abria o Diário de Notícias, na versão digital, para o ler. A incondicional defesa da Língua Portuguesa, não poupando os acordistas de serviço, nas suas muitas incongruências, a revolta contra o escandaloso desaparecimento, nos programas de ensino, dos grandes vultos da nossa literatura. Que falta faz nos tempos que vivemos o azorrague empunhado pelo escritor nortenho.




Post Scriptum : Tenho de ressalvar o esforço que no mesmo sentido tem sido feito por um outro jornal, um dos poucos que teima em não baixar os braços nesta patriótica cruzada: refiro-me ao jornal " O Diabo "

publicado às 17:06

Os « Franciscos Gomes » de Tomaz de Figueiredo.

por Cristina Ribeiro, em 04.06.14

Atesta Castilho nas « Escavações Poéticas » ser Francisco Gomes, homem do povo, " saído jamais dos seus montes, um dos mais chapados clássicos ".
Por seu lado, é nos Arcos de Valdevez e na Aldeia de Cima, as suas terras " sentimentais ", que o escritor nortenho, um eterno curioso e amante da nossa Língua, busca, e sempre encontra, matéria para alimento dos sempre presentes caderninhos de capa preta, onde alistava os vocábulos e expressões que o povo acalentava à revelia das academias.
Romanisca ( faceira, gaiteira ) ou regateiras-de-Abril ( chuvadas inesperadas, de pedraço muitas das ocasiões ),são exemplo de vocábulos e expressões que desesperava não achar nos dicionários. Nem no seu fiel Morais.
Da boca da senhora Lucília, ou da Maria Rodrigues, as escutava, quantas vezes ao serão, frente à lareira. Sempre com o pensamento no Dicionário Falado que um dia escreveria. Esse Dicionário a que volto mais uma vez.

publicado às 21:58

                     ( Igreja românica de Santa Cristina, Serzedelo - Guimarães, que pertenceu ao Convento dos Eremitas de Santo Agostinho )
( ... ). A primeira vez que passei em Cerzedello foi em 1849. Ia então só, e só estava a localidade naquella occcasião. Desci a escadaria, e depois de examinar a porta principal, de ombreiras profundas e formadas de arcos ponteagudos, que se abaixam e estreitam, á medida que mais entram no muro; a frontaria de pedra nua, onde ha evidentes vestigios de tumulos antigos; e o campanario esguio e de um só panno de muralha... "
                 Está apresentado o cenário em que se vai desenrolar a trama da, para mim, mais encantadora novela do escritor portuense Arnaldo Gama - « O Segredo do Abade »

publicado às 16:44

O portuguesismo de Eça

por Cristina Ribeiro, em 07.05.14

Camilo versus Eça: um confronto que só existe na cabeça dos incondicionais de cada um dos escritores. Certo que, genericamente, gosto mais da tão castiça escrita do homem de Seide, mas tenho como obras-primas, indispensáveis, alguns dos livros de Eça: aí estão, nomeadamente, A Ilustre Casa de Ramires ou Os Maias...

 

 Vem tal a propósito de texto lido na Revista Gil Vicente - um excerto do livro « No Saguão do Liberalismo », de Fernando Campos.

" É ponto assente que o romancista da Ilustre Casa de Ramires nunca foi esse desnacionalizador sistemático, apontado às turbas inconscientes por certa crítica leviana.
Acusaram-no de francês, de estrangeirado, de autor rebelde às disciplinas tradicionais da linguagem - que teria maculado por desconhecer os clássicos - e de mau português, que desdenhava a sua terra. ( ... )
Diferente é o parecer de Agostinho de Campos, crítico autorizado da obra queirosiana, o qual sustentava que ' Eça provou que era, ao contrário, portuguesíssimo, num Portugal que abdicara todo da sua velha individualidade nacional ' "
O próprio Eça defendera-se dessa acusação no artigo « O Francesismo », acrescenta Fernando Campos. Com efeito, aí o autor d'A Cidade e as Serras diz que aos homens de 1820 devia Portugal o estar curvado aos ditames que sopravam de França; que embora o assacassem de afrancesado, a verdade é que « em lugar de ser culpado da nossa desnacionalização fui uma das melancholicas obras d'ella », ele que « ainda com sapatinhos de crochet » " começara a respirar a França, e a ver só a França à sua volta."
Este livro, em que nos apresenta um Jacinto cansado do cosmopolitismo parisiense mas também, antes, na Ilustre Casa, um Gonçalo que em tudo faz lembrar Portugal, acabaria de vez com tais calúnias?

publicado às 19:57

« O Velho de Novo » *

por Cristina Ribeiro, em 08.04.14
E o Velho aqui referido é o que dá o nome ao novo filme de Manuel de Oliveira, « O Velho do Restelo ».
Para quem sente a portugalidade, como é o caso, é tão evidente que a nossa História, assim como o que escreveram os nossos bons escritores, são um manancial de inspiração. Que, com raríssimas excepções, tão mal aproveitado tem sido.
Uma armada cheia de barcos a afundar, a actual. Desafio deveras interessante essa nova reflexão sobre a História de Portugal, em particular sobre  "a Invencível Armada e o presente".
 
                         * Título de livro de António Manuel Couto Viana

publicado às 15:48

O vate das nossas aldeias.

por Cristina Ribeiro, em 21.03.14

 Imagino-o a animar romarias. Um tio meu herdou-lhe, de certo modo, o ofício, mas com a ajuda dos inseparáveis cavaquinho e concertina.

" O aldeiagante sucedeu ao rapsodo, responde-lhe.
Deram ambos um tiro ao trabalho, para não terem de arredar os olhos das flores e das estrelas. A Poesia é egoísta, quer-se toda para si, defendendo-se de ser roubada.É sempre fugidio e breve o tempo de amar, de ser do coração. Basta-lhe, ao coração, que seja ele a bater. ( ... )
De aldeia em aldeia, quanto de reino em reino, o aldeiagante é um escrito de memórias falado. Se a Ilíada, os poemas homéricos, são contos de rapsodos emendados uns nos outros, na mesma as histórias dos aldeiagantes dariam supostos inéditos de Camilo, outras Novelas do Minho, Douro, Trás-os-Montes... "
Tomaz de Figueiredo, « Dicionário Falado »

publicado às 16:30

Um dicionário único.

por Cristina Ribeiro, em 25.02.14

« Licante »?; « Lapador »?; « regateiras-de-Abril »?; « arroz de goldras »?; « comer focinho de porco »?.........................


Livro póstumo, este, publicado em Dezembro de 1970, mas sobre o qual João Araujo Correia havia já escrito dois anos antes, n'O Comércio do Porto, porque, necessariamente, acompanhara a sua génese, a sua elaboração, fruto do " enamoramento pelo vocabulário regional ainda vivo nos Arcos de Valdevez [ " terra de coração " do escritor bracarense ] e, aqui no Douro, em Aldeia de Cima, donde é oriundo, por qualquer costela, e aonde vem, de tempos a tempos, visitar Fausto José ".


São termos e expressões que colhe junto do povo, e que, por mais que procure a sua origem e sentido, esbarra com o silêncio dos dicionaristas, os quais " por vezes,sabem ainda menos que um - apre, que analfabetos! - e outras, frequentes, dão raia. ..."; é ainda junto desse povo chão que ele busca, e encontra, as tão apetecidas significâncias.

publicado às 18:15

De lá, da sua « Pátria pequena »,

por Cristina Ribeiro, em 13.02.14
 o escritor não se cansa de zurzir os que à língua pátria dão tratos de polé, a quem, muito justamente, chama ingratos, e não foge João de Araújo Correia de dizer que " uma das causas da degeneração da nossa língua é o descaso que toda a gente faz dos escritores portugueses "; ainda se tal ingratidão " recaísse apenas em escritores maus "...
Mais diz: " O culto dos nossos livros, dignamente escritos, desapareceu. A prosa dum Herculano, dum Garrett, dum Camilo, dum Eça ou dum Ramalho jaz arrumada em prateleiras como corpos mortos em gavetões de jazigo. "

É mesmo de Ingratidão que se trata, esse aleijão que veio para ensombrar a vida em Portugal, e não apenas no que à língua se refere.

publicado às 20:55

Dos livros, da Língua Portuguesa.

por Cristina Ribeiro, em 23.12.13

 

Em 1885, ainda o autor do livro que venho de ler, « Coisas Espantosas », vivia em Seide, escrevia Manuel Pinheiro Chagas algo que qualquer leitor de Camilo tem como inatacável: " a opulência da linguagem só tem por igual a riqueza do seu estilo ".

É, porém, em Revista bem posterior, porque vinda a público apenas em 1916 - « Camiliana- Archivo de Materiaes Para Um Monumento Litterario Ao Grande Escriptor » que leio tal apreciação do seu contemporâneo. E mais diz o autor do polémico « Poema da Mocidade »:

" Ao percorrermos rapidamente a lista enorme das obras de Camilo pasmamos! Que espírito fecundíssimo e vário! Que talento tão maleável! ( ... ). Como pode o escritor vigoroso e terrível que descreve os dramas do adultério e do crime traçar ao mesmo tempo as páginas castas e suaves d' « O Bem e o Mal »!

E no meio de tudo isto aparecem livros que só Camilo sabe escrever: são os romances humorísticos no género da « Queda de  um Anjo »...................

E todas estas obras, o romance, o panfleto, o drama, o folhetim..., em que maravilhosa linguagem são escritas. Nunca a Língua Portuguesa se mostrou no nosso tempo mais nervosa, mais rica, mais maleável! "

Por tudo isto, mas também por muito mais do que isto, vimos nos dias de hoje uma escritora que a ele por bastas vezes foi beber - a consagrada Agustina - lapidarmente proclamar: " 

'Quando o coração me falha neste dialecto de escrever livros, volto-me

para Camilo, que é sempre rei mesmo em terra de ciclopes "...

 

publicado às 19:59

Era a terceira vez que visitava a casa de S. Miguel de Seide, agora através das palavras do autor d« O Romance do Romancista ». Acompanhei-o desde que,acompanhado pelo criado, que " levava de rédea a garrana ", deixara o Porto a caminho de Santo Tirso. Ia " abraçar aquelle que sempre fôra o mais dedicado dos mestres, o melhor dos amigos ". Durante a jornada fico a saber que trocara o Porto por Lisboa, e o quanto os seus pulmões " [ se ]  fortificavam com delicia n'um bom banho de oxygenio " nesta sua incursão pelo Minho, depois de " respirar um ar mephitico, que asphyxia, nos saguões e escadas dos predios da Baixa "; e observo o encantamento no reencontro destas terras que não lhe são novas. Era grande a sua pressa de chegar, pelo que Bernardo, o criado " armava conversa " para o distrair.
Mas já Landim se avistava, mais o seu mosteiro; " - D'aqui a Seide é um pulo; estamos aqui, estamos lá. Um quarto de hora, quando muito ", dizia Bernardo para o animar.
                           E então, testemunha clandestina, assisti ao encontro dos dois homens de letras. Um encontro sublinhado por afectuosos abraços, só vistos em pessoas que se querem bem. Junta-se-lhes, daí a pouco D. Ana, " essa intelligente e formosa senhora que tão bem soube comprehender a grande alma de Camillo nas sublimes melancolias dos seus dias nublados e  nas vibrantes alegrias dos seus dias ridentes ".
Oiço, discretamente, a conversa que encetam estes três amigos, e não me passa despercebido o tom amargurado dos anfitriões, que, para além de outros dramas domésticos, acabam de assistir, impotentes, à morte de uma netinha, " a candida flôr que durara o que duram as rosas, apenas uma aurora. "
 Sem querer perturbar uma conversação, a que assisto sem que para tal haja sido convidada, despeço-me sem fazer ruído, sentindo-me uma privilegiada.

publicado às 15:17

" Poeta de Portugal "

por Cristina Ribeiro, em 28.10.13
Que instinto te acorda e guia,
Da noite com que afliges
Esta tristeza sozinha
E amargurada do vale, 
Para a montanha distante,
Quando,
Como um audaz caminheiro,
Fugindo do cativeiro,
Alegre o sol vem cantando
Em sua estrada real?
...................................
......................................

Que era grande amigo de Tomaz de Figueiredo, fez-mo saber um amigo comentarista. Até então não sabia nada de Fausto José.
Acerca de uma visita a Ucanha e a Tarouca, falou-me em Armamar, no Douro, e que teria feito muito bem se tivesse subido um bocado até à Aldeia de Cima, onde o poeta acolhia amiúde o escritor de Valdevez. Fiquei com vontade de a visitar, claro, mas foi sempre um destino adiado até que me propus rever a, certamente - como vim a confirmar - já restaurada ermida de S. Domingos, ali vizinha ( freguesia de Fontelo ), e que se encontrava em obras de restauro.
Procurei os seus poemas e soube que a Câmara de Armamar os reeditou não há muito tempo. Mas não descansei até o encontrar, integrado na antologia « Líricas Portuguesas », coordenada por Cabral do Nascimento. Dela esta « Névoa ».

publicado às 18:15

Da boa e da má literatura.

por Cristina Ribeiro, em 18.10.13

" O gosto da leitura associado a uma prosa saborosa é que explica que, quando ela falta, a literatura, para muitos se torne enfadonha. Por isso, pela graça do seu estilo, é que Eça ainda se lê ( quando não condensado em discutível resumo ) e Camilo ainda vai resistindo ao progressivo empobrecimento da língua - a mesma língua de que o grande prosador celebra as " consonâncias maravilhosas ".
João Bigotte Chorão.

 

 

publicado às 20:09

" Li-o duas vezes, que eu desconfio sempre da minha primeira leitura, que é raro coincidir com a segunda: ou me causa uma impressão melhor ou pior. Com a sua admirável novela, na segunda leitura foi melhor a impressão recebida. Feriu-me, sobretudo, no desenho nítido das paisagens, a figura esboçada do personagem principal. Nisto reside o maior merecimento da obra! O ser humano, porque é vivo, é indefinido, perante as cousas mortas ou simplesmente animadas. Este contraste, tão eloquente! no seu livro, porque faz ressaltar a verdade que vislumbramos no panorama do mundo, feriu-me, repito, duma maneira muito especial e original! Trata-se duma escritora de raça, dotada de excepcionais qualidades visionárias, do instinto do real. Sem este instinto, há só literatura, e mais nada. Se os românticos excederam a realidade, caindo na falsidade, os chamados naturalistas cometeram o pecado contrário, e tornaram-se inferiores à Natureza. A autora do « Mundo Fechado » não praticou esses erros. E, por isso, a felicito com o maior entusiasmo! "

 

Carta de Teixeira de Pascoaes, agradecendo a oferta do primeiro romance da escritora amarantina.

 

   * Agustina Bessa-Luís

publicado às 20:37

Gratidão.

por Cristina Ribeiro, em 25.09.13
 ( Casa do Padre António de Azevedo, em Vilarinho de Samardã, onde Camilo passou " os primeiros e unicos felizes annos " da sua mocidade )

Viu-se já que a personalidade do autor de Novelas do Minho era tudo menos linear: a par de um marcado lado quezilento, rabugento, mal-humorado, que por quase todos é sublinhado, descobre-se, aqui e ali, uma outra faceta mais dulcificada. É dela também exemplo este, cada vez mais raro, sentimento de gratidão, que Silva Pinto não olvida quando escreve sobre aquele a quem chama Mestre.
Refere o escritor que começou por polemizar com o homem de Seide: " No seu livro « Duas Horas de Leitura » diz Camilo: «  Fui educado n'uma aldêa, onde tenho uma irmã casada com um médico, irmão de um padre que foi meu mestre. O mestre podia ensinar-me muita cousa que me falta; mas eu era refractário à luz da gorda sciencia do meu padre prior. ( ... ) A aldêa chama-se Villarinho da Samardan. Demora em Tras-os-Montes, na comarca de Villa-Real, sobranceira ao rio Corrego, no desfiladeiro de uma serra sulcada de barrocaes. ( ... ) O prior era o padre Antonio d'Azevedo. » "
  Mas já esse mesmo sentimennto não passara despercebido a quem leu « O Bem e o Mal », que Camilo dedica ao seu " professor ": 
                            " Meu amigo
                                            Ha vinte e tres annos que eu vivi em sua companhia.
Lembra-se d'aquelle incorrigivel rapaz de quatorze annos que ia á venda da Serra do Musio jogar a bisca com os carvoeiros, e a bordoada, muitas vezes?
Esse rapaz sou eu; é este velho que lhe escreve aqui do cubiculo de um hospital, muito vizinho do cemiterio dos Prazeres.
Eu sou aquelle a quem padre Antonio de Azevedo ensinou principios de solpha, e as declinações da arte franceza.
Sou aquelle que leu em sua casa as « Viagens de Cyro », o « Theatro dos Deuzes », os « Luziadas », « As Peregrinações de Fernão Mendes Pinto », e outros livros, que foram os primeiros.
Sou aquelle que, sem saber latim, resava matinas e laudas com o padre Antonio.
Sou, finalmente, aquelle a quem o padre Antonio disse: - « o tempo ha de fazer de você alguna cousa. »
Passados vinte e tres annos lembrou-me dedicar este livro ao meu venerando amigo, e rogar-lhe que peça a Deus por mim. "

publicado às 20:44

Polemicando...

por Cristina Ribeiro, em 19.09.13

É conhecida a faceta polemista do autor de Eusébio Macário, e ficaram famosas, entre outras, as polémicas que susteve com Silva Pinto, com quem viria a congraçar-se, passando este a nutrir por Camilo uma admiração incondicional.

Ao percorrer, de novo, a estante consagrada ao escritor de Vilarinho da Samardã, fico presa a um pequeno livro escrito por Silva Pinto já depois da morte do Mestre. Livro delicioso. Nele aquela veneração é evidente, como se constata neste saboroso excerto.
" Na Foz do Douro, uma tarde, dizia-me Camillo Castello Branco:
- Que impressão deixou por ahi a polemica com o Alexandre da Conceição?
- A do costume. Ao primeiro terço da refrega lê se o que v. ex.ª escreve e não se dá attenção ao que o seu adversario diz.
Elle teve um certo sorriso glacial, muito seu característico, e logo depois de uns momentos de concentração:
- É o tal caso. Imagine-se que nunca entrei n'essas polemicas sem ser muito provocado. Previ sempre, de cada vez que entrava em fogo, o que realmente vinha a dar-se: uma especie de remorso meu, por ter sido exagerado na lucta. Quer v. que eu lhe diga? O unico adversario que me não deixou remorsos foi o Silva Pinto. Parece -me que não cheguei a dizer lhe tudo quanto v. merecia.
Balbuciei um agradecimento e um protesto. Afigurou-se-me que o leão não tinha a consciencia de quanto valiam as suas garras.
Elle prosseguiu:
- Sempre que um dos novos me agride, ha quem me aconselhe a não fazer caso. Foi assim quando v. me provocou. O Teixeira de Vasconcellos escreveu-me de Lisboa: «Não responda. Este sujeito não guarda o decoro ». E eu respondi ao Teixeira: « Nem eu. Quem melhor as tiver, melhor as joga. »
( ... ). Pela minha parte resolvi não me deixar contundir sem usar de represalias. Os rapazes dão-me; mas eu reajo, como se vê...
Dei lhe razão contra mim proprio - contra o audacioso franganote que em 1874 lhe chamara, nas colunnas da « Actualidade » do Porto: " O chapado ignorante que só serve para escrever descomposturas! ".
Perdoae-nos, Senhor, as nossas dividas... "

publicado às 19:13



" Camilo Castelo Branco e' um dos muitos casos em que o livro teve parte integrante na sua formação como escritor. Nao lhe surgiram espontâneas as primeiras poesias nem o seu estilo tenso e terso a parecer o aço vibrátil e resistente das durindanas, tão rico de sonoridades clássicas mas sem eufemismos, chamando as coisas pelo nome, foi obra do acaso ( ... ) A Serra do Me'zio e as concavidades nevadas dos cerros sem maciezas adustas e rudes transmitiram-lhe 'a prosa a dureza agreste dos granitos, mas a vernaculidade, essa foi legado dos clássicos tanto amados do seu Calisto Eloy, que lera e aprendera nos anos da sua formação "


Ora, para tal formação, que muito contou para que nele surgisse o escritor genial que viria a ser, bastantemente contribuiu a convivência com aquele Padre António de Azevedo, cunhado da irmã, Carolina, naquela casa de Vilarinho da Samarda~, para onde se mudou aquando do casamento desta, deixando a vizinha Vila Real, e a casa da tia, onde se acolhera por morte do pai, e que tão más recordações lhe deixavam.
No livro O Bem e o Mal >, que dedica ao mestre, disso da' conta, quando escreve: " Sou aquele que leu em sua casa as Viagens de Ciro, o Teatro dos Deuses, Os Lusi'adas, as Peregrinações de Fernão Mendes Pinto, e outros livros que foram os primeiros "

Foi 'a casa que ostenta ao lado da porta uma placa com as palavras de Camilo " ... Onde passei os primeiros e unicos felizes anos da minha mocidade " que me desloquei em romagem de admiração.

Rua Camilo Castelo Branco em Vilarinho da Samarda~, Vila Real

publicado às 17:03

O escritor mutilado, melancolicamente mutilado

por Cristina Ribeiro, em 17.07.13
" Por detrás da nossa casa, passado o laranjal, ficavam as oliveiras, manchando de pardo o terreno ondulante que uma erva espessa e florida cobria. As primeiras sezões que tive, por um Verão de há quarenta anos, agradeci-as aos calores insuportáveis a que durante uma semana me expus sem chapéu , sem vestes e sem sapatos. No campo,segundo o costume patriarcal da gente pobre, mal o sino da igreja dá meio dia, o pai senta-se 'a mesa defronte da mulher, os filhos 'a roda e janta-se "
Fialho de Almeida, " Contos "
Lendo vários livros do autor das planícies, um atrás do outro, encantei-me com a sua escrita, de tão escorreita e apelativa, além de senhora de um estilo muito poderoso.
Há dias, procurando certo texto na " Nação Portuguesa " deparei com um outro de natureza muito diferente, revelador de que aquele órgão do Integralismo Lusitano versava outros assuntos para além dos políticos. Era ele sobre Fialho, com a assinatura de João Ameal, e só hoje o pude ler: <
" L'homme est double ; la femme triple " - escreveu, algures, Gauthier.
Lembrámos-nos dessa frase a propósito da estranha personalidade de Fialho de Almeida, porque nos acudiu uma nova fórmula desse paradoxo - o homem duplo; o artista pode ser múltiplo ...
De facto, em Fialho encontravam-se diversas figuras, poderosas e contraditórias :o novelista patético , 'a russa, dominado pela imensa legião de fantasmas interiores; o crítico de costumes, feroz implacável , demolidor voluptuoso e ardente; o delicadíssimo poeta, a cuja sensibilidade afloravam os recônditos frémitos da natureza e da beleza; enfim,o espantoso pintor de paisagens regionais que deixou, nos seus capítulos descritivos, os mais impressionantes quadros da vida rústica da província em que nasceu: o largo, fatalista, melancólico Alentejo.
( ... ) Foi esse estilo multiforme, riquíssimo, vibrante de ambições expressivas e de rajadas iluminantes, esse estilo de extraordinária impressionismo verbal que fez a grandeza e celebridade de Fialho. A todo o instante sentimos, no seu convívio, o ardor do temperamento febril que se projecta em mil criações e invenções prodigiosas. E, de súbito, acontece vê-lo atingir um plano de harmoniosa beleza, de tal perturbadora beleza, que documenta a mais intensa e radiosa estesia. ( ...) Como Cláudio Monet,poderia dizer: ' le principal personnage de mes tableaux, c'est la lumi'ere >

publicado às 17:52

« Não confundamos a canção com o cantor »,

por Cristina Ribeiro, em 20.06.13
escreveu há tempos um amigo blogosférico na caixa de comentários. É, precisamente o que se me oferece dizer sobre Aquilino Ribeiro e a sua obra.
Fui das que, em 2007, assinou uma petição contra a ida dos seus restos mortais para o Panteão, por entender que lá não é o lugar para alguém que conspirou contra a vida de um Chefe de Estado, mas tal não obsta a que, com Amandio César, pense que "  não há escritores de direita ou de esquerda, há sim bons e maus escritores de todos os lados da barricada " ( citado pelo blogue Manlius ).
             O meu primeiro contacto com a sua escrita  aconteceu na escola, no 1º ano do Ciclo Preparatório, e o que me diverti com as " artistices " da raposa Salta-Pocinhas. Logo no ano seguinte, não poupei as gargalhadas com as peripécias do almocreve beirão. Mas seria bem depois que iria encontrar nos seus livros um escritor de mão cheia, merecedor de que se lhe tire o chapéu. Senhor de linguagem riquíssima, de uma vernaculidade a lembrar o escritor dos Serões do Minho; os regionalismos nela encontrados, a  pedir dicionário a cada palavra, saborosíssimos. Passou,então, a fazer parte daquela plêiade de autores, em que Portugal é pródigo, que têm de estar sempre presentes, porque os sentimos " nossos ", muito próximos do povo, que muito facilmente com eles se identifica.
Muito recentemente descobri um outro escritor, Júlio Brandão, de leitura  deveras agradável; dele, mais concretamente do livro Bustos e Medalhas, estas palavras sobre o homem do Carregal: " ... muitas das suas páginas são temperadas dum sabor vicentino -rude, português, dum travo delicioso. Como pintor de género é um mestre flamengo. A sua paisagem é admirável; sabe a frutos bravios, cheira a flores silvestres. Muitas das suas telas rústicas, a qualquer hora que no-las faça contemplar - lume matinal, crepúsculos, luares - deixam-nos a impressão da própria terra brava, onde se espelha um não sei quê de bíblico... "

publicado às 19:06






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