Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
A emergência do populismo no seio das democracias liberais, a perda de hegemonia dos EUA no sistema internacional, a ascensão da China e o ressurgimento da Rússia, ambas potências revisionistas e claras ameaças à zona de paz liberal, o Brexit e o futuro de uma União Europeia dominada por uma Alemanha encantada com Putin, as alterações climáticas, a crise dos refugiados, a cibersegurança e as guerras de informação e desinformação no ciberespaço fomentadas pela Rússia e China e nós o que discutimos? Petições a favor e contra um museu dedicado a Salazar, já depois da crise dos combustíveis, dos incêndios sempre reveladores da nossa aversão ao planeamento sistematizado, da importação dos espantalhos racistas dos estudos pós-coloniais, da sempre presente ideologia de género e da restante espuma dos dias alimentada pelos ciclos noticiosos e pelas shitstorms nas redes sociais. Sem embargo de a esfera pública numa sociedade livre dever comportar os mais diversos temas, entretanto, num mundo cada vez mais globalizado e perigoso, cá continuamos, neste cantinho à beira-mar plantado dominado por certa sociedade de corte composta por caciques e carreiristas partidários e umas quantas dúzias de famílias, sem darmos prioridade à política externa e andando essencialmente a reboque dos parceiros europeus. Já dizia Rodrigo da Fonseca que "nascer entre brutos, viver entre brutos e morrer entre brutos é triste”.
Pedro Arroja no Portugal Contemporâneo:
Os dados do emprego são conhecidos com tanta rapidez nos EUA porque eles representam uma estimativa do número de desempregados no mês anterior. Conhecer o número exacto de desempregados - contar cabeças - demora meses. Porém, os métodos de inferência estatística e as técnicas de amostragem estão de tal modo desenvolvidas, que a estimativa nunca difere significativamente daquele que virá a revelar-se o número exacto.
Então, e o INE não tem economistas e estaticistas para fazer estimativas? Claro que tem. Só que as estimativas, se existirem, ficam lá dentro e não saem cá para fora. Para os portugueses, com a sua obsessão pelo pormenor e pelo detalhe, os números que vierem a ser publicados têm de ser os números exactos e definitivos, obrigando a contar cabeças (*) e à demora inevitável deste processo. A consequência é que, enquanto nos EUA, a prontidão das estatísticas faz delas instrumentos privilegiados para a tomada de decisões, em Portugal elas não servem para nada - são peças de história económica.
Trata-se, obviamente, de mais uma manifestação da nossa cultura relativamente à cultura anglo-saxónica em tudo aquilo que diz respeito à esfera pública. A preocupação da cultura portuguesa com o detalhe, o pormenor, a perfeição, a exactidão irrelevante, tornando os portugueses excelentes, às vezes exímios, em tudo quanto o que se refere à esfera privada da sua vida, torna-os, aos mesmo tempo, literalmente, uma cambada de nabos em tudo o que concerne a esfera pública.
Este traço cultural dos portugueses tem pesadas consequências sociais. É como se os portugueses tivessem todos agachados no meio de um campo, em volta de um formiga, a discutirem uns com os outros, a côr dos olhos da formiga, o tamanho das suas patas, a sua forma de caminhar, ao mesmo tempo que, enquanto o fazem, mas sem nunca darem por isso, uma camada de nuvens negras se vai colocando sobre eles. Até ao momento em que a tempestade lhes cai em cima com toda a força, sem que eles tivessem dado por ela.