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Precisamente um mês após a entronização do luso e legítimo Rei D. João IV em pleno Terreiro do Paço, os independentistas catalães proclamaram Luís XIII, Rei de França, como Conde de Barcelona, ou seja, o soberano regional da Catalunha. De pertença a um certo estado de coisas, facilmente passaram a reconhecer outra chefia, por sinal uma que nem sequer era capaz de dizer uma palavra em catalão. Brilhante desespero, sem dúvida.
Iniciando-se assim este pequeno fait-divers em termos de comentário num conturbado fim de semana de todos os perigos e disparates, há ainda a salientar o facto de as televisões portuguesas andarem há dias num afã desmiolado a entrevistarem catalão após catalão residente em Portugal e todos, todos eles, curiosa e inexplicavelmente partidários de uma ruptura total, naquele bem conhecido "depois logo se verá". O problema é mesmo esse, o depois. E o que dizem alguns deles num português arrevesado mas compreensível: ..."la Constitución es muy vieja". Exacto, muito velha de quarenta anos e ficamos então a pensar o que considerarão americanos ou belgas, por exemplo, a respeito dos quase pré-históricos textos que regem as suas vidas. O problema não está na clara sandice, para não dizer estupidez, de quem despreocupadamente tece tais desabafos plenos de consequências. São de prever como qualquer acesa zanga numa mesa de café e acerca de transferências ou de quem é o melhor chuta-bolas do mundo, C. Ronaldo ou Messi.
Vamos então ao que interessa e é muito mais grave.
Temos lido com algum estupor, textículos de alguns causídicos que bem esquecidos do que aprenderam na Faculdade de Direito e na "experiência de vida" que vai dando por aí algumas equivalências, as mais descabeladas teorias onde se mescla um incontido desejo pela incontinência da arruaça na casa do vizinho onde bem gostam de passar férias e o mais retorcido desrespeito pela Lei, algo que acreditamos pautar os seus afazeres profissionais, em suma, a sua vida. Naquelas doutas cabeças, passa a sugestão ..."primeiro há que realizar o referendo seja ele como for", mesmo que ilegal à luz do texto constitucional até agora normalizado e aceite. Depois do golpe feito e já irremediável, rever-se-ia então a Constituição. É a vingançazinha histórica e bastante ignóbil dos nossos cretinos nacionalistas de direita, com perfeita equivalência nos não menos cretinos internacional-nacionalistas da esquerda, geralmente festiva e plena de causas a esquecer ao fim de duas semanas. Não desejam que o seu país dificilmente se torne melhor do que o do vizinho, mas insistem tão só no rebaixamento ao de quem vive ao lado. Por outras palavras, querem que o espanhol sofra o máximo que for possível, mesmo que isso signifique pagarmos todos por tabela. São exactamente os mesmos que há uns tempos justamente se terão indignado com a partilha da Jugoslávia, o rapto do Kosovo pela NATO, a liquidação da Chescoslováquia e daquilo que os mapas conheceram como União Soviética. É o princípio da amiba transferido para as relações internacionais, a divisão que se subdivide até ao infinito.
Ora, considera-se então desconhecerem totalmente o que aqui se tem passado desde há décadas, onde persiste uma certa paz social que bem visto o lastro histórico, é em incomensurável medida, obra dos nossos maiores. Desconhecem isto, pois disso mesmo inconscientemente beneficiam, é a normalidade do dia a dia, o tal direito adquirido que para tudo serve. É o que temos, vemos e lemos.
Se não fosse patético seria trágico. Transplantem essa brilhante sugestão para Portugal e logo afiaremos as facas.
Foi na faculdade que descobri a profissão de intérprete de conferência. Estava no segundo ano do curso de Relações Internacionais quando os meus serviços foram requeridos impromptu. Em 1994, a Universidade Lusíada de Lisboa organizou uma conferência alusiva à arquitectura política da Europa no pós-União Soviética. Para o efeito convidaram um dos conselheiros políticos de Gorbachev, o Prof. Alexander Likhotal, para proferir um discurso sobre o tema, mas, inadvertidamente, os organizadores da conferência esqueceram-se de que necessitariam de um intérprete para o professor russo, uma vez que outros oradores servir-se-iam da língua portuguesa para endereçar as suas palavras ao auditório. Na qualidade de aluno bilingue fui chamado para dar uma mão, e converter as mensagens em língua inglesa para o convidado russo. A técnica de interpretação que empreguei chama-se chuchotage - murmurar directamente para o ouvido do destinatário. O processo é exigente e extenuante, mas descobri um filão profissional interessante e bem pago. No dia seguinte, à americana (sem cordelinhos, cunhas ou amigos), fui bater de porta em porta para oferecer os meus serviços de intérprete, e à laia de beginner´s luck, fui contratado à primeira. A agência de interpretação que me recrutou pôs-me em campo passado pouco tempo. De trabalho em trabalho fui crescendo, tendo tido várias tarefas interessantes. Por exemplo, a interpretação do discurso de tomada de posse do ex-presidente dos E.U.A. George W. Bush em directo na SIC Notícias, ou, mais recentemente, a interpretação consecutiva das conferências de imprensa pre-match and post-match de José Mourinho no âmbito do jogo de futebol entre o Sporting e o Chelsea para a Liga dos Campeões, cujos destinatários foram os espectadores da SKY News, de entre outros de diversas antenas internacionais. Mas o que me traz aqui hoje não se prende necessariamente comigo. Tem a ver com a defesa das virtudes linguísticas dos portugueses. Da minha experiência de intérprete de inglês-português-inglês (ENG-PT-ENG), e com mais de 200 conferências em cima dos ombros, posso concluir, sem reservas de opinião, que os portugueses têm talento para línguas "estrangeiras". Nem queiram comparar um espanhol e um português no que diz respeito ao uso da língua de Shakespeare. Os intérpretes sabem que uma das piores favas que pode sair no bolo é terem de levar com um espanhol a proferir um discurso em inglês. Pode ser que o interlocutor fale em inglês, mas a coisa soa sempre a castellano e causa grandes transtornos cognitivos aos intérpretes. Esta é a verdade, independentemente de estudos académicos que possam conhecer a luz do dia. Numa das conferências em que tive de gramar um espanhol a "discursar" em inglês, levei uma cotovelada da minha colega intérprete, porque, totalmente convencido dos meus préstimos, estava literalmente, e palavra a palavra, a "traduzir" de inglês para inglês, tal era a espanholização da língua - parecia mesmo outra língua. Os portugueses, por seu turno, chegam a qualquer destino e, volvido muito pouco tempo, integram a língua de destino no seu espírito. Conheço múltiplos casos de sucesso. Um amigo, emigrado para a Alemanha há mais de uma década, passados seis meses já tratava a língua alemã por tu. Tenho mais exemplos no bolso, alusivos ao especial talento dos cidadãos portugueses para aprender línguas que não a de Camões, camones, mas quedo-me por aqui. Se me derem a escolher, nem sequer hesito, os portugueses ocupam um lugar no pódio. Quanto aos espanhóis, perdoem-me o desabafo, são uma dor de cabeça quando se põem a chalrar em inglês.