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Infelizmente, um artigo que escrevi em 2014, publicado na Revista Portuguesa de Ciência Política, do Observatório Político, envelheceu bem. Intitulado "A crise do euro e o trilema do futuro da União Europeia", nele procedi a um diagnóstico das falhas estruturais da União Económica e Monetária (UEM) e a um arriscado exercício de prospectiva sobre o futuro do Euro e da União Europeia.
A grande diferença para o momento actual é que o coronavírus afecta todos os países, mas as falhas estruturais existentes desde a criação da UEM permanecem, independentemente dos instrumentos entretanto criados. A UEM não é uma Zona Monetária Óptima e é uma união monetária incompleta - sem uma união orçamental com mecanismos de correcção de desequilíbrios nas balanças correntes e uma união fiscal que permita uma gestão macroeconómica conjunta - que retirou aos países instrumentos de política monetária autónoma, mormente a taxa de câmbio e a capacidade de emissão de moeda e controlo da massa monetária em circulação, bem como a emissão de dívida numa moeda própria - algo que Paul De Grauwe assinalou ser essencial para compreender a então crise do Euro. Juntando-se a isto um Banco Central Europeu desenhado à imagem do Bundesbank - um banco central independente, com uma política monetária centrada na estabilidade de preços e na proibição do financiamento monetário dos défices públicos – bem como um Pacto de Estabilidade e Crescimento que limita os défices orçamentais a 3%, a UEM é, na verdade, um colete-de-forças.
A isto acresce que o Euro é uma moeda que não reflecte a economia real dos países europeus, sendo subvalorizada para as economias do norte e sobrevalorizada para as do sul, o que potencia as exportações do norte. Em virtude das fragilidades da UEM, e dadas as grandes diferenças em termos de produtividade e competitividade entre os países que a compõem, estes estão sujeitos a divergentes tendências económicas, sendo os défices comerciais de uns a contrapartida dos excedentes de outros. Isto explica que os excedentes comerciais da Alemanha fossem então os maiores do mundo, incluindo a China, e 40% destes excedentes provinham do comércio com países da Zona Euro.
Ora, perante a actual crise do coronavírus, o suporte à economia europeia e o seu relançamento têm de ser feitos de forma coordenada, sob pena de desintegração da Zona Euro e da União Europeia. Não basta accionar a cláusula de exclusão do Pacto de Estabilidade e Crescimento e eliminar o limite de 3% para o défice, e talvez nem sequer os eventuais eurobonds sejam suficientes para lidar com a crise económica - embora sejam essenciais. Se países como a Alemanha, Holanda, Finlândia e Áustria insistirem numa postura míope e na ausência de visão estratégica que tem caracterizado os seus governos ao longo da última década, poderemos vir a assistir ao fim do Euro e da União Europeia como a conhecemos. Se finalmente forem capazes de perceber o que até há uns anos era uma platitude sobre o projecto de integração europeia, a ideia de que este se aprofundava em resultado das crises, talvez a UE possa ser a tal ever closer union e permanecer um actor global relevante.
Caso estes países mantenham a lamentável postura que conduziu ao agravamento da crise do Euro e à imposição de pacotes de austeridade excessiva, então estará na hora de sairmos do colete-de-forças, por mais difícil que seja. O trilema que elaborei no artigo supramencionado colocava então como futuros cenários a manutenção do statu quo, com os países do sul subjugados aos interesses da Alemanha e afins, o fim do Euro (em duas vertentes, que desenvolverei de seguida) ou o aprofundamento do processo de integração por forma a completar a união monetária com a união política. Por ora, deixo um excerto do que então escrevi:
A segunda opção é a já referida possibilidade do fim do euro, recuperando os países da Zona Euro a capacidade de emitirem moedas próprias, ou, pelo menos, o seu fim nos moldes em que o conhecemos, através da cisão da actual Zona Euro, que se pode dar pela saída dos países do Sul ou dos países do Norte, e que poderá levar ao eventual estabelecimento de uma segunda zona monetária no seio da UE. Neste caso, ambas seriam, em princípio, ZMOs, pelo que não seria estritamente necessário aprofundar a integração no plano político – este argumento poderá ser particularmente cativante para os anti-federalistas –, ainda que esta até possa ser prosseguida. Esta solução, na sua primeira variante teria resultados muito incertos e potencialmente catastróficos. Na sua segunda variante, que podemos considerar como de mudança relativamente moderada, se comparada com a terceira solução, que já veremos, no curto prazo seria favorável aos países do Sul e desfavorável à Alemanha. Porém, evitaria os resultados que adviriam da primeira opção do trilema, sendo favorável à Alemanha a longo prazo, pelo que acabaria por beneficiar a UE no seu todo. Todavia, dificilmente a Alemanha poderá ser persuadida a declarar o fim do euro ou para a criação de uma segunda zona monetária. Em qualquer das suas variantes, esta proposta parece-nos irrealista em termos práticos, embora pudesse ser a solução economicamente mais racional. Acontece que a Alemanha está actualmente numa posição muito confortável, com um euro fraco que favorece as suas exportações, tornando-a a economia mais competitiva da Zona Euro. Ademais, encontra-se, em parte em resultado disto, de forma indisputada na liderança política da UE, tendo a cooperação entre países soberanos sido relegada em favor de uma dominação de facto por parte de Berlim. Estamos em crer que não há registo histórico de uma potência hegemónica ter abdicado voluntariamente da sua posição.
(...)
Por outro lado, muito se tem falado de uma união entre os países do Sul contra os do Norte, com vista a procurar minorar a austeridade excessiva. Talvez esta ainda não tenha acontecido porque não só alguns governos dos países do Sul acreditam que o diagnóstico está correcto, como também não têm um objectivo político comum bem definido que possa subjazer a uma frente contra os países do Norte.
No momento actual, talvez a necessidade de fazer face à crise económica resultante do coronavírus seja o objectivo político comum de que os países do Sul necessitam para rebentar o colete-de-forças em que se encontram.
No século XIX Antero de Quental propôs três razões para o estado do País de então:
A Reforma Católica e a acção dos Jesuítas;
O centralismo do país como resultado da Monarquia Absoluta
Uma economia debilitada pela Expansão Portuguesa.
Ora, hoje a Igreja não tem qualquer poder na sociedade portuguesa, não existe Monarquia (muito menos absoluta) e da Expansão Portuguesa resta pouco mais do que dois arquipélagos e a ilhota das Berlengas.
Se Antero voltasse, quais seriam, pois, as suas explicações para a recente quase bancarrota da República, o tempo de austeridade e o subsequente período de euforia?
Talvez o grande intelectual açoriano olhasse para as questões macroeconómicas, para os laços que hoje nos ligam à Europa e não aos territórios ultramarinos que tanta discussão geravam no seu tempo. Talvez questionasse a própria República, a partidocracia e os seus índices de corrupção. Talvez não se revisse no Socialismo tal qual ele é arvorado hoje em dia como garante de um escol de líderes e não como socorro dos mais necessitados.
Mas vendo a perda de influência da Igreja Católica, hoje reduzida a um lugar quase pitoresco, talvez Antero se voltasse para um fenómeno que parece ter ocupado o seu lugar: o Futebol. É curioso e ao mesmo tempo macabro e irónico que o «foot-ball» tenha chegado a Portugal pela mão da nossa «Aliada» Inglaterra, na mesma altura que esta nação «Amiga» nos impôs um Ultimatum (1890) e a cujo acto devemos uma das maiores crises da nossa História. Crise que, aliás, contribuiu para o suicídio de Antero em 1891.
Ora, nunca, como hoje, se impõe voltar a procurar as Causas para a Decadência dos Povos Peninsulares. Portugal e Espanha vivem reféns do futebol: ele determina a ascensão e queda dos políticos e até de nações (veja-se o caso da Catalunha), contribuiu para o adormecimento da opinião pública e do eleitorado e é utilizado como forma de propaganda para exacerbar identidades locais, regionais ou nacionais.
Para que servem os símbolos das nações de hoje que não seja para abrir, assistir ou justificar jogos de futebol?
Todo o ócio e toda a vida desportiva (e cultural) das massas gira em volta desse desporto. E os seus intervenientes tornaram-se semideuses, para os quais se voltam milhares de fãs e adeptos, procurando modelos e conforto para as suas vidas - de resto muito distantes das deles, ricos e poderosos.
Dificilmente em algum tempo algo foi tão consensual como o futebol. Na nossa política caseira, por exemplo, o futebol é algo que une a Esquerda à Direita, o Rico e o Pobre: é tema intocável, indiscutível e inalienável.
Ainda hoje se critica a Igreja Católica, outras igrejas e seitas religiosas e até alguns regimes ditatoriais pela facilidade com que operam mudanças e lavagens nas mentes dos indivíduos, mas desconfio que se o Cristiano Ronaldo ou outro qualquer jogador-ídolo sugerisse aos adeptos que o veneram como modelo heterossexual, de homem rico, bonito e mulherengo para baixarem as calças, poucos seriam os machos lusitanos que resistiriam ao apelo.
E nisto se resume o Estado da Nação.
Há uma boa dúzia de anos visitei Portugalete, Bilbau. Mas isso não vem ao caso. O que vem ao caso é a preocupante constatação de que os meus compatriotas, que agora vêm em força a Portugal, são apenas turistas. Ou seja, na maior parte dos casos envergonham-me - "Oh, wow! Isn´t that neat?" ou "Are you good?". Enfim, deixem-nos vir à vontade para deixar o pilim, mas não lhes perguntem sobre o Brexit, sobre as eleições na Áustria, sobre a Troika - eles pouco ou nada sabem. E foi essa insularidade existencial que elegeu Trump. Tenho a nacionalidade, mas sou crítico como o raio em relação ao dossiê. Não confundamos certas coisas. A "inteligência" americana existe no topo do topo da Ivy League, nos centros de investigação confortados pelas dotações milionárias de civis que escalaram com labor e suor a pirâmide da sociedade. Os americanos que me confortam são aqueles que não tornam à federação. São aqueles que têm uma epifania repentina (não são todas repentinas?) e decidem que ainda vão a tempo de cultivar vistas largas e abandonam a América com a carga pronta e metida nos contentores. Eu sei, também se pode tecer críticas ao atraso de vida em Portugal. Mas hoje não estou para aí virado. Acho que fiquei mesmo irritado quando ontem me cruzei com um compatriota relativamente vocal que envergava uma sweatshirt com o seguinte estampado: "Detroit Dog Savers". E pronto. Fico-me por aqui. Hoje há bola?
A bandeira de Porto Rico, plagiada pelos independentistas catalães.
Para se ser bom português, há que odiar espanhóis. Não vem ao mundo em Portugal quem não saiba que de Espanha, nem bom vento nem bom casamento.
De facto, nas últimas semanas o lusito exaltou com a intentona independentista catalã, pois crê piamente que inimigos dos inimigos seus amigos são.
Antes, porém, se um português visse um catalão, não o distinguiria de um basco, galego ou de um andaluz, mas as redes sociais dos últimos meses mostram-nos um lusitano culto, com conhecimentos acima da média. Deixou a bola por alguns dias e estudou a História da Catalunha concluindo que desde a Pré-História aquela região reclama pela liberdade subjugada por esses malditos espanhóis.
Desconhece as tentativas de D. Manuel I para reinar na Península Ibérica (Catalunha incluída) ou que a coroa espanhola foi no séc. XIX ofertada a D. Fernando, consorte de D. Maria II, mas garante que Afonso Henriques foi uma espécie de Puigdemont que também realizou um referendo, rasgando à frente da sua mãe, D. Teresa de Leão, a Constituição Espanhola!
Até Miguel Esteves Cardoso embarcou nesta lide romântica, primeiro com um clikbait, usando a ironia para rebaixar o maligno império espanhol, depois para (ainda que monárquico confesso, diz) insultar o rei de Espanha e apoiar o arrimo catalão.
Do português que milita nas redes sociais não espero muito, pois a sua má gramática representa-o. Mas de MEC esperava bom senso, pelo menos no tempo em que era escritor sério e não o actual mau crítico de gastronomia pago por restaurantes de duvidosa confiança.
MEC tem todo o direito a apoiar qualquer grupo terrorista, em qualquer parte do mundo. Mas convenhamos, basta estudar a sério (e não vale recorrer à Wikipédia) para que perceber que o movimento independentista catalão não é nem nunca foi espontâneo, consensual e orgânico. Um eleitorado urbano de Esquerda, Republicano e Revolucionário constrói, desde o século XIX, a ideia de uma consciência barcelonesa, com que valencianos, habitantes de Navarra, Aragão e franceses não se identificam.
É claro que estamos perante a primeira revolução separatista feita pelas redes sociais. Sem as estratégias violentas da ETA ou do IRA, os separatistas catalães utilizam a manipulação social e mediática. Não há maior arma do que a palavra. Basta analisar o perfil social e político desta gente, como o fez Jorge Almeida Fernandes: «[o independentismo catalão] tem também mais êxito entre pessoas com estudos universitários ou pós-graduações, que é um indicador de classe e indicia rendimentos altos».
Não existem, porém, hoje, Simões Bolivares ou Garibaldis, montados a cavalo e lutando por ideais oitocentistas. O melhor representante da Catalunha é um ex-jornalista, que foge num avião, encena um exílio, transforma-se em mártir de um velho medo imperialista e acena com o odioso franquismo, tão útil às Esquerdas espanholas para justificar toda e qualquer oposição.
Numa coisa MEC tem razão. A apropriação da Península Ibéria pela Hispânia que sempre absorveu o velho reino, hoje república portuguesa, diluiu-nos numa geografia fatal. Mas se pensarmos na ideia da jangada de pedra inventada por Saramago, aquele bocado do calhau que quer separar-se é sinal de naufrágio.
E depois não teremos só espanhóis para odiar. Odiaremos nós os galegos e os andaluzes? Os catalães e os bascos?
É que orgulhosamente sós nesta jangada estamos nós há mais de 800 anos.
#catalunha #catalonya #puigdemont
A Europa das luzes, da superioridade civilizacional, do legado dos impérios coloniais, prepara-se para recuar na história e tornar a plantar um factor de dissensão no presente, no seio da União Europeia. O ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, Alfonso Dastis, não descarta a possibilidade da prisão de Puidgemont. A acontecer, seremos forçados a designar a detenção de prisão política. O governo de Madrid invoca a legalidade constitucional e a traição do lider catalão, mas arrisca-se a promover ódios e reacções mais profundas. Se Puidgemont é o inimigo a abater, então Rajoy e Saenz devem usar a máxima do padrinho, de D. Corleone - keep your friends close, but your enemies closer. Quer a ficção quer a história oferecem lições importantes. Em 1815, o Congresso de Viena foi concebido para reintegrar França no sistema europeu após a derrota napoleónica. Ou seja, a humilhação política é um mecanismo contraproducente - existem imensos exemplos na história europeia. Madrid, envolve-se deste modo, semi-voluntariamente, num processo de reasserção juridificante através do qual poderá ter de chamar a si prerrogativas de controlo político que obrigam a uma profunda revisão constitucional. A reciprocidade da violência poderá correr em linhas paralelas a mecanismos de ajustamento jurídico, através dos quais Madrid anula as benesses das periferias granjeadas com o estatuto de governação autónoma. Nesse sentido poderemos traçar comparações com as movimentações recentes do regime erdoganiano (Erdogan, Turquia). A manifestação de hoje, a favor da união espanhola, comparticipada por centenas de milhares de pessoas, pode gerar efeitos diversos ainda mais ousados. A emenda da união de Madrid pode ser pior do que o soneto da independência da Catalunha. Deve haver algum cuidado para que o tiro não saia pela culatra - que o nacionalismo espanhol não seja acordado, para pôr em marcha purgas mais alargadas em nome de uma bandeira intransigente. A prisão de Puidgemont, a acontecer, pode gerar atritos entre a Espanha e os valores democráticos que a União Europeia tanto apregoa. Afinal, pode não ser necessário viajar à Turquia para coleccionar exemplos de censura política e perseguição policial. Uma orbanização iliberal (Órban, Húngria) que seria uma outra via, seria propensa ao isolamento do estado unitário espanhol no contexto do concerto comunitário da União Europeia. As implicações, in extremis, que decorrem das perguntas colocadas pelo desafio catalão, poderão incluir a sugestão da "desfederalização" da Espanha, mesmo que a mesma esteja configurada juridicamente enquanto entidade unitária. A pergunta mais pragmática que talvez se possa formular será a seguinte: existirá uma modalidade menos lesiva para a unidade espanhola do que a remoção de poderes autonómicos à Catalunha? Veremos como irão cambiar de tércio em Espanha, e como irão domar o touro. A faena vai ser longa.
gravura: Francisco Goya
Os Estados Unidos perderam a Guerra do Vietname. O Presidente John Fitzgerald Kennedy foi assassinado. O muro de Berlim caiu. O que têm em comum estes três eventos? O desfecho de cada um foi determinado pela vontade humana. De nada valeram constituições, escaladas militares ou a construção de vedações. O mesmo sucede na Catalunha. Olhemos com rigor para o que sucede, e para além dos tratados redigidos em Madrid. Esqueçamos Bruxelas e a União Europeia. O povo, mesmo que desunido, é quem mais ordena. Assistimos chocados, do conforto da nossa poltrona de superioridade intelectual e civilizacional, à História. Ao desenrolar de eventos que polvilham o cenário dinâmico da história política da Europa, mas também do resto do mundo. Sempre assim foi, e decerto que assim continuará a ser. No seio da Europa da União, da paz imaginada por Schuman e outros estadistas no rescaldo da segunda Grande Guerra, registamos agora algo inédito com consequências potencialmente surpreendentes, violentas. Madrid, se quiser fazer valer os factores de coesão da união espanhola, terá de implementar medidas de coacção que em muito transcendem a estrutura administrativa e política forjada em documentos validados por assinaturas. Não creio, dado o extremar de posições, e a efectiva Declaração de Independência da Catalunha, que exista uma mecânica possível de reversibilidade, de regresso ao status quo anterior. Prevejo o uso de força de Madrid, numa primeira fase moderada e, numa segunda fase, na sequência da contra-resposta dos independentistas de facto, um agudizar dos métodos repressivos e uma escalada da resposta da Catalunha. Não esqueçamos que Espanha detém um legado que facilita a disposição das peças no tabuleiro. O regime de Franco aperfeiçoou os métodos, que com a revolução foram metidos na gaveta, mas que não foram inteiramente esquecidos. A Europa pode muito bem ganhar mais uma república, mesmo que a UE não venha a somar ou a subtrair um membro - o artigo 155 não parece valer grande coisa.
Já todos ouvimos falar desde há muito acerca daquilo que o homem comum catalão julga pensar acerca de todos os outros que o rodeiam. É mesmo um daqueles fait-divers que a insuspeita Dª Clara Ferreira Alves, fazendo a cara o mais desagradável que lhe foi possível, apontou há duas semanas na sua charla semanal. Tem razão. Dois minutos bastaram para encontrar o que subrepticiamente também está em causa e não são apenas lendas urbanas ou desabafos de hooligans do Barça.
Deixemos então as caves do independentismo e subamos os degraus em direcção ao terraço deste prédio que certamente não foi desenhado por Gaudi e muito menos ainda decorado pelo surrealismo do Dali de Figueres.
Estamos prestes a transformar certa gente em ícones da pausa para o café, apenas sendo um facto permanecermos garantidamente livres de um dia, dada as imagens que nos entram diariamente sala adentro, vermos aqueles semblantes estilizadamente reproduzidos em camisetas ao estilo Che. Korda não se interessaria por imortalizá-los, especialmente o tal Puigdemont, demasiadamente confundível com uma esfregona em saldo no Mini Preço.
O que dizem ou disseram eles para além do auto-proclamadamente correcto que as televisões mostram?
Entre outros ditos públicos, segundo Oriol Jonqueras ...“Hay 3 Estados (¡sólo 3!) donde ha sido imposible agrupar toda la población en un único grupo genético. (…) En el Estado español, entre ‘espanyols’ y catalanes. En concreto, los catalanes tenemos más proximidad genética con los franceses que con los ‘espanyols’; más con los italianos que con los portugueses; y un poco con los suizos. Mientras que los ‘espanyols’ presentan más proximidad con los portugueses que con los catalanes y muy poca con los franceses”.
Ne cherchez plus, sabemos bem onde ele quer chegar, aliás estamos todos historicamente a isso habituados.
A ERC - Esquerra Republicana de Catalunya - não se fica por aqui, foi e ainda vai mais longe, muito mais longe. Heribert Barrera, o já falecido e histórico líder da agremiação, para além dos considerandos acerca da diferente inteligência entre brancos e negros, também dizia há uns tempos que (seria necessário) ...“esterilizar a los débiles mentales a causa de un factor genético (...) si continúan las corrientes migratorias, Cataluña desaparecerá; hay que evitar la inmigración no catalana”.
Evidentemente estava a referir-se aos que chegaram desde há décadas de outras partes de Espanha.
Deixando o cada vez mais ancho de ventos Jonqueras e o seu alter ego Barreras, em duas penadas passemos ao putativo pai do independentismo actual, o fugidio Pujol. Eis o que ele não só disse, como escreveu ...“El hombre andaluz es un hombre anárquico. Es un hombre destruido, un hombre poco hecho, un hombre que hace cientos de años que pasa hambre y vive en estado de ignorancia y de miseria cultural, mental y espiritual. Es un hombre desarraigado, incapaz de tener un sentido un poco amplio de comunidad”.
O que puderá ele ainda mais resmungar dentro de portas ?
O resto surge neste texto e não é aqui publicado para não ofender os leitores mais sensíveis. Não é o que se costuma ler antes de certos programas televisivos? Pois estamos na mesma situação.
Lá para o fim da tarde ficaremos todos elucidados acerca do assunto do momento, aliás, dos dois assuntos da semana. Um deles aconselha o fazer de conta passar despercebido, pois não parece e não é uma boa ideia infestarmos a casa vizinha com ratazanas que mais cedo do que imaginaríamos, invadirão a nossa despensa. O outro é um daqueles inevitáveis temas que bem sabemos depender totalmente "de nós". É o único que por paradoxal que possa parecer, deveria mobilizar todas as nossas línguas, comentadoreirismo e entusiasmos.
Bem faz o governo em manter-se a milhas da Santa Bárbara que alguns incendiários querem fazer rebentar. A existência de Portugal nos últimos negligenciáveis e pouco significativos 800 e tal anos, prova que somos capazes de mais ou menos satisfatoriamente resolvermos alguns assuntos eternamente pendentes. Assim continuará a suceder se mantivermos a mesma política que já vem desde os tempos do pai, do avô e bisavô do actual regime. Não acreditam? Olhem para o mapa, está lá tudo, aquele "é o que há" que nos garante algumas certezas.
Quanto aos atingidos pelos entusiasmos da "Deputação a Baiona", um prudente conselho: vão buscar os aventais, coloquem-nos à cintura, dirijam-se à vossa cozinha e aproveitem para o fritar de umas dúzias de deliciosos e estaladiços croquetes. Acompanhados por copos de vinho tinto ou a mais típica cervejola, são o acepipe ideal para verem o jogo de logo à noite. Como sempre, estamos naquele ponto de tudo depender "de nós". Bom proveito.
Penso, imodestamente, que devemos olhar para o big picture e não tropeçarmos em simplificações ideológicas ou nacionalistas. O que decorre na Catalunha transcende a noção de legitimidade constitucional do referendo. Assistimos, um pouco por toda a Europa, a níveis de insatisfação económica e social das populações que depositaram grande fé política nas decisões de administrações centrais. Quer Madrid quer a União Europeia das Comissões e Parlamentos, dos regulamentos ou dos fundos estruturais, não foram capazes de interpretar os anseios das suas gentes. A Catalunha tem sido um contribuinte importante para o erário público de Espanha e, decorrente desse facto, esperava mais retorno do investimento político realizado. Observamos um evento que poderá ser designado por um "processo de descolonização". O império espanhol é composto por regiões que reclamam historicamente a sua independência e, à luz dessas mesmas considerações, a "luta armada" a que assistimos hoje (e os feridos resultantes da mesma), fazem parte do mesmo esquema de sucessão colonial - existem semelhanças entre os processos de separação que são flagrantes. E nem é preciso viajar a África ou à América Latina. A ex-Jugoslávia também havia empacotado no seu "Estado" um conjunto de nações e culturas dissonantes, uma lista de línguas maternas e um rol de dissidências internas de natureza política, social, económica e étnica. A repressão policial de Madrid, conduzida em nome da legalidade constitucional do referendo, servirá apenas para agudizar as posições, distanciar ainda mais aqueles que fazem fé da independência da Catalunha daqueles que desejam (a qualquer custo) a união de Espanha. Quando a violência eclode deixa de haver grande margem para um regresso saudável à mesa de negociações. Passam a valer ferramentas de toda a ordem. Não nos esqueçamos dos danos causados pela luta "por outros meios" da ETA - o terrorismo e as mortes violentas. O governo de Madrid enfrenta deste modo alguns dilemas existenciais. Remete o cidadão trans-regional para os tempos de censura e repressão de Franco e ao mesmo tempo promove a luta política (por outros meios) dos independentistas. Tinha a intenção de me afastar de considerações de ordem ideológica, mas não resisto à tentação. Estranho, de um modo visceral, que a Esquerda não esteja alinhada com a luta de um povo que reclama para si elementos absolutamente lineares; a possibilidade de escolher o seu destino enquanto aglutinador dos vectores nação, território, língua e poder político. A Espanha está em apuros, mas não será a única. Os factores de desagregação do conceito de união estão em alta. Foram muitos erros cometidos em Espanha, mas também na União Europeia. Não chamemos nacionalismo a esta manifestação de vontade. Essa é a arrumação clássica, fundamentalista, daqueles que não compreendem como nascem Estados e como findam impérios.
Retrospectivamente saberemos interpretar a importância do que sucede na Catalunha.
Precisamente um mês após a entronização do luso e legítimo Rei D. João IV em pleno Terreiro do Paço, os independentistas catalães proclamaram Luís XIII, Rei de França, como Conde de Barcelona, ou seja, o soberano regional da Catalunha. De pertença a um certo estado de coisas, facilmente passaram a reconhecer outra chefia, por sinal uma que nem sequer era capaz de dizer uma palavra em catalão. Brilhante desespero, sem dúvida.
Iniciando-se assim este pequeno fait-divers em termos de comentário num conturbado fim de semana de todos os perigos e disparates, há ainda a salientar o facto de as televisões portuguesas andarem há dias num afã desmiolado a entrevistarem catalão após catalão residente em Portugal e todos, todos eles, curiosa e inexplicavelmente partidários de uma ruptura total, naquele bem conhecido "depois logo se verá". O problema é mesmo esse, o depois. E o que dizem alguns deles num português arrevesado mas compreensível: ..."la Constitución es muy vieja". Exacto, muito velha de quarenta anos e ficamos então a pensar o que considerarão americanos ou belgas, por exemplo, a respeito dos quase pré-históricos textos que regem as suas vidas. O problema não está na clara sandice, para não dizer estupidez, de quem despreocupadamente tece tais desabafos plenos de consequências. São de prever como qualquer acesa zanga numa mesa de café e acerca de transferências ou de quem é o melhor chuta-bolas do mundo, C. Ronaldo ou Messi.
Vamos então ao que interessa e é muito mais grave.
Temos lido com algum estupor, textículos de alguns causídicos que bem esquecidos do que aprenderam na Faculdade de Direito e na "experiência de vida" que vai dando por aí algumas equivalências, as mais descabeladas teorias onde se mescla um incontido desejo pela incontinência da arruaça na casa do vizinho onde bem gostam de passar férias e o mais retorcido desrespeito pela Lei, algo que acreditamos pautar os seus afazeres profissionais, em suma, a sua vida. Naquelas doutas cabeças, passa a sugestão ..."primeiro há que realizar o referendo seja ele como for", mesmo que ilegal à luz do texto constitucional até agora normalizado e aceite. Depois do golpe feito e já irremediável, rever-se-ia então a Constituição. É a vingançazinha histórica e bastante ignóbil dos nossos cretinos nacionalistas de direita, com perfeita equivalência nos não menos cretinos internacional-nacionalistas da esquerda, geralmente festiva e plena de causas a esquecer ao fim de duas semanas. Não desejam que o seu país dificilmente se torne melhor do que o do vizinho, mas insistem tão só no rebaixamento ao de quem vive ao lado. Por outras palavras, querem que o espanhol sofra o máximo que for possível, mesmo que isso signifique pagarmos todos por tabela. São exactamente os mesmos que há uns tempos justamente se terão indignado com a partilha da Jugoslávia, o rapto do Kosovo pela NATO, a liquidação da Chescoslováquia e daquilo que os mapas conheceram como União Soviética. É o princípio da amiba transferido para as relações internacionais, a divisão que se subdivide até ao infinito.
Ora, considera-se então desconhecerem totalmente o que aqui se tem passado desde há décadas, onde persiste uma certa paz social que bem visto o lastro histórico, é em incomensurável medida, obra dos nossos maiores. Desconhecem isto, pois disso mesmo inconscientemente beneficiam, é a normalidade do dia a dia, o tal direito adquirido que para tudo serve. É o que temos, vemos e lemos.
Se não fosse patético seria trágico. Transplantem essa brilhante sugestão para Portugal e logo afiaremos as facas.
Liga-se a televisão ou liga-se o feicebuque e o tema do momento é sempre o mesmo: Catalunha, explodindo excitações infantis acerca de algo que a esmagadora maioria não conhece e reacciona com aquele típico porque sim ou porque não. Uma das parvoíces mais propaladas remete-nos a 1640, quando no contexto da longa e desastrosa Guerra dos 30 Anos, a elite da Catalunha resolveu separar-se de Espanha. Aos catalães "devemos a independência", aos catalães isto, aos catalães aquilo, é um chorrilho incessante de ignorância que nos entope os ouvidos. Nada disto seria muito importante se fosse apenas dito por aquelas doutas cabeçorras até aqui partisans do "open your borders", subitamente caídos de joelhos perante o deslumbramento de "mais uma revolução", por muito burguesa e xenófoba que seja. E é mesmo: xenófoba, egoísta e burguesa.
A verdade é simples e bem diversa. Ainda durante a primeira metade do século XVII o declínio militar, político e económico de Espanha era evidente, apesar da União de Armas engendrada por Olivares. Ao contrário do condado de Barcelona e zonas anexas, partes da já simbólica coroa de Aragão, Portugal era um reino distinto, o outro elemento de uma união dual que lhe garantia moeda, bandeira, alfândegas, forças armadas e um império colonial autónomo. Os inimigos tinham-se tornado nos mesmos, pois as emergentes potências marítimas - Inglaterra, Holanda e até um certo ponto a França -, tinham no Portugal dos Áustrias um alvo preferencial, enfraquecido pela ausência de uma Corte própria capaz de participar nos meandros internacionais da diplomacia e arranjos geopolíticos. A situação era deveras má, fosse a interna ou aquela existente nas possessões do Atlântico ou no Índico. Portugal era oportunamente atacado e contra os portugueses teciam-se as mais desmioladas estórias de difamação, apontando aos lusos a estranha tendência para se miscigenarem "com animais", ou seja, negros, indianos, índios ou extremo-orientais asiáticos. Após os auspiciosos acontecimentos de 1640 escrever-se-iam páginas e páginas de justificações neste preciso sentido, destinadas sobretudo a uma Europa espantada pela guerra de autêntico extermínio que os holandeses, por exemplo, faziam a um país recentemente libertado da tutela da Casa de Áustria.
Vamos então às vantagens óbvias que a Restauração implicava para os jogos geoestratégicos de então:
1. O controlo das vias marítimas.
Basta-nos olhar para o mapa e a situação portuguesa de hoje é precisamente a mesma daqueles tempos. Portugal situa-se a meio caminho da ligação do Mediterrâneo com o Mar do Norte e Báltico; Portugal é uma costa fronteira às ligações marítimas da Europa e das suas então possessões coloniais nas Américas, África e Ásia. mesmo sequer sem contar com o seu vasto património ultramarino, convinha Portugal não estar dependente de Madrid e do seu vasto império sul e centro americano.
2. A posição privilegiada do porto de Lisboa, onde desembarcavam artigos trazidos pelos intermediários portugueses que aqui faziam negócios com as potências, umas mais relevantes do que outras e todas elas desejosas da obtenção de porcelanas, perfumes, pedras preciosas, marfim, panos, especiarias, açúcar, madeiras e outros artefactos coloniais. Se Portugal pudesse servir de recolector, talvez fosse mais lucrativo aos nórdicos limitarem-se a abastecer os seus navios comerciais numa Lisboa livre das limitações que a pertença à União Ibérica significava.
3. Havia interesse internacional na emancipação nacional, aliás desde sempre desejada pela grande maioria dos portugueses de todos os extractos, fossem eles o do povo miúdo, burguesia mercantil ou orgulhosa nobreza da então desaparecida Corte. A pertença das possessões portuguesas à mesma dinastia reinante em Castela, Aragão - a Espanha propriamente dita -, Nápoles, Sicília, Milanado, Franco-Condado e Países Baixos espanhóis, tornava mais difícil equilíbrio europeu, num momento em que as conclusões da Paz da Vestefália ainda pareciam distantes, conclusões essas que durante mais de um século e meio definiriam as relações internacionais nos seus múltiplos aspectos, aliás alguns deles ainda bem presentes nos nossos tempos. O rei de Espanha - Castela, Aragão e a Navarra peninsular - era também rei de Portugal, um território distinto e como tal reconhecido em Tomar por Filipe II, tornado I de Portugal.
A Restauração viria, fosse ela desencadeada no 1º de Dezembro ou mais tarde, fruto do interesse internacional. Em 1701 rebenta a Guerra da Sucessão de Espanha e ao contrário da revolta catalã anterior que sintomaticamente logo proclamou Luís XIII como seu soberano e tornando-se assim num mero apêndice da mais vasta política de guerras anti-Casa de Áustria veiculada por Richelieu, em Portugal voltou-se rapidamente à legitimidade usurpada nas Cortes de Tomar, quando a Duquesa de Bragança foi espoliada pelo seu primo Filipe II. Era ela a herdeira legal e legítima, disso não existe a menor dúvida. Assim sendo, em termos jurídicos a questão nem sequer poderia colocar-se, apenas prevalecendo o poder da força militar e do dinheiro que provisoriamente comprou consciências e lealdades.
Em 1701 defrontava-se a Casa de Áustria com a Casa de Bourbon, ambas com direitos legais evidentes ao trono espanhol. Enquanto a parte substancial de Espanha alegremente acolheu os ímpetos reformistas da nova dinastia vinda de Versalhes, a Catalunha - e não Aragão de quem dependia -, proclamou o arquiduque Carlos, o futuro imperador Carlos VI com um entusiasmo tal que bem depressa fez esquecer a revolta que alguns, hoje e em Portugal, apontam como salvadora da nossa Restauração: Carlos era um Áustria como Filipe IV. Se a Restauração tivesse fracassado e o rol de confrontos militares fosse diferente do que aquele registado pela história, politicamente o caso português continuaria em aberto não apenas por questões internas, mas sobretudo pelo interesse externo. Porquê? Porque sem dúvida, anos mais tarde e na conclusão do conflito que partilhou o património espanhol na Europa, existe uma clara evidência do território português e as depauperadas dependências coloniais que ainda nos restassem seriam outorgadas ao esbulhado Carlos de Habsburgo, ou até, quem sabe?, à Casa de Bragança. Não podemos agora saber o que teria ocorrido aquando da morte de Carlos II de Espanha, mas é quase certo que em Lisboa o assunto seria tratado de outra forma do que o aguardar de ordens. As potências assim o exigiriam e a oportunidade era demasiadamente tentadora para não ser levada avante. O equilíbrio europeu assim o exigia e com ele, o controlo das vias marítimas.
Agora o caso é bem diverso. Temos uma historicamente rara e excelente relação com Madrid e com Espanha partilhamos a fronteira, os principais rios que nascendo no seu interior desembocam no litoral português, assim como as vias de acesso terrestre à Europa. Partilhamos a garantia da segurança no flanco sudoeste europeu. A Espanha é o nosso principal cliente e o nosso primeiro fornecedor. Com Espanha participamos em varias instituições internacionais, sejam elas a U.E., a NATO ou a Ibero-América.
A verdade? A última coisa que quereremos é um conflito interno no nosso único vizinho e não se arrisca muito quando se afirma ser para Portugal desejável uma Espanha unida, em paz e também muito próspera. Desejar o contrário é uma sandice dos entusiastas do "one world, open your borders", exactamente os mesmos que agora desejam mais uma fronteira ainda para mais instável e não reconhecida ou um potencial emirato a longo prazo. Pensarem que os espanhóis, todos eles, sejam eles os castelhanos, galegos ou outros aceitarão encolhidos uma secessão catalã sem uma resposta à medida do desafio, é lamentável, denotando uma inconsciência perante as realidades.
Não nos convém, é tudo e mais importante ainda, nem sequer convém aos próprios catalães, já senhores de uma vasta autonomia, bandeira, hino e outros aspectos essenciais ao seu desmedido orgulho, tão amplo e exclusivo como o dos próprios castelhanos.
Para a nossa tranquilidade, o mapa da península deverá continuar a ser aquele que conhecemos desde o século XVIII: Portugal, Espanha, Andorra e uma possessão britânica, Gibraltar.
Não é preciso ser constitucionalista ou estudioso de sistemas políticos para entender o que sucede na Catalunha. Basta olhar para a história e aceitar que são precisamente conflitos e rupturas que estão na origem de Estados, e que a base nacional tem sido o fundamento para a sua fundação, tendo em conta o que resulta desse marcador importante que é a Paz de Westfália de 1648. Por mais que o governo central de Madrid tente proibir a consulta popular à independência da Catalunha, a mesma não deve depender de autorizações "excêntricas", ainda que legitimadas pelo poder político - nenhum governo, dada a sua natureza integracionista, autorizaria um movimento secessionista (seria uma contradição de génese política). Assistimos, deste modo, à sindrome do gato escaldado pelo Brexit. Madrid não quer que aconteça o que sucedeu em Londres. A Monarquia Constitucional de Espanha e o governo que dela resulta, consagrada como modelo de Democracia de pleno direito, demonstra de um modo preocupante que certas práticas de censura e controlo dos tempos de Franco ainda continuam válidas. Não se pode admitir, que na dita Europa civilizada, embalada pela União Europeia, a perseguição política aconteça. A Catalunha é uma das jóias da coroa, um contribuinte importante para o PIB espanhol e é sobretudo essa dimensão económica que está em causa. Não existe nada de romântico ou lírico na união de regiões "à força", de territórios e gentes que perseguem outros sonhos. Se o referendo não acontecer de um modo pacífico, rapidamente a situação evoluirá para o caos e a expressão ainda mais violenta do que aquela até agora registada. Se porventura chegarem à mesa de negociações da independência, quero ver qual será o preço que o governo de Madrid exigirá, qual o valor em causa e quais os demandantes que se seguirão. A Europa das Regiões, essa bandeira agitada para dar ares de descentralização do poder político, tem agora um belo exemplo para hastear. A Catalunha é uma nação. E existem muitas outras por essa Europa fora.
Nos últimos dias tudo tem servido para o normal parlapatório televisivo dos nossos comentadores políticos, desde o Dies Irae que se aproxima não se sabe como nem quando, até ao rebolar de desejo pelo rápido desaparecimento do Reino Unido. Apostam na total independência da Escócia e imediata integração do país na U.E. Em suma, uma das faces da vingança, o argumento dos fracos e desesperados. Desunham-se por novas ideias, mas...
...aqui estão dois pequenos detalhes:
1. Há que atender aos Tratados e por mais voltas que os nababos de Bruxelas lhes tentem dar, a conclusão é a mesma: qualquer adesão deverá ser sufragada pela unanimidade dos Estados, ou seja, pelos 27 remanescentes. Para agradar aos supracitados parlapatões que debitam sentenças em inglês, tal como os Tratados estão, "it's very unlikely".
2. A Espanha nunca o permitirá e a razão é conhecida. Quanto muito procurarão os espanhóis obter qualquer coisa a respeito de Gibraltar. Aceitar o ingresso de uma Escócia independente? Jamás, never! Ponto final.
Será mais fácil a 1º ministro escocesa pescar um cardume de esturjões à linha no Loch Ness, do que ver Madrid aquiescer aos seus apetites políticos. Contente-se então com as ovas.
Se excluirmos a sugestiva mensagem que as autoridades nacionais enviaram aos nossos concidadãos estabelecidos no Reino Unido e aqui postada pelo John, o que hoje se ouviu corresponde exactamente a um país que é aliado da Inglaterra desde o século XIV:
!. A reacção de Costa, logo, do governo: boa
2 A reacção de Passos Coelho, o chefe da oposição: boa
3. A reacção de Assunção Cristas: satisfatória
O resto não risca nem conta.
Passemos então a fronteira e atendamos apenas aos dois principais partidos que se têm revezado no exercício do poder a partir da Moncloa:
1. A reacção de Rajoy: boa
2. A reacção do antigo chefe do PSOE, ex-1º ministro - em Espanha designa-se Presidente do Conselho - que do poder saiu acumulando escândalos sobre escândalos:
- vergonhosa, péssima, radical e escumando ódio, dir-se-ia uma tirada que nem sequer o franquismo mais militante alguma vez terá ousado exprimir, apenas faltando a imediata reivindicação de Gibraltar. O apelo à mais descabelada revanche, a uma desforra que segundo o valetudinário político, não se compadece com "paninhos quentes". Em suma e sem tardança o saberemos, o que já se espera de toda a turbamulta de anafadíssimos mangas de alpaca repimpados em Bruxelas.
Bestial, este Felipe González. Perdoa-se-lhe, desde que se desculpe com a idade.
Não escutei a mensagem de Natal de António Costa. Nem precisava de o fazer, mas li as notas de rodapé coladas aqui e acolá. Já sei que o primeiro-ministro sublinha as virtudes da sua plataforma à Esquerda, mas não agradeceu a Direita "instransigente" que o PSD corporiza, pela ajuda dada na aprovação do orçamento rectificativo e da contribuição extraordinária de solidariedade. É apenas um pormenor, contudo revela que afinal António Costa não é o democrata de consensos alargados e entendimentos que tão vocalmente apregoa (para além de ser politicamente malcriado). António Costa repete vezes sem conta que vivemos um "novo tempo" em Portugal, ao que acrescenta que grandes dificuldades são de esperar no futuro que se avizinha. Então? No que ficamos? Vira a página ou reconhece que os portugueses ainda vão ter de suportar muitos (e mais) sacrifícios. Em vez de viver o presente, celebra antecipadamente os 30 anos de adesão à Comunidade Económica Europeia, os 40 anos da Constituição da República Portuguesa e os 20 anos dessa organização lírica conhecida por Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). E ainda tem tempo para enviar um abraço às comunidades portuguesas no estrangeiro e aos militares em comissões além-mar. O que discorre em ambiente festivo soa a paleio de velho jarreta, quando o que se lhe exige é uma visão pragmática e assertiva respeitante ao novo ciclo que se lhe escapa ao controlo, e em relação ao qual Portugal vai beneficiar sem que este governo faça a ponta de corno. Será o Banco Central Europeu (BCE) a evitar o descalabro deste governo-soma de ocasião. A continuação do programa de aquisição de títulos de dívida da parte do BCE está prevista até Março de 2017. Ou seja, até lá, eventuais e mais que certas anomalias de tesouraria serão camufladas por este mecanismo monetário da Zona Euro. Na mensagem de Natal António Costa referiu isto e agradeceu os senhores da gleba monetária? Se alguém souber, e puder confirmar, por favor envie-me um telegrama. E ainda, na mesma senda de omissões e irregularidades, o que está a suceder em Espanha foi referido na mesma missiva natalícia como factor de volatilidade na cena política-económica nacional pelo primeiro-ministro? Se alguém ouviu alguma coisa a esse propósito, queira fazer o favor de me enviar um postal, para que eu fique descansado que este governo tem mais do que mãos a medir para a TAP, e tudo o que permeia os céus e a terra. Afinal o Pai Natal é socialista de gema - tem tudo e dá a todos.
Portugal é um caso à parte. Não é a Grécia nem é a Espanha. Mas os acontecimentos em curso naqueles países podem ter ou terão efeitos indesejados neste país. Tsipras acaba de anunciar antecipadamente aquilo que era expectável. No dia 5 de Junho teremos o primeiro de uma série de defaults gregos. Não existem meios para pagar o que é devido ao Fundo Monetário Internacional e não existe margem política para implementar medidas adicionais de austeridade. Enquanto esse evento "excêntrico" decorre, em Espanha ainda sopram ventos promissores do Podemos e Ciudadanos. O centro da Europa observa com apreensão. Os dois fenómenos podem funcionar em tandem, emprestando força numa relação de reciprocidade, de engrandecimento e risco. A Troika sabe que não pode penalizar aqueles que cumpriram o seu ditado. Nessa medida, Portugal não será percepcionado como um caso extremo, mas certas condições terão de ser observadas. Já registámos o "baixar da bolinha" do Partido Socialista. O próprio António Costa já chamou "tonta" a abordagem do Syriza, e ele tem boas razões para o fazer. Quer ganhar as eleições, mas essa vitória depende de um acordo pré-nupcial com a Alemanha, a União Europeia, o Banco Central Europeu, assim como outras instituições europeias. Para cumprir as promessas de obras públicas, reposição de pensões e salários, Costa apenas o poderá fazer com meios financeiros adequados, de preferência a fundo perdido, como tem sido apanágio dos socialistas sempre que tomam o poder. As movimentações hispano-gregas devem ser acompanhadas com muito interesse. As semanas que se seguem serão determinantes para Portugal. Portugal é um caso à parte. Começa a dar sinais de ímpeto económico, mas não embarquemos em aventuras. À Embaixada a Roma, esplendorosa e reluzente, seguiram-se ciclos de marasmo e decadência. O Museu dos Coches serve para recordar que cavalos alados fazem parte de um mundo de sonho e fantasia - narrativas que emanam do Largo do Rato com excessiva facilidade.
Se Putin premiu o gatilho da pistola que abateu Boris Nemtsov não é a questão principal. Há outra mais importante que acaba de ser colocada aos russos: será que estão dispostos a colaborar com um regime repressivo que atenta à liberdade de expressão e a direitos e garantias fundamentais? Embora ainda faltem peças ao puzzle, o mar de gente que enche as ruas de Moscovo faz lembrar eventos mais ou menos recentes. Por exemplo Maidan ou até a Primavera Árabe. Sem dúvida que o aparato em torno do assassinato de Nemtsov serve para distrair das movimentações russas em solo ucraniano, mas Putin pode involuntariamente ter libertado a força crítica e avassaladora do seu povo. Putin virou-se para a exterioridade da Crimeia e da Ucrânia porque há muito que sente o seu regime ameaçado - "lá fora" parece ser mais fácil justificar as acções e vendê-las de um modo glorioso no próprio país. Mas não é o único. Tsipras também aplicou o mesmo princípio que resulta de insuficiência interna, e atirou-se aos portugueses e espanhóis chamando-os de principais responsáveis pelas dificuldades negociais havidas entre a Grécia e os interlocutores europeus. São comportamentos enviesados e desta natureza que nos devem preocupar. As atitudes de políticos que atiram o pau para longe. A Grécia e a Rússia têm muito mais em comum do que possam imaginar. E não se quedarão por aqui. Já passámos a fase de meras sugestões. A Estónia e a Turquia parecem ser candidatos para serem arrastados para o já de si complexo mapa geopolítico. Isto não fica assim. Se as coisas não correrem de feição a Putin e Tsipras, estes são mais do que capazes de incendiar casas alheias.
*os gatos são muitos populares na internet, mas não servem para grande coisa.
Quando vejo a histeria a tomar conta dos povos, recordo-me dos filmes históricos dos anos 30 do século passado. Quando vejo povos derreados pela verga da indignidade económica e social, penso no sofrimento incomensurável de famílias inteiras. Quando vejo expressões de pura demagogia a tomar conta dos discursos de políticos, sinto que as nossas sociedades correm grandes perigos. Quando observo a bandeira da libertação ser hasteada, penso como será a nova ordem proposta pelos mercenários. Quando comprovo como nações inteiras podem ser postas ao serviço de interesses ideológicos, deixo de acreditar na pureza da Democracia. Quando testemunho a facilidade com que se arrebanha gente, penso em colunas militares. Quando sinto a prevalência do dinheiro na retórica inflamada, sei que a alma humana foi vendida. Quando registo a facilidade com que se desonra a palavra, conheço o valor de um aperto de mão. Quando nem preciso de olhar para ver, sei que já embarcaram num caminho de difícil retorno.