Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Há poucos minutos atrás vi e ouvi Odete Santos, em plena RTP Informação, afirmar, com uma candura estelar, que o regresso ao escudo permitiria pagar as pensões e salários dos trabalhadores portugueses, dando, com isso, aos governantes nacionais a possibilidade de evitar as bancarrotas que têm sido a imagem de marca deste regime. Sim, Odete disse isto. Sim, Odete não habita na mesma galáxia do comum dos terráqueos. Alguém que diz que com o escudo "nunca haveria bancarrota" é alguém que é, no mínimo, intelectualmente desonesto. No caso de Odete Santos, prefiro pensar que as afirmações anteriormente mencionadas fazem parte de um ensaio para uma peça de Gil Vicente, habilmente encenada por algum amanuense carente de trabalho subsidiado pelos contribuintes. Recuso-me a acreditar que haja tanta ignorância económica junta numa só cabeça. É que, ainda que o comunismo nacional nos tenha habituado a tudo, ouvir dislates deste jaez torna-nos, de certo modo, permeáveis a todo o tipo de doenças cardíacas. Não há coração que resista, acreditem.
Certa vez, numa história que alguns pretendem apócrifa, perguntaram a Roberto Baggio o que é necessário para se ser uma lenda do futebol. O transalpino respondeu que o essencial é jogar divinamente durante um bom par de anos e depois cair completamente em desgraça. Soa-vos mal, não é? Mas Baggio tinha razão. Ele melhor do que ninguém sabe que o futebol só é futebol se tiver dimensão trágica. Algo que escapa manifestamente aos Messis deste mundo. O Henrique Raposo, com a sua prosa escorreita, escreveu aqui que o futebol não é um "espectáculo de entretenimento", chamando à colação o exemplo de Mourinho. O essencial da posta corresponde à realidade dos factos, contudo, o Henrique falha rotundamente, a meu ver, naquilo que é a essência do futebol. O futebol é, sim, entretém. Sempre foi e sempre será. Duvidam disso? Não duvidem, porque aquilo que faz a essência do futebol é a alegria e o sorriso estampados no rosto de cada adepto após uma jogada genial ou um piropo técnico virtualmente impossível. O futebol é isso. Mais: nem um show de golfinhos seria suficientemente belo em comparação a um elástico de Ronaldinho ou a um chapéu de Maradona. Ontem, num zapping noctívago, vi e ouvi, por momentos, Domingos Paciência dizer algo que me ficou na memória. Dizia o ex-avançado, a propósito do panenka jacksoniano, que se algum de nós perguntasse a uma criança o que mais gosta de ver num campo de futebol, a resposta seria, obvia e evidentemente, a arte técnica exposta no remate imprevisível à la Panenka. Quem diz criança, dirá, certamente, um adepto graúdo. Reduzir o futebol à essência de uma batalha de vida ou morte é despi-lo da beleza que lhe é inerente. Porque o pontapé na bola é, também, o riso desbragado, a gargalhada contagiante que une os desavindos, e a lágrima interminável que corre pelo rosto dos adeptos mortificados pela derrota. Riso e sentido do trágico. Foi com estes dois princípios que se formaram as grandes lendas do desporto. Talvez haja aqui um certo romantismo, mas o certo é que sem rasgo não há futebol que sobreviva.