Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Nous te voulons!
A Chanceler deixou de ser o alvo na carreira de tiro dos desesperados. Se em Portugal temos o sempre sintomático Mário Soares a assestar baterias contra Barroso, isso apenas consiste num reflexo do que se passa na sua "pátria de eleição", a França. Para onde quer que olhemos, o resultado da acção de Hollande não é de molde a agradar até aos seus mais ferrenhos aliados. Politicamente, o ocaso francês é patente, avassalador, confirmando plenamente aquilo que há muito se sabia e que Sarkozy procurava disfarçar. Em termos internos, o descalabro é total, desde as questões de segurança interna, até à catástrofe financeira que a maioria dos europeus prefere ignorar, tal é o pavor por aquilo que poderá acontecer.
Há um quarto de século, Mitterrand escancarou as portas da Assembleia Nacional a uma enxurrada de deputados da Frente Nacional de Le Pen. Justamente argumentava com um sistema eleitoral mais consentâneo com a realidade da vontade dos franceses, pois o artifício das duas voltas roçava a farsa, sendo esta deliberadamente assumida pelos defensores do status quo. Num só golpe julgava poder dividir a chamada "direita clássica", não contando com a fuga maciça de comunistas para as hostes da FN. Mitterrand esqueceu-se das suas próprias origens, esqueceu-se de Jacques Doriot e de um passado não muito distante. Mais tarde, o aflito regresso ao velho sistema de eleição, o tal "dique republicano", pressupôs a distorção da representação, daí o estupor de numerosos eleitores que a par da crise económica e financeira, da crise de identidade - em França, Mohamed é hoje o nome mais comum no registo de recém-nascidos - e da cegueira daquilo que se convencionou ser o "politicamente correcto", inauguraria um irreversível caminho para a desordem e subversão do estado de coisas até hoje julgado eterno. Embora esta pareça ser uma hipótese ainda distante, há que considerar a futura presença de uma enorme representação da FN no parlamento francês, pois o sistema eleitoral que lhe tem impedido o acesso aos lugares conquistados pelo voto, poderá muito bem servir para um dia lhe garantir uma maioria. A questão será adivinhar até quando funcionará o voto útil.
Apesar de todo o seu manobrismo e fácil adaptação às situações que mais lhe convêm, Barroso foi e é útil a Portugal, disso não haja qualquer tipo de dúvida. O actual regime fez a sua escolha e pendeu fortemente para o continentalismo europeu, em detrimento daquilo que seria mais desejável e que agora a todos salta à vista. É Barroso o homem dos americanos? Muito provavelmente assim é, e a sua nomeação para a Comissão Europeia a isso se terá devido. Mas não será este equilíbrio entre Europa e América, aquele que mais interessa à segurança europeia? Há legados que são incontornáveis, pois Barroso provém de um país inegavelmente atlantista e historicamente aliado da potência marítima dominante. Neste posicionamento Barroso não estará só, apesar de todas as reticências que os deputados britânicos lhe colocam devido à sua condição de cabeça da Comissão. Quanto ao "mundialismo e a globalização", Barroso nada mais faz, senão confirmar aquilo que a esquerda europeia durante tantas décadas pregou. Um mundo idílico e de iguais, exigia essa quebra de barreiras comerciais de que a Europa era talvez o expoente máximo. Durante demasiado tempo escutámos a nossa esquerda ditar sentenças acerca da situação de chineses, indianos, africanos e de uma infinidade de povos submetidos à exploração que a nossa PAC e as pautas aduaneiras impunham como armas de privilégio para o velho mundo. O capitalismo internacional caiu na tentação do lucro fácil e ao mesmo tempo que retirava da miséria dezenas de milhões na China e na Índia, destruía a tradicional base do poder europeu e americano. Ao contrário daquilo que o desesperado Hollande alega, foi a esquerda europeia quem pugnou por essa abertura sem peias, sem aquelas necessárias precauções que garantissem a não-colaboração com os sistema de trabalho escravo, as tais situações de desigualdade com as quais a Europa do Estado Social não pode nem deve competir. Internamente, essas "aberturas" trouxeram o terceiro-mundo para as nossas periferias e o nosso sector progressista deu-se ao excelso artifício de criar um sector capitalista e empresarial que lhe é afecto e que sem a esquerda no poder, não pode medrar. Ofendendo as tais tradições pelas quais hoje ironicamente reclama, a esquerda empurrou para a extrema-direita uma até há pouco impensável quantidade de eleitores irritados pelo sistema do duplo critério, da manipulação da democracia eleitoral, da cedência perante aquilo - a islamização, há que afirmá-lo sem rodeios - que liminarmente todos rejeitam.
A culpa é dos americanos, é de Barroso, dos ingleses e um dia destes, dos seus eternos aliados portugueses. Isto é afirmado por quem ainda não reparou que à sua volta existe uma sociedade razoavelmente americanizada. Das Levi's e t-shirts que "fizeram o Maio 68", até à música, inovações tecnológicas e correspondente língua dominante, cinema e ao horrendo fast-food, de tudo isso a esquerda se serviu para se impor como "diferente". Atacar os americanos por causa da "diversidade cultural", é de facto insólito. A esquerda é hoje quem mais brada pelo regresso ao consumo e à despesa, imagem de marca Made in USA, confirmando assim que Marx está enterrado em Londres, a múmia de Lenine é atacada por fungos e os seguidores de Trostky não passam de picaretas falantes. Mas do que estavam à espera?
Sou insuspeito de nutrir a menor simpatia por Carlos Abreu Amorim. Escuso, até, de mencionar as razões dessa antipatia. Elas são óbvias. O que não posso admitir, isto partindo do pressuposto de que ainda vivemos num regime democrático minimamente civilizado ( alguma vez o fomos?), é que a esquerda se comporte do modo aberrante como se comportou aquando do discurso do referido deputado. Não é tolerável nem sequer concebível. O que este incidente demonstra é que o conceito de democracia da esquerda bem-pensante continua agarrado aos clichés de antanho.
Pois. Portugal é mesmo um país de festas. A alegria desaustinada, de facto, não nos abandona. Só isso explica que na mais recente sondagem da empresa do senhor Oliveira e Costa a esquerda festiva obtenha, no seu conjunto, mais de 20% das intenções de voto. Ou seja, 20% dos cidadãos auscultados admitem a falência imediata do país e a correspondente colectivização da nossa economia. Perante isto o melhor é mesmo imigrar. Rapidamente e em força.
Ferro Rodrigues ainda acredita em estórias da carochinha. Só isso, e apenas isso, consegue explicar o porquê de o ex-líder socialista, agora alçado a uma espécie de Sedvém da esquerda festiva, acreditar que num dia não muito longínquo a totalidade do espectro partidário português unir-se-á em torno de um programa de salvação do que está e teima em estar. Alguém acredita que o partido dos órfãos norte-coreanos e o ajuntamento de pequenos burgueses dados a radicalismo estéreis juntar-se-ão às restantes "forças vivas" - sim, falar em sociedade civil em Portugal é um exercício a que nem o Professor Karamba arrogar-se-ia - na reforma que urge fazer? Receio bem que Ferro Rodrigues ande a ler contos infantis em excesso, porque, muito francamente, há afirmações que só um total alheamento da realidade pode justificar. Um compromisso é necessário, diria mais, é indispensável, isto, claro, se os fautores da capitania oligárquica abrileira ainda quiserem salvar o mínimo dos mínimos, contudo, um pacto de regime implicaria uma faxina bem profunda em muitos dos interesses que por aí deambulam. Coisa difícil, não é? Com um debate político em níveis tão baixos temo que a primavera que ora se aproxima reserve muitas surpresas.