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O messianismo social-democrático

por João Pinto Bastos, em 20.02.14

Não, Henrique, a resposta à questão "qual a principal tarefa da Europa nos próximos anos?" não é assim tão linear, prova disso é o facto de haver muito boa gente que pensa o problema europeu de um modo bem distinto do propugnado pelos apóstolos do modelo social tale quale. Mas deixando de lado esta pequena minudência, há, efectivamente, a consciência funda de que a saída da crise não poderá dispensar duas coisas, a saber: 1) a reforma ampla e transversal dos distintos modelos de protecção social estabelecidos no pós-guerra, 2) a fixação de mínimos sociais, isto é, a reforma do indispensável sem que, contudo, os mais desfavorecidos sejam abandonados ao acaso assimétrico dos mercados. Estas duas condições, que perpassam alguma da literatura publicada no último lustro, não foram, que eu saiba, suficientemente dilucidadas pelas elites políticas europeias. Aliás, como é por de mais conhecido, o debate público tem assentado num conjunto de falácias que, pela sua ampla difusão, têm impedido o esclarecimento cabal da cidadania. Falácias essas que vão desde o mito do "os portugueses viveram acima das suas possibilidades" (o carro-chefe de algum "liberalismo" pouco ilustrado) até à tese, aventada pela grande maioria das esquerdas, de que o Estado Social é intocável. É bom de ver que com uma esfera pública tolhida por pontos de vista tão alheios à realidade não é de todo possível esclarecer a cidadania dos ingentes desafios que impendem sobre o país, e, já agora, sobre a Europa. O que importa, desde já, sublinhar é o facto de a crise presente socavar, sem apelo nem agravo, a belle époque regressiva dos últimos decénios. O crédito fácil minguou e a paciência dos cidadãos/súbditos já não é, propriamente, a mesma. O que sairá daqui ninguém sabe, o certo é que Estados gordos e mercados politicamente dominados por rentistas salafrários já não são remédios que funcionem. De resto, nunca foram.

publicado às 15:14

A colusão dos burocratas burrocratas

por João Pinto Bastos, em 07.11.13

Há uns tempos não muito largos, nos idos da outra senhora (não, não estou a falar do Dr. António de Oliveira Salazar), a magnânima e expedita Autoridade da Concorrência, uma entidade solidamente venerada por todos os portugueses, decidiu instaurar um inquérito às presumíveis práticas de concertação dos preços da gasolina e do gasóleo estabelecidos pelos grandes potentados do sector. Como é sabido, o inquérito teve como conclusão a tese, "firmemente alicerçada" na análise empírica da realidade económica, de que não há, em Portugal, cartelização dos preços neste sector. Uma conclusão totalmente desconchavada, portanto. Visto à distância, este inquérito foi, no fundo, um mero pró-forma, dado que, para os feitores daquela magnífica inquirição, as gasolineiras jamais concertariam os seus preços de molde a prejudicar os consumidores. Interpretado literalmente, o espírito do relatório foi justamente esse. O porquê desta alienação autocomplacente da realidade é facílimo de aferir, basta pensar, por exemplo, no seguinte: 1) em Portugal, não há uma tradição de livre funcionamento dos mecanismos mercantis, 2) é claro e inequívoco que os grandes grupos económicos do sector promoveram, durante anos (e continuam a promover), uma política de aproximação dos preços praticados junto dos consumidores, de modo a ampliar as rendas obtidas no bojo desta actividade, 3) é certo, também, que estes potentados contaram activamente com a conivência declarada dos poderes públicos. Estes factores, devidamente reunidos e compilados, ajudam, em certa medida, a compreender o corporativismo senil que tem presidido aos vaivéns galácticos na formação dos preços do gasóleo e da gasolina, mas há um factor adicional que, pesadas bem as coisas, tem tido, nos últimos tempos, uma influência brutal na desorientação altista do sector. Falo, claro está, do invencionismo dirigista propugnado pelos principais responsáveis políticos do governo. A última invencionice provém das sapientíssimas mãos do divino secretário de Estado da energia, Artur Trindade. O que propõe o excelso governante? Algo tão simples como criar uma nova autoridade reguladora, desta feita unicamente para o sector dos combustíveis. Reparem na lógica da coisa: a Autoridade da Concorrência, liderada na altura por um tímido Manuel Sebastião, investigou arduamente as suspeitas de colusão de preços no sobredito sector, não chegando, como já foi também referido, a nenhuma conclusão, por isso, a solução divisada pelo magnífico enviado de Deus ao Governo da Nação foi, nada mais nada menos, a criação de um novo mamarracho institucional, ou, melhor dito, institucionalíssimo, que empregue, de preferência, mais uns boys saídos de uma qualquer school of economics adepta dos crony capitalisms a todo o custo. Percebe-se o porquê: o desemprego, não obstante ter caído algumas décimas (graças às poucas e admiráveis empresas que vão resistindo ao saque organizado), continua extremamente elevado, pelo que, com tão poucas oportunidades no seio da economia privada, há que abrir mais umas vagas para os amigalhaços de sempre. O capitalismo português funciona irremediavelmente assim. Se o mercado funciona mal, cria-se mais uma autoridade ou comissão, que emprega meia dúzia de patetas obscuros, que, no final, pronunciam a sentença do costume: está tudo bem. Como dizia o ilustríssimo prócere do tempo da outra senhora, da verdadeira, está tudo bem assim e não podia ser de outra maneira. 

publicado às 14:26






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