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A eleição de Trump abriu uma brecha no sistema político por onde alegadamente dizem entrar luz. Temos em mãos um roteiro de viagens que oferece caminhos alternativos, uns mais difíceis do que outros. Designemos as coisas de um modo correcto. A direita conservadora está no poder nos EUA, enquanto a Europa se encontra em processo de reconfiguração. Mas existem semelhanças e distinções flagrantes. A bandeira da imigração é um dos pilares indiscutíveis de sustentação das propostas políticas de um lado e de outro do lago. Ou seja, uma entidade excêntrica não estadual está a determinar as agendas domésticas. A campanha de Trump assentou na premissa de que a cada Estado deve corresponder um conceito de população estanque, não sujeito a negociações. Durante o período de instigação de paixões territoriais, o termo nação não foi convocado. Porque a nação americana não existe no sentido clássico, tradicional. Porque sugerir o debate do significado de nação seria reavaliar o ADN dos EUA. A América é a amálgama incerta. Os EUA são a perfeita expressão de volatilidade cultural, da chegada de forasteiros com expressão muito mais intensa do que a sua eventual partida. Todos observam com atenção a definição do programa de governação de Trump, usando enquanto bitola o programa de campanha eleitoral. Se o primeiro for uma fotocópia do segundo, sem tirar nem pôr, a direita europeia que se encontra na fila de espera do poder, deve replicar a disciplina ideológica, não cedendo em campanha perante as exigências de detractores políticos. Por seu turno, se houver maleabilidade ideológica de Trump, e cedências de discurso que coincidam com acção concreta, a direita europeia vê uma parte do seu tapete tirado por debaixo dos pés. Teremos a breve trecho uma amostra de posicionamento que pode servir de guia para ambições maiores. Em Dezembro a Áustria terá um processo eleitoral presidencial que eventualmente terá sofrido o desgaste e os efeitos de contágio da experiência americana. E em menos de um ano a Itália, a França, a Holanda e a Alemanha serão expostas a influências cumulativas que incluem o processo americano, assim como aquelas produzidas no próprio espaço da União Europeia (UE). Ou seja, o concerto de eleições europeias, embora dependente do tabuleiro americano, joga a sua própria partida endémica. A Europa, embora tenha ou possa vir a ter a tentação de responsabilizar os republicanos americanos e o povo dos EUA pelas alterações políticas em curso, terá de confrontar as várias nuances ideológicas que configuram a UE. A tarefa de Trump é relativamente mais fácil do que aquela que a alegada UE tem de enfrentar. A federação dos EUA é, para todos os efeitos, uma superficie soberana contínua. A UE é uma colecção de Estados soberanos que desejarão manter os seu respectivos perfis político-ideológicos. Em função dos resultados das eleições na Áustria ou em França, os Portugueses ou os Espanhóis quererão demonstrar inequivocamente que não são uma coisa nem outra, que são diferentes. Contudo, esse eventual distanciamento não significa necessariamente um afastamento ideológico. Significa que cada país-membro da União Europeia ainda quer ter a paternidade sobre os destinos do seu Estado. E isso pode significar um aceleramento do processo de desmontagem da UE ou um alinhamento ideológico questionável para dizer o mínimo.
No mesmo dia em que circula no Facebook este texto certeiro sobre a política norte-americana para o Médio Oriente, ficou-se a saber que, nos últimos dias, a organização "Estado Islâmico" tem estado a usar armas químicas nos combates na cidade de Tikrit. São bombas de cloro, rudimentares mas ainda assim eficazes ao serem capazes de contaminar áreas e de causar baixas entre as forças governamentais e a população civil. E, para todos os efeitos, são armas de destruição em massa.
Afinal, as armas químicas fizeram a sua aparição no Iraque, doze anos depois da invasão que mergulhou o país no caos, e nas mãos de uma entidade ainda mais ameaçadora à segurança internacional que o regime de Saddam Hussein.
E agora, o que fazer para lidar com esta situação?
Soam as sirenes de alarme, os bombardeiros que parecem saídos do Segredo do Espadão andam em patrulha ao largo da costa portuguesa. Nada de novo, pois este tipo de cruzeiros nas alturas são algo de bastante habitual por parte das forças aéreas da Rússia e dos Estados Unidos da América. Os mais receosos apontam a capacidade de transporte de bombas atómicas nos porões dos Tupolev-95 Bear. É como se receássemos hoje uma patrulha de dois B-29 dos tempos do Enola Gay. Alguns poderão justificar o medo com o argumento daquela solitária Fortaleza Voadora que em 1945 despejou a sua carga sobre Hiroxima. Ora, com um punhado de F-16 já um tanto ou quanto ultrapassados, mesmo o depauperadíssimo Portugal parece melhor apetrechado do que o Império do Japão estava em Agosto daquele já longínquo ano, garantindo que nem mesmo uma enorme frota de obsoletos Bear poderiam alguma vez semear cogumelos nucleares na nossa paisagem.
Partamos então do princípio de os aflitos comentadores da NATO ainda adormecerem com a leitura das aventuras de Blake e Mortimer, transfigurando em Putin, o bicho-papão Basam Dambu que pelo menos, era um imperador com bombardeiros aparentemente mais modernos. É mesmo, aproveitemos então para enviar uma declaração de guerra aos russos!
O Sr. Cameron veio publicamente dizer aquilo que qualquer estratega de café doutamente sentencia há semanas: é necessária uma operação de limpeza na área do pretenso e marginal "califado do Levante". No entanto, surgem desde logo algumas questões que não poderão deixar de comprometer a limpidez de uma acção que sendo antes de tudo humanitária, é também de segurança geral.
Não valerá a pena os nossos aliados insistirem na sua não-responsabilidade pela situação de emergência que hoje o Ocidente vive naquelas paragens. Os EUA e o Reino Unido - infelizmente, pois este país deveria ser alheio às habituais suspeitas que recaem sobre o arrivismo além-atlântico - têm sido zelosos agentes da subversão na Síria e escandalosamente silenciam todas as atrocidades perpetradas pelos insurrectos - ou melhor, pelo corpo expedicionário jihadista - subvencionados pelo Qatar, Arábia Saudita e outros países formalmente próximos dos interesses norte-americanos. Tudo aquilo que temos visto quanto a massacres de cristãos e yazidis do Iraque, não passa de mera continuidade dos extensivos assassínios na Síria.
É flagrante a expansão das actividades guerrilheiras em direcção a sul, dados os reveses sofridos frente ao exército de Assad. Assim sendo, a entrada da massa de terroristas no Iraque e a tomada de locais economicamente estratégicos, já indicia uma perda do controlo por parte dos aliados tácticos, paradoxalmente aqueles que mais deveriam temer o alastrar da instabilidade e violência no Médio Oriente. Bastará verificarmos o tipo de armas empunhadas pelos califais facínoras e logo concluiremos acerca do que está em causa.
Se os EUA e o Reino Unido decidirem uma intervenção que vise o rápido e radical extermínio da ameaça encabeçada por Baghdadi, então deverão ter em conta a realidade imposta pela necessidade da manutenção do status quo na Síria. A ser sincera a vontade de zelar pela segurança geral, aqui está um excelente salvar de face das potências ocidentais. Mais ainda, a intervenção deverá contar com a presença de outros paíises da NATO e com o beneplácito - e porque não expresso convite à cooperação, desanuviando a actual situação? - da Rússia. Outro factor a considerar, será a colaboração com os curdos, desde já antecipando-se a oposição da Turquia. Dada a situação que se vive em alguns países da Europa, há ainda que atender à necessidade de impedir o regresso de jihadistas aos "seus países" de teórica nacionalidade, nomeadamente a Inglaterra, França, Bélgica, Alemanha, etc. A esta gente se devem inúmeros crimes. Há que eliminar qualquer risco, abertamente confrontando as sociedades com factos. A derrota no terreno da terra dita santa, implicará um rápido regresso dos radicais a paragens mais benignas e condescendentes para com todo o tipo de abusos a que temos assistido nas últimas décadas. Em suma, estamos no plano das ilusões, do que deveria e infelizmente não poderá ser.
É desejável uma rápida e maciça intervenção, desde que esta não seja um descarado pretexto para remediar no terreno, o revés que os até agora "aliados" do ocidente sofreram na Síria.
MIssão impossível. Os ocidentais encontram-se desarmados para o enfrentar deste tipo de adversidades, desarmados em todos os sentidos do termo, tanto em efectivos prontos para um combate difícil, como animicamente. Há que colocar um ponto final neste aventureirismo que culminará num desastre de proporções que todos imaginam.
"Recently Angela Merkel, the German chancellor, suggested that Putin was living in a world of his own, divorced from reality. The opposite is true. Putin is a rational actor who steadily pursues his interests, which are well known to the world at large. Appealing to morality, international law, or any other arbiter of behavior other than pure pragmatism is unlikely to succeed with him. Yet by the same token, his straightforward approach makes him the easiest sort of opponent for a similarly minded strategist. He must be surprised that the West still performs so badly against him."
...há qualquer coisa que está a escapar à gente de Bruxelas. Ainda há dias, na conferência anti-Rússia, decidiram-se pela valorização do fornecimento de gás proveniente do Magrebe, diga-se, da Argélia. Apontaram a excessiva dependência da Europa em relação aos russos, mas não atenderam à situação volátil que se vive a sul do Mediterrâneo e no bem possível recrudescer daquilo que há uns anos se chamava "Frente Islâmica de Salvação". Se assim for, deixaremos de depender de Putin, tornando-nos clientes dos islamitas radicais. Brilhante decisão, não haja dúvida.
Tudo isto parece muito precipitado e causa estranheza. No entanto, bem vista a situação tal como ela se apresenta na Síria - sem sequer contarmos com a criminosa apatia perante todo o financiamento do islamismo radical pelos qataris e sauditas - , talvez seja este o novo caminho. Passamos a apoiar aqueles que nos querem destruir, ou como Lenine costumava dizer, damos-lhes a corda com que eles nos enforcarão.
Passando sobre marginalidades europeias, é esta a política incentivada pelo Departamento de Estado e pelo Pentágono?
Um belíssimo artigo de Henry Kissinger:
"That is the essence of the conflict between Viktor Yanukovych and his principal political rival, Yulia Tymoshenko. They represent the two wings of Ukraine and have not been willing to share power. A wise U.S. policy toward Ukraine would seek a way for the two parts of the country to cooperate with each other. We should seek reconciliation, not the domination of a faction.
Russia and the West, and least of all the various factions in Ukraine, have not acted on this principle. Each has made the situation worse. Russia would not be able to impose a military solution without isolating itself at a time when many of its borders are already precarious. For the West, the demonization of Vladimir Putin is not a policy; it is an alibi for the absence of one.
Putin should come to realize that, whatever his grievances, a policy of military impositions would produce another Cold War. For its part, the United States needs to avoid treating Russia as an aberrant to be patiently taught rules of conduct established by Washington. Putin is a serious strategist — on the premises of Russian history. Understanding U.S. values and psychology are not his strong suits. Nor has understanding Russian history and psychology been a strong point of U.S. policymakers.
Leaders of all sides should return to examining outcomes, not compete in posturing."
Leitura complementar: Brincadeiras perigosas; A "península" do Texas; Breves notas sobre a situação na Crimeia; A NATO na Crimeia?; Dmitri Trenin sobre a crise na Crimeia; Leitura recomendada; A crise da Crimeia e a ascensão da Rússia na arena internacional; Começou a escalada do disparate; Sanções?; A irmandade; Liar.
"Satisfying as that may be to Western diplomats, economic sanctions will be extremely difficult to impose on Russia and are, for all their symbolism, likely to be counterproductive. For one thing, as is clear to anyone who knows Russia’s commercial landscape, many large and powerful Western companies have invested heavily in this vast, resource-rich country and won’t want their interests harmed.
Post-Soviet Russia has attracted huge foreign direct investment, going way beyond oil and gas. Western car-makers, retailers and household product companies have piled in, keen to tap into Europe’s second most valuable retail market and Russia’s highly educated and relatively cheap workforce. The likes of VW, Ford, Renault and German engineering giant Liebherr have invested billions in production facilities. Other thoroughbred Western corporates such as Pepsi, Unilever, Procter & Gamble and Boeing are also heavily committed – all of which will seriously complicate any attempt to impose economic sanctions on Russia.
Western energy security also looms large, of course. Russia is the world’s third-largest oil producer. Any hint that the flow of Russian crude might be interrupted would cause havoc on global markets. In recent days, as the sanctions rhetoric has cranked up, oil prices have spiked at $2-$3 a barrel. This can only harm Western crude importers such as the UK."
Leitura complementar: Brincadeiras perigosas; A "península" do Texas; Breves notas sobre a situação na Crimeia; A NATO na Crimeia?; Dmitri Trenin sobre a crise na Crimeia; Leitura recomendada; A crise da Crimeia e a ascensão da Rússia na arena internacional; Começou a escalada do disparate.
Enquanto membro da Associação da Juventude Portuguesa do Atlântico e da Youth Atlantic Treaty Association entre 2006 e 2013, tive oportunidade de participar em dezenas de conferências sobre segurança e defesa, em vários países, inclusivamente na Ucrânia. Sabendo-se da história da NATO no que ao burden sharing concerne, com os EUA a assumirem a fatia de leão das despesas militares, uma ideia que esteve sempre subjacente em várias conferências, sublinhada frequentemente por norte-americanos, foi a da ausência de pensamento estratégico por parte dos europeus, que acabam sempre por se escudar nas capacidades civis e no soft power.
Ora, perante o que está a acontecer na Crimeia, é caso para perguntar onde é que anda o tão célebre pensamento estratégico norte-americano, quando não só previram que Putin não iria invadir a Ucrânia, mostrando claramente que não aprenderam nada com a invasão da Geórgia em 2008 e que continuam sem conseguir entender minamente o mindset de Putin, como também parecem não conseguir esboçar uma resposta minimamente séria no devido tempo?
Não me interpretem mal. Sou atlantista e pró-americano, mas assim como os norte-americanos gostam de falar no seu quintal, ou seja, na sua esfera de influência, também deveriam entender - sob pena de colocar em causa o equilíbrio geopolítico na Europa - que a Rússia, goste-se ou não, também tem a sua esfera de influência. Mais, quando se começa a procurar atrair países da órbita russa para a integração euro-atlântica e a subverter regimes com base numa política externa alicerçada num idealismo fundamentado nas teorias do desenvolvimento democrático, tem de se estar preparado para responder a todo o tipo de eventualidades quando se dão as famosas transições democráticas por via da ruptura. A impreparação que, novamente, fica exposta, evidencia o perigo que este tipo de idealismo pode consubstanciar, estando na origem de um problema que a Europa dispensava perfeitamente. Idealismo este que casou perfeitamente com a vontade de vingança de vários povos em relação aos russos, que, naturalmente, se compreende, mas que acaba por toldar a visão de muitos dos seus governantes. Estes, ao invés de procurarem um equilíbrio entre as aspirações ocidentais e russas, acabaram, em muitos casos, a alinhar declaradamente com os norte-americanos e a acirrar o ódio contra os russos, e se alguns estão já protegidos pela NATO, outros, como a Ucrânia e a Geórgia, aprenderam e estão a aprender da pior maneira que não se pode simplesmente acordar o urso e dizer que a culpa é do urso e ainda esperar que terceiros os defendam do urso.
O facto de, até agora, a maior parte das possíveis respostas se centrar apenas em eventuais sanções económicas e no isolamento diplomático da Rússia - sendo altamente duvidoso que existam condições para o conseguir -, permite concluir que o Ocidente já saiu derrotado. A verdade é que, como este artigo evidencia, a Europa está economicamente vergada aos oligarcas russos e Putin sabe perfeitamente que os Estados Unidos não irão responder militarmente. De onde se conclui que sem hard power e a vontade de o utilizar não há soft power nem idealismo que resista. Tal como aconteceu na Geórgia, a Ucrânia ficará, provavelmente, abandonada à sua sorte, para mal dos ucranianos, e a Rússia sairá reforçada na arena internacional. Se Bush terá sido, para muitos, um desastre em termos de política externa, Obama poderá ficar para a História como o Presidente americano que facilitou a ascensão da Rússia no século XXI.
Leitura complementar: Brincadeiras perigosas; A "península" do Texas; Breves notas sobre a situação na Crimeia; A NATO na Crimeia?; Dmitri Trenin sobre a crise na Crimeia; Leitura recomendada.
Ben Judah, Why Russia No Longer Fears the West:
"Vladimir Putin knows this. He knows that millions of Russians will cheer him as a hero if he returns them Crimea. He knows that European bureaucrats will issue shrill statements and then get back to business helping Russian elites buy London town houses and French chateaux. He knows full well that the United States can no longer force Europe to trade in a different way. He knows full well that the United States can do nothing beyond theatrical military maneuvers at most.
This is why Vladimir Putin just invaded Crimea.
He thinks he has nothing to lose."
Leitura complementar: Brincadeiras perigosas; A "península" do Texas; Breves notas sobre a situação na Crimeia; A NATO na Crimeia?; Dmitri Trenin sobre a crise na Crimeia.
The crisis in Crimea could lead the world into a second cold war:
"In Moscow, there is a growing fatigue with the west, with the EU and the United States. Their role in Ukraine is believed to be particularly obnoxious: imposing on Ukraine a choice between the EU and Russia that it could not afford; supporting the opposition against an elected government; turning a blind eye to right-wing radical descendants of wartime Nazi collaborators; siding with the opposition to pressure the government into submission; finally, condoning an unconstitutional regime change. The Kremlin is yet again convinced of the truth of the famous maxim of Alexander III, that Russia has only two friends in the world, its army and its navy. Both now defend its interests in Crimea.
The Crimea crisis will not pass soon. Kiev is unlikely to agree to Crimea's secession, even if backed by clear popular will: this would be discounted because of the "foreign occupation" of the peninsula. The crisis is also expanding to include other players, notably the United States. So far, there has been no military confrontation between Russian and Ukrainian forces, but if they clash, this will not be a repeat of the five-day war in the South Caucasus, as in 2008. The conflict will be longer and bloodier, with security in Europe put at its highest risk in a quarter century.
Even if there is no war, the Crimea crisis is likely to alter fundamentally relations between Russia and the west and lead to changes in the global power balance, with Russia now in open competition with the United States and the European Union in the new eastern Europe. If this happens, a second round of the cold war may ensue as a punishment for leaving many issues unsolved – such as Ukraine's internal cohesion, the special position of Crimea, or the situation of Russian ethnics in the newly independent states; but, above all, leaving unresolved Russia's integration within the Euro-Atlantic community. Russia will no doubt pay a high price for its apparent decision to "defend its own" and "put things right", but others will have to pay their share, too."
Leitura complementar: Brincadeiras perigosas; A "península" do Texas; Breves notas sobre a situação na Crimeia; A NATO na Crimeia?
Um artigo do ex-SACEUR da NATO que termina com uma série de sugestões interessantes. Mas a principal questão a colocar é por que razão deveremos entrar numa guerra com a Rússia por causa da Crimeia, uma região onde a esmagadora maioria da população é russa e onde se encontra a esquadra russa do Mar Negro? Argumentos a respeito da ingerência nos assuntos internos de terceiros, da inviolabilidade das fronteiras e da manutenção da integridade territorial dificilmente colhem, na medida em que o Ocidente também tem vindo a ingerir nos assuntos internos da Ucrânia e quando lhe é conveniente também promove a violação de fronteiras e da integridade territorial, como no caso do Kosovo. Também não é despiciendo salientar que a maioria da população da Crimeia é pró-russa e pró-Yanukovych, pelo que mais depressa prefere fazer parte da Rússia ou tornar-se independente do que integrar uma Ucrânia cujo futuro é uma incógnita. Mais, se durante a Guerra Fria a doutrina da Mutual Assured Destruction permitiu assegurar o equilíbrio geopolítico entre os dois bloco, tendo apenas ocorrido proxy wars, como é que alguém pode sequer equacionar seriamente a possibilidade suicida de entrar agora numa guerra directamente com a Rússia?
Leitura complementar: Brincadeiras perigosas; A "península" do Texas; Breves notas sobre a situação na Crimeia;
1 - O Ocidente não aprendeu nada com a intervenção russa na Geórgia em 2008.
2 - Os ucranianos não aprenderam nada com a cobardia de europeus e norte-americanos que, na Geórgia e nos países varridos pela Primavera Árabe, depois de passarem anos a fazer promessas, a despejar dinheiro e a "promover a democracia" por via da subversão ideológica nas respectivas sociedades civis - com a melhor das intenções, note-se, sem quaisquer interesses geopolíticos e geoestratégicos subjacentes, claro, que isso é coisa que só os malvados russos e chineses têm -, quando, como se diz em estrangeiro, shit happens, ficam paralisados e/ou não sabem o que fazer e pura e simplesmente perdem o controlo da situação.
3 - Ainda assim, há, do lado de lá do Oceano Atlântico, quem queira responder militarmente à Rússia, coisa de que, como assinalou o Nuno Castelo-Branco, não se ouvia falar desde a crise dos mísseis de Cuba, e a NATO comprometeu-se com a Ucrânia, em 1997, a assegurar a independência, a soberania, a integridade territorial e a inviolabilidade das fronteiras do país. É mesmo disto que estamos a precisar, outra guerra na Europa.
Nas semanas que antecederam o início da Operação Barba Ruiva, os soldados alemães, conscientes da grande colaboração existente entre o Reich e a URSS, dedicavam-se a aventar as mais mirabolantes fantasias justificadoras daqueles preparativos bélicos. Muitos duvidavam da possibilidade de um conflito entre ambas as potências e dizia-se que Estaline teria arrendado a Ucrânia à Alemanha, garantindo assim o abastecimento de matérias primas ao Reich em guerra com os ingleses e seus aliados. Uma guerra contra os russos parecia inacreditável aos soldados da Wehrmacht, conhecedores da estreita colaboração entre ambas as lideranças. No campo Aliado e após o ataque soviético à Finlândia, chegava-se ao ponto da URSS ser considerada como um membro informal do Eixo.
A propósito da situação a que já há muitos anos temos assistido na Ucrânia, Daniel Oliveira deixa-nos o seu ponto de vista num artigo no Expresso. Passando sobre as considerações acerca da política portuguesa que vão servindo como justificação comparativa a tudo o que mexe sobre o planeta Terra, o artigo destaca o regresso alemão à zona leste da Europa, neste caso uma Ucrânia que após a I Guerra Mundial, era encarada por Berlim como um apetecível espaço fornecedor de matérias primas industriais e de produtos agrícolas.
A queda dos Romanov permitiu que durante os anos subsequentes se gizassem alguns projectos de construção de novos estados, principalmente quando a Europa receava o poder de contágio do regime soviético saído vitorioso da guerra civil. O traçado das fronteiras a leste também obedeceu à necessidade de um ao tempo chamado Cordão Sanitário que significasse uma barreira a um proselitismo leninista já demasiadamente activo na Alemanha e Hungria. A Polónia foi reconstituída da forma que sabemos, desde logo incluindo numerosas minorias nacionais que desmentiam os 14 Pontos proclamados por Wilson como fautores da futura paz universal. Além de terras com alemães a ocidente e no norte, a Polónia anexou a Galícia oriental até então parte integrante do império austro-húngaro, território este povoado por ucranianos. A sul, a nova Checoslováquia - tal como a Polónia e a Jugoslávia, mais uma construção retintamente francesa -, também recebeu um território ucraniano, a Ruténia, enquanto uma engrandecida Roménia beneficiava das derrotas de húngaros e russos. Estavam assim criadas as condições para o inevitável revisionismo de tratados que nada mais foram senão imposições alheias aos pressupostos pelos quais os Aliados alegaram combater os Impérios Centrais.
Após a sua tomada do poder, o regime de Estaline foi por Trotsky - ele próprio um responsável por todo o tipo de brutalidades perpetradas sob seu comando durante a guerra civil - denunciado como centralista e burocratizante, encarando os territórios não russos como colónias ou semi-colónias, enfim, precisamente aquilo que durante décadas se denunciaria no ocidente dos tempos da Guerra Fria. De facto, em todo o espaço compreendido pelas fronteiras daquilo que internacionalmente foi conhecido como URSS, a afirmação de Trotsky não deixava de ser verdadeira, prosseguindo-se as políticas de colonização, desenraizamento e transferência de populações, as limpezas étnicas e a produção obrigatória segundo as conveniências ditadas por Moscovo. Holodomor não foi um caso único, sendo apenas o mais conhecido.
Quem escute as reportagens vindas de Kiev, será tentado a considerar o problema ucraniano como mais um episódio do imperialismo moscovita e nem por isso muito diferente do que há vinte anos aconteceu nos países bálticos ou no Cáucaso. A verdade é que se trata de um caso muito diferente, confrontando-se aqueles que hoje encontram referências libertadoras da hegemonia russa em Stepan Bandera e os pan-eslavistas que inevitavelmente tenderão para a continuidade da situação que já vem desde os tempos de Catarina A Grande. Partindo da suposição de que "os inimigos dos meus inimigos, meus amigos são", Bandera faria precisamente um simulacro daquilo que Estaline e o regime soviético não hesitaram em encetar de forma muito mais decidida, ou seja, uma intermitente colaboração com a Alemanha. Os ucranianos - a Crimeia é uma caso diferente - encontram-se então divididos entre aqueles que a ocidente tenderão para encarar a Europa como um destino seguro que conduz à prosperidade e os não menos numerosos pró-russos, sem dúvida atraídos pela imagem de firmeza transmitida pelo regime de Putin e sem dúvida, pelo eslavismo e consciência da clara dependência económica e estratégica em que a Ucrânia se encontra. Imaginemos então o que para países como Portugal, já fustigado pelo ainda recente ingresso dos estados do leste europeu na UE, representaria a entrada da Ucrânia? Estão permanentemente estilhaçadas todas as suposições internacionalistas da esquerda europeia, enquanto o socialmente restrito mundo dos negócios decerto olhará com esperança para mais esta hipótese de mão de obra barata - muita da qual é qualificada - e um grande potencial económico no que a matérias-primas se refere. Muito há para dizer quanto a este assunto que não se circunscreve apenas a lutas pelo predomínio económico na região. O próprio Putin consiste num sério factor a ter em conta, conhecendo-se a sua declarada antipatia para com aquilo que se verifica em muitos países da Europa ocidental onde o islamismo levanta cabeça. Aqui Putin encontrará muitos tácitos aliados na direita política e numa esquerda musculada que minimizará os traumas provocados pelo derrubar de estátuas e o picar das estrelas, foices e martelos dos edifícios públicos russos. Se para aqueles o dirigente russo até poderá restaurar a Monarquia, para estes não deixou de ser um homem forte dos tempos da extinta URSS.
No caso ucraniano, não se trata de um mero confronto entre os desejos de predomínio de alemães e russos, até porque a aproximação entre ambos parece sólida e com perspectivas de durabilidade. Por muito que isto desagrade aos memoralistas dos tempos do Reich, a Alemanha dos nossos dias encontra-se numa situação muito inferior àquela que se lhe reconheceu até 1945. Na Europa ocidental, muitos já entenderam o cada vez maior interesse da Alemanha na sua tradicional área de influência na Europa central e de leste, secundarizando os problemas que a ocidente já parecem irremediáveis. O alargamento da União Europeia a leste apenas consolidou esta perspectiva. Ninguém seriamente imagina um aberto confronto entre Berlim e Moscovo a propósito da hegemonia sobre a Ucrânia, pois os alemães nem sequer dispõem dos recursos políticos - a memória da II GM é forte - e militares - a Alemanha é militarmente quase nula - para tal aventura que pressagiaria um desastre a curto prazo. Talvez se possa antever algum desejo de mitigar a retoma do expansionismo russo, obtendo-se algumas concessões que o ingresso da Ucrânia poderia significar, num primeiro passo a dar para uma ainda muito longínqua entrada russa na união. É isto mesmo o que há a reter daquilo que Daniel Oiveira aponta como ..."um confronto económico entre a Alemanha (que quer o acordo de parceria) e a Rússia (com a sua união aduaneira)." A Alemanha parece estar a usar a arma política - não descurando a apetecível tecnologia - para a obtenção de vantagens económicas não apenas na Ucrânia, mas também na própria Rússia. Quem julgue existir alguma pretensão a domínio territorial ou militar, encontra-se perdido num passado de impossível revisitação. Aos alemães, a Ucrânia apresenta-se então como um facto consumado da influência russa e a menos que ocorra uma catastrófica revolução em Moscovo, não se vislumbram alterações quanto a esta situação. Deverão então os alemães estar bem conscientes da sua força económica - aliás sublinhada pelo Euro fatalmente exigido pela França - e a sua fraqueza histórico-política e militar. Quanto a isto, não terão quaisquer dúvidas. Merkel e Putin sabem-no tão bem como qualquer outro comum mortal e a proposta da entrada da Ucrânia para o Zollverein delineado por Moscovo, decerto trará claras reminiscências de uma história de unificação que a Alemanha muito bem conhece e aproveitou.
O acordo germano-russo, já pressupõe uma radical alteração geoestratégica de uma Europa durante três gerações fortemente ligada aos EUA e consequentes políticas atlanticistas. Muitas são as razões a apontar para o declínio daquilo que um dia se chamou CEE e o seu desmesurado alargamento não deixará de configurar o lugar cimeiro daquelas. Enquanto a Europa foi essencialmente ocidental - com a própria existência de uma Alemanha dividida -, jamais se colocou em causa a solidariedade atlântica, servindo o expansionismo russo-soviético como instrumento de coesão e de todos os tipos de solidariedade. A derrota sem apelo de todos os regimes comunistas de leste alterou profundamente essa mesma ideia de Europa, sendo impossível negar a polacos, checos, romenos ou bálticos, aquilo que era um dado adquirido para dinamarqueses, franceses, italianos, belgas ou portugueses. O problema passou então a radicar nas relações que esta subitamente vasta união europeia teria com os novos vizinhos russos, ao mesmo tempo que uma NATO também alargada trazia outros tipos de problemas que a presença americana implicava no diálogo com o Kremlin. Tudo dependerá então da forma como europeus e americanos quiserem encarar uma Rússia que não se conforma exactamente ao mesmo modelo democrático que nas últimas duas décadas tem vingado de Lisboa a Varsóvia. Querermos ver a Rússia como uma potência exactamente como qualquer outra - seja ela a França, o Reino Unido, a Itália ou a Alemanha -, consiste num evidente erro que antes de tudo é liminarmente rejeitado pelos próprios russos, estando estes conscientes da sua grandeza territorial, potencial militar e imensos recursos económicos. Pede-se apenas a resolução de um difícil equilíbrio entre o ocidente e o leste, estando desde já certos que Moscovo não deixará de exigir a não intromissão na sua tradicional esfera de influência, i.e. os territórios que um dia pertenceram à soberania czarista e correspondente sucessora soviética. Isto supõe uma certa liberdade de acção russa na Bielorrússia, no Cáucaso e uma forte influência na Ucrânia. Aos desejos alemães de obtenção de vantagens económicas na Ucrânia, contrapõem-se outros que se estendem ao domínio militar - o Mar Negro e o Cáucaso - e da segurança interna: os da Rússia. A ninguém estranhará a praticamente inevitável preponderância desta última. O mais curioso será observar que estes desejos servem plenamente a segurança europeia.
Qual a alternativa que a Europa, ou melhor, a Alemanha poderá propor aos ucranianos fortemente dependentes quanto ao abastecimento energético e que partilham milhares de km de fronteira e redes de comunicações com a Rússia? Como poderá a Europa, hoje paulatinamente se distanciando dos EUA que cada vez mais se interessam pelo Extremo Oriente, explicar a manutenção do antagonismo com a Rússia que se apresenta ela própria como europeia e defensora do perímetro de defesa do continente? Para os entusiasmados continentalistas da esquerda europeia, no momento em que se conhecem grandes dificuldades na contenção da chegada de contingentes humanos que representarão o fim do próprio conceito de Europa, torna-se muito difícil rejeitar o estreitamento da cooperação com a Rússia, mesmo que a muitos o regime de Putin surja como algo de insólito - quando foi precisamente a esquerda europeia quem contemporizou com o sistema soviético - e de contrário à ideia que a ocidente se tem acerca daquilo que é ou deverá ser uma democracia. Além do modelo económico que até à globalização se conformou ao bem-estar social, o vertiginoso desarmamento a que os países europeus se sujeitaram ao longo de muitas décadas, também será um dos factores a considerar para este mais que certo resvalar para a crescente influência russa, aliás nada que já não tivesse sido previsto pelos políticos que cercavam o Kaiser no alvorecer do século XX.
Aquilo que os nossos comentadores agora deveriam estar a congeminar, é a possibilidade do afastamento de alguns países europeus do supra-centro dirigido por Berlim. Existem factores que poderão influenciar esta suposição e o alargamento do Canal do Panamá - conducente a mais uma enxurrada chinesa - decerto obrigará os EUA ao regresso do seu interesse pelos seus fiáveis aliados em Londres, Lisboa e outros. Pensem no assunto, é coisa para os próximos quinze anos.
Aquelas armas há uns meses descaradamente usadas pelos jihadistas na Síria, talvez tenham sido uma das razões pelas quais americanos e ingleses se decidiram à quebra no fonecimento de material militar à chamada oposição síria. A opinião pública ocidental já não afina facilmente pelo diapasão daquilo que o departamento de Estado americano indica como grandes perigos planetários. Se a isto juntarmos a decidida intervenção russa, foi então obrigatório o encontrar de um pretexto, aquela airosa saída que salve as aparências.
Esta notícia ainda não chegou a Portugal, talvez aguardando os normais copy-paste em que a nossa imprensa se especializou. A seriedade deste anúncio merece todas as reservas, dado o que sabemos acerca do envolvimento saudita e de outros países do Golfo no fornecimento de todo o tipo de auxílio à subversão radical. Quanto aos instrutores militares prodigalizados pelos EUA, essa é outra questão a não esquecer.
Embora o anúncio pareça tratar-se de uma sessão de cosmética, para já Bashar al-Assad pode acreditar ter uma vitória militar à vista.
Os corredores diplomáticos de há perto de três décadas, confirmavam as suspeitas lançadas pela Casa Imperial iraniana. Sobretudo por duas razões, os norte-americanos da catastrófica administração Carter ter-se-iam interessado pela queda do Xá Mohamed Reza Pahlevi: a primeira respeitaria à cada vez maior proeminência do Irão no Médio Oriente, estando em vias de obter uma confortável independência face à tutela estabelecida por Washington após a queda de Mossadegh. O Xá era poderoso, estava cada vez mais crítico - tinha relações com os israelitas, mas atrevia-se a criticar a exclusivista política americana na região - e agia demasiadas vezes segundo o exclusivo interesse do seu país, sendo isso intolerável. Segundo aquilo que normalmente se alega, "falou demais", não hesitava em apontar as falhas internas dos seus teóricos aliados.
A segunda razão consistia nas ambições nucleares que o soberano acalentava, prevendo a rápida modernização do país e insistindo numa fonte de energia alternativa ao petróleo que exportava. Não se excluía também a possibilidade de passada a fase da energia para fins pacíficos, o Irão ingressar no restrito clube das potências nucleares. Para outro país daquela parte do mundo, isso seria intolerável. Conseguiu-se impedir o caminho gizado pelo Xá, mas acabou por ser o Paquistão o beneficiário.
O Irão alcançou uma importante vitória em vários sectores. Diplomaticamente quebrou a unidade ocidental, conseguiu esbofetear o Estado de Israel e iniciou uma fase de degelo que externamente oferece alguma legitimidade ao regime absolutamente tutelado pelo clero xiita. Economicamente as vantagens são imensas, conseguindo aquilo que o regime de Saddam jamais obteve, ou seja, o levantamento de sanções que antes de tudo estavam a minar gravemente o regime, fazendo desesperar uma população que hoje se encontra muito longe dos padrões de consumo e de progresso material e social dos tempos do Xá. Esta conferência poderá significar a salvação do regime islâmico e as autoridades locais estão muito justamente eufóricas. O Ocidente cedeu e numa época de profunda crise, os negócios estabeleceram o diktat.
As garantidas dadas pelo governo de Teerão, não valem a folha de papel em que foram escritas. Todos o sabemos, embora os ocidentais tentem dourar-nos a pílula.
Não é apenas Israel que teme os resultados desta conferência internacional. Todos os vizinhos do Irão estão receosos pelo evoluir de uma situação que queiram ou não queiram os norte-americanos, acabará por conceder a Teerão a arma final. Tratando-se apenas de uma questão de tempo, não são de descartar alguns realinhamentos estratégicos na zona.
Há perto de oitenta anos, a Alemanha remilitarizou a Renânia, denunciou - com toda a justiça, há que dizê-lo - o Tratado de Versalhes e daí rapidamente passou à ofensiva diplomática, económica e militar. É este o longínquo paralelo que em primeiro lugar a quase todos ocorre: Munique.
Não deverá ser muito difícil proceder a um exercício de imaginação acerca daquilo que a administração de Obama significará para a história, mas de um dado podemos estar certos: com alguma baraka para os iranianos, o risonho Sr. Obama concedeu-lhes a bomba atómica. Bem pode correr escadas acima para bordo do Air Force One. Missão cumprida.
...uma Monarquia sempre é uma Monarquia. Para variarmos um pouco desta vulgaridade que se chama república portuguesa, uma bonita Senhora numa decente cerimónia. Para que aprendam.
Vinte e oito. Tão somente vinte e oito. The hip-hop mayor...
«Ex-Detroit mayor sentenced to 28 years in prison for corruption
Kwame Kilpatrick, the disgraced former mayor of Detroit, was sentenced Thursday to 28 years in prison for corruption following a series of scandals that showed he had unchecked power while in office.
Kilpatrick’s defense attorneys originally had argued that federal prosecutors were overreaching when they recommended he get 28 years – but Judge Nancy Edmunds handed down every minute of it.
"It was a tough sentence but it was a very large crime (and) the punishment met the crime," said U.S. Attorney Mark Chutkow.
Kilpatrick addressed the court before his sentencing, saying, "I'm incredibly remorseful." But he stopped short of admitting guilt.
"I respect the jury's verdict,” he said. “I think your honor knows I disagree with it."
This was a different Kilpatrick. Gone were the flamboyant suits, the earring and the demeanor of the politician once described as the “hip hop mayor.” (...)
Kilpatrick spent $800,000 more than he earned. He billed his city credit card for trips to Las Vegas, and bought concert tickets and football tickets along with an $850.00 steak dinner. He leased two Lincoln Navigators for his wife with public money.
"Managing a city with no money is hard every single day," Kilpatrick told the court. "I can't stand here and say I didn't work my butt off. I did every single day."
Kilpatrick did not help the impending financial crush of Detroit. Federal prosecutors wrote in a 51-page, pre-sentence filing that the city "desperately needed resolute leadership. Instead it got a mayor looking to cash in his office through graft, extortion and self dealing."
As sentences continue to get stiffer for convicted politicians, federal prosecutors in Detroit clearly intended to send a message.
"I truly hope that every public official who is out there in this district and even having the slightest inkling of crossing the line and betraying the public trust, that they pay close attention as to what went on in that courtroom today," said federal prosecutor Michael Bullota.
On top of the 28-year sentence, Kilpatrick will need to pay restitution. The amount will be determined at a hearing not yet scheduled and it will be based on any assets Kilpatrick has left.»
Notícia daqui.
Pela primeira vez vez em muitas décadas, um texto saído da cúpula moscovita teve eco internacional. Já não se trata de uma velha tirada de retórica ideológica "aglomera-ânimos" dos tempos do estalinismo, mas sim de um magistral documento que em cheio atinge a psique do americano comum. Os argumentos são clássicos - e por isso mesmo sumamente eficazes -, indo sempre apelar a um bastante politicamente correcto appeasement que ao invés daquilo que o comum dos mortais julga, jamais se tratou de uma característica da politica norte-americana. Putin é bem claro, pois afirma ..."I carefully studied his address to the nation on Tuesday. And I would rather disagree with a case he made on American exceptionalism, stating that the United States’ policy is “what makes America different. It’s what makes us exceptional.” It is extremely dangerous to encourage people to see themselves as exceptional, whatever the motivation. There are big countries and small countries, rich and poor, those with long democratic traditions and those still finding their way to democracy. Their policies differ, too. We are all different, but when we ask for the Lord’s blessings, we must not forget that God created us equal." Lapidar.
Para não irmos demasiadamente longe na retrospectiva da história, temos de considerar a provocada guerra espano-americana, eivada de falsas informações, atentados inventados ou decorrentes de meras contingências alheias a qualquer malévola vontade. Prosseguindo, durante a I Guerra Mundial, o presidente Woodrow Wilson capciosamente indicaria aos beligerantes um programa que flagrantemente era por si mesmo uma tomada de posição de pré-beligerância, dada a situação sobre a qual se erguiam os impérios da Áustria-Hungria e Otomano. De facto, todo o articulado dos 14 pontos poderia ser resumido àquilo que aos Aliados pareceu essencial, isto é, num novo e oportuno - sobretudo para a França - redesenhar do mapa do velho "continente", desarticulando-se toda a Mitteleuropa e impedindo sine die o alvorecer daquilo a que Coudenhove-Kalergi designaria de Paneuropa. A autoria americana da destruição do outrora poderoso fiel da balança de poderes que era o império dos Habsburgos, de forma alguma consagrou os princípios anunciados por Wilson. A Checoslováquia, a Jugoslávia, a Roménia e a própria Polónia, foram o efervescente cadinho para novos conflitos que inevitavelmente desestabilizariam a ordem estabelecida por Versalhes.
A inevitável ascensão do nacional-socialismo ao exercício do poder na Alemanha, - o Tratado de Versalhes e a política de "reparações" assim o permitiram - serviria precisamente para demonstrar o quão falaciosos eram os 14 pontos apresentados ao mundo como caboucos da paz eterna. Hitler deles se serviu para a contabilização das suas reivindicações territoriais na Europa. Ao pretender a inclusão da Áustria, dos Sudetas, de Dantzig, de áreas da Posnânia, do Tirol do Sul e de outros territórios povoados por alemães, não estaria o Fúhrer a basear o seu discurso naquilo que Wilson indicara como essência da justiça e da confiança internacional? Era, daí a política de appeasement que as democracias ocidentais cultivaram durante toda a década de trinta, presas ao sofisma por elas próprias adoptado como fonte primeira do direito. Prosseguindo na longa série de interpretações unilaterais do direito internacional, Washington, detentora de jamais assumidas possessões coloniais - as Filipinas, por exemplo -, verberou com acrimónia o cada vez mais evidente expansionismo japonês, precisamente no momento em que sugeria aos portugueses a cedência de Angola como possível solução para as nebulosas promessas de Lord Balfour.
Todo o caminho que conduziria a América a Pearl Harbour foi balizado por discursos e atitudes claramente beligerantes, desde as proibições de comércio de matérias primas destinadas ao Japão, até a claros ultimatos enviados a Tóquio logo após a intervenção japonesa na Indochina. Se a isto somarmos as conversas à lareira que Roosevelt prodigalizaria como forma de justificar a intervenção que já se verificava em pleno Atlântico - comboiando a US Navy os freighters britânicos a caminho do R.U. -, temos então um quadro bastante completo do assumir da pretensão hegemónica mundial. O fim da II Guerra Mundial consagraria esta política, aliás facilitada pelo completo ocaso das antigas potências europeias destruídas pelo conflito. Na verdade, a emergência da URSS - previsível desde 1905, quando a espectacular recuperação económica prometia a hegemonia continental ao império dos czares -, porque tardia, serviu os interesses norte-americanos, evitando qualquer multilateralismo, ou melhor, um mundo multipolar que já se adivinhava com a chegada à cena internacional de novos países recentemente descolonizados.
A simbólica queda do Muro de Berlim apenas confirmaria a suposição de uma provisória assunção americana da ordem internacional, pois em 1989 já eram nítidos os sinais do despertar chinês e da aproximação da Índia e de países sul-americanos - o Brasil - a um maior protagonismo nas relações internacionais. Os erros cometidos foram imensos, entre os quais avulta a apressada entrada da China na OIC e por isso mesmo caindo as vitais barreiras que durante muitas décadas garantiram a estabilidade e pujança das economias ocidentais.
A liquidação do império soviético conduziu ao esperado resultado da fragmentação da massa euro-asiática, facto que os norte-americanos logo souberam aproveitar, estabelecendo fortes laços com as novas autoridades de alguns dos Estados da Ásia Central. A verdade é que tal como Roosevelt não fazia a menor ideia acerca da localização de importantes províncias alemãs como a Silésia, Pomerãnia e Prússia Oriental - entregando-as sem um piscar de olhos à limpeza étnica promovida pelo seu aliado J.V. Estaline -, as sucessivas administrações de Reagan, Bush, Clinton e Bush (filho), pareceram dar nenhuma importância à necessidade da existência de uma esfera de segurança russa. Já não se tratava da Europa central e oriental, do Afeganistão ou de Cuba, mas sim das áreas tradicionalmente ligadas aos russos durante os últimos trezentos anos. Washington não foi capaz - ou terá sido intencional ? - de prever a gravidade dos desafios que eram colocados a Moscovo, cujas autoridades foram subitamente colocadas perante factos consumados nas suas fronteiras. O radicalismo islâmico alastrou em algumas áreas ainda componentes do Estado russo e Putin ver-se-ia colocado perante a desagradável escolha entre uma contemporização que denotaria fraqueza extrema, e a acção que macularia a sua imagem de estadista pós-soviético. Washington não ajudou e pior ainda, deu carta branca a dirigentes considerados próximos, sendo o caso georgiano um entre outros exemplos. Todos conhecemos o afã quanto à intervenção no Iraque, alegando então George W. Bush com aqueles perigos que durante estes dias Obama tem escrupulosamente enunciado quanto à Síria. Ora, tendo sido comprovadamente falsas as alegações com as quais se mimoseou o sanguinolento regime de Saddam Hussein - um reconhecido antigo aliado táctico na luta contra os aiatolás - , como esperará agora a administração norte-americana, um acatar ocidental do mesmíssimo discurso agora dirigido a Assad? A verdade é que o regime de Damasco tem sido moderadamente eficiente na passagem da sua mensagem anti-Al Qaeda e na Europa, ao contrário dos loucos de Deus que parecem prevalecer nos EUA, o repúdio por mais uma aventura Yes we can, é evidente. Os aliados incondicionais - as populações do Reino Unido e de Portugal - fazem saber via sondagens, da sua total indisponibilidade por um caucionar do conflito que se prepara, enquanto outros, entranhadamente avessos a projectos de contornos muito difusos - a Alemanha -, abertamente se opõem ao toque a reunir. Em suma, os russos sabem que desta vez os americanos se encontram isolados e pior ainda, a administração não pode contar com um esmagador apoio interno. Neste sentido, a carta de Putin também é magistral.
O presidente russo sabe a quem se dirige. Senão, vejamos:
1. "Amansando a fera", o presidente russo anuncia não desconhecer as dificuldades do período da Guerra Fria, matizando-as com a fugaz aliança durante a II Guerra Mundial. Este poderá ser um argumento com mais peso que aquele aparentemente suspeitado, pois sabe-se que a política do Departamento de Estado está intimamente ligada, quando não dependente, do posicionamento do seu mais forte aliado no Médio Oriente.
2. Aquando das intervenções russas na Alemanha (1953), Hungria (1956), Checoslováquia (1968) e Afeganistão (1979), os americanos fizeram enorme alarido em todos os areópagos internacionais, apelando à carta das Nações Unidas. Aliás, os seus interesses específicos naquela parte do mundo - o Médio Oriente - obrigariam os EUA a rapidamente condenar a intervenção anglo-francesa no Suez (1956), implicitamente reconhecendo uma violação da soberania por parte das outrora poderosas potências europeias. Putin escreve hoje exactamente segundo o mesmíssimo guião, indicando a ONU como o forum capaz de dirimir conflitos e até aponta o direito de veto - prodigamente utilizado pela Rússia e China - como um dos recursos capazes de manter o equilíbrio nas relações internacionais. O espectro da Sociedade das Nações está presente, pois não é por acaso que de imediato nos surge a lembrança das atitudes unilaterais daqueles que um dia foram os parceiros do Eixo que a Rússia (a então URSS) e os EUA combateram em nome do direito internacional. Este é um argumento de rápida divulgação e de esperado sucesso na Assembleia Geral da ONU. Em suma, "the United Nations’ founders understood that decisions affecting war and peace should happen only by consensus, and with America’s consent the veto by Security Council permanent members was enshrined in the United Nations Charter. The profound wisdom of this has underpinned the stability of international relations for decades.
3. Putin conhece perfeitamente a forma como o americano comum entende a sua própria presença terrena. O apelo a Deus - neste caso, o dos cristãos - e a menção ao actual Papa, não será por mero acaso. A evidência do alastrar da instabilidade pela consolidação de grupos terroristas - os americanos atrever-se-ão a considerar este facto como uma falsidade? -, não deixará de influir pesadamente na opinião pública americana, ela própria copiosamente alimentada de pavores, conspirações e mania de atentados sugeridos pelas suas autoridades. Putin simplesmente aproveita o caldo de cultura servido pelos sucessivos governos norte-americanos e ameaçando com o terrorismo islâmico - nisto irmanando os interesses de russos e americanos -, desfere um golpe fulminante em todo e qualquer discurso que Obama possa proferir. Pior ainda, ameaça a Europa com a subversão, pois "mercenaries from Arab countries fighting there, and hundreds of militants from Western countries and even Russia, are an issue of our deep concern. Might they not return to our countries with experience acquired in Syria? After all, after fighting in Libya, extremists moved on to Mali. This threatens us all." É mesmo verdade, não há como negar.
4. Um aspecto nada negligenciável e que se prende com a situação actualmente vivida noutros países da região - referimo-nos ao Egipto -, faz de Putin um defensor das minorias religiosas, nomeadamente dos cristãos que mais que nunca se encontram ameaçados pelo avanço islamita. Há que considerar o papel da Turquia - ela própria a braços com a instabilidade - na região, sempre sob forte suspeita da tentativa de criação de um certo Lebensraum de claro recorte imperial e que obedece grosso modo à tradição otomana. O tácito apoio russo aos iranianos não deve ser apartado deste caso.
5. A propaganda desmontada. São bastante fortes as suspeitas do uso de gases por parte dos chamados rebeldes e talvez esporadicamente, por Assad. Crescem os testemunhos e a lógica indica o total desinteresse de Assad em cruzar a barreira que Obama ainda não há muito estabeleceu. Todos se recordarão do Caso Saddam e a evolução iraquiana não foi de molde a deixar qualquer tipo de ilusões na opinião pública norte-americana, ainda para mais confrontando-a com a iminência de um ataque químico a Israel: "no one doubts that poison gas was used in Syria. But there is every reason to believe it was used not by the Syrian Army, but by opposition forces, to provoke intervention by their powerful foreign patrons, who would be siding with the fundamentalists. Reports that militants are preparing another attack — this time against Israel — cannot be ignored."
5. A desculpabilização do Irão e da Coreia do Norte. O bastante previsível unilateralismo norte-americano que Putin aponta ao longo de todo o seu texto - "millions around the world increasingly see America not as a model of democracy but as relying solely on brute force, cobbling coalitions together under the slogan “you’re either with us or against us.” - conduzirá à inevitabilidade do surgimento de todo o tipo de arsenais dotados de armas de destruição maciça e entre estas, a pavorosa bomba atómica que ensombra a imaginação do Ocidente. Assim, o presidente russo parece oferecer os seus bons ofícios que tenderão a impedir este resvalar do armamento nuclear para mãos duvidosas. No fundo, está implícito o princípio da prevalência do "homem branco" que civiliza e protege o Direito.
6. Putin estabelece os limites, indica o espaço da sua coutada. De facto, toda a Ásia Central, os Estados eslavos saídos da extinta URSS e uma mão cheia de países tradicionalmente aliados ou dependentes, são considerados como pontos vitais da segurança russa, sendo entre estes a Síria um importante contraponto aos desígnios turcos e aos conflitos latentes no Cáucaso. Em resumo, a presença americana deve ser moderada pelos ditames da realpolitik que afinal serve perfeitamente os interesses dos EUA - os do Ocidente - a longo prazo.
7. Em conclusão, Putin será decerto benquisto pela maioria dos ocidentais, principalmente por muitos europeus temerosos da imprevisível situação interna nos seus países - França, Bélgica, Alemanha, Suécia -, também convencidos do declínio norte-americano que implicará uma inevitável aproximação entre os países do hemisfério norte. É claro que todos entenderão o que isto quer dizer, pois existe um receio histórico que há uma centena de anos se denominava de perigo amarelo. O medo funciona. Hoje, esta tonalidade é acompanhada por outras. Putin sabe-o e racionalmente apela ao irracional. É um mestre.
Alguns alvos colaterais do Agent Orange (Vietname)
...sendo o dirigente do país que ainda há menos de duas gerações utilizou o Agente Laranja no conflito do sudeste asiático, não lhe parece descabido o apressado zelo no inculpar de outrem pelo criminoso bombardeamento com armas quimicas? O Agente Laranja pode ser considerado como uma arma química, disso já não restam dúvidas.
Quanto à questão nuclear - dela estamos à espera a qualquer momento -, essa é uma outra história cujos efeitos por decisão do utilizador ainda há poucos dias foram comemorados. Telefone para Tóquio e Hanói, decerto encontrará quem se disponibilize a elucidar Vossa Excelência.