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Foi na faculdade que descobri a profissão de intérprete de conferência. Estava no segundo ano do curso de Relações Internacionais quando os meus serviços foram requeridos impromptu. Em 1994, a Universidade Lusíada de Lisboa organizou uma conferência alusiva à arquitectura política da Europa no pós-União Soviética. Para o efeito convidaram um dos conselheiros políticos de Gorbachev, o Prof. Alexander Likhotal, para proferir um discurso sobre o tema, mas, inadvertidamente, os organizadores da conferência esqueceram-se de que necessitariam de um intérprete para o professor russo, uma vez que outros oradores servir-se-iam da língua portuguesa para endereçar as suas palavras ao auditório. Na qualidade de aluno bilingue fui chamado para dar uma mão, e converter as mensagens em língua inglesa para o convidado russo. A técnica de interpretação que empreguei chama-se chuchotage - murmurar directamente para o ouvido do destinatário. O processo é exigente e extenuante, mas descobri um filão profissional interessante e bem pago. No dia seguinte, à americana (sem cordelinhos, cunhas ou amigos), fui bater de porta em porta para oferecer os meus serviços de intérprete, e à laia de beginner´s luck, fui contratado à primeira. A agência de interpretação que me recrutou pôs-me em campo passado pouco tempo. De trabalho em trabalho fui crescendo, tendo tido várias tarefas interessantes. Por exemplo, a interpretação do discurso de tomada de posse do ex-presidente dos E.U.A. George W. Bush em directo na SIC Notícias, ou, mais recentemente, a interpretação consecutiva das conferências de imprensa pre-match and post-match de José Mourinho no âmbito do jogo de futebol entre o Sporting e o Chelsea para a Liga dos Campeões, cujos destinatários foram os espectadores da SKY News, de entre outros de diversas antenas internacionais. Mas o que me traz aqui hoje não se prende necessariamente comigo. Tem a ver com a defesa das virtudes linguísticas dos portugueses. Da minha experiência de intérprete de inglês-português-inglês (ENG-PT-ENG), e com mais de 200 conferências em cima dos ombros, posso concluir, sem reservas de opinião, que os portugueses têm talento para línguas "estrangeiras". Nem queiram comparar um espanhol e um português no que diz respeito ao uso da língua de Shakespeare. Os intérpretes sabem que uma das piores favas que pode sair no bolo é terem de levar com um espanhol a proferir um discurso em inglês. Pode ser que o interlocutor fale em inglês, mas a coisa soa sempre a castellano e causa grandes transtornos cognitivos aos intérpretes. Esta é a verdade, independentemente de estudos académicos que possam conhecer a luz do dia. Numa das conferências em que tive de gramar um espanhol a "discursar" em inglês, levei uma cotovelada da minha colega intérprete, porque, totalmente convencido dos meus préstimos, estava literalmente, e palavra a palavra, a "traduzir" de inglês para inglês, tal era a espanholização da língua - parecia mesmo outra língua. Os portugueses, por seu turno, chegam a qualquer destino e, volvido muito pouco tempo, integram a língua de destino no seu espírito. Conheço múltiplos casos de sucesso. Um amigo, emigrado para a Alemanha há mais de uma década, passados seis meses já tratava a língua alemã por tu. Tenho mais exemplos no bolso, alusivos ao especial talento dos cidadãos portugueses para aprender línguas que não a de Camões, camones, mas quedo-me por aqui. Se me derem a escolher, nem sequer hesito, os portugueses ocupam um lugar no pódio. Quanto aos espanhóis, perdoem-me o desabafo, são uma dor de cabeça quando se põem a chalrar em inglês.