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Dizia Benjamin que a história não é um continuum guiado pelo Progresso. Nem pela razão, acrescentaria eu. Porém, há quem pense de um modo bem distinto. Só isso explica que ainda haja por aí quem se surpreenda com o facto de, em muitas latitudes, haver povos e regiões que não dão um único centavo pela Ideia democrática. No fundo, o que importa relevar é que os tempos de domínio intangível do eurocentrismo findaram. Com ou sem liberdade, com ou sem democracia de tipo ocidental, o que interessa às grandes massas, muitas vezes famintas, deste mundo é, perdoem-me a ironia deslocada, a concretização prática do famoso slogan do PPD/PSD: paz, e, sobretudo, pão, e, depois, com algum jeitinho, a liberdade. É bom que se entenda isto, porque já não há, em rigor, espaço e manobra para semeaduras atabalhoadas de um tipo de liberdade que nós, ocidentais, há muito que deixámos de compreender.
Ouvi falar há alguns dias sobre uma aliança dos países da periferia da Europa (que se encontram condicionados pela austeridade e pelo ditado da Troika), no sentido de fazerem frente ao norte europeu. Essa solução seria uma espécie de "brothers in arms" dos destinatários das decisões políticas tomadas em Bruxelas (União Europeia), Berlim (Alemanha) e Frankfurt (BCE). Este fenómeno de fractura ocorre no hinterland da União Europeia, no seio do projecto europeu - no espaço de fins civilizacionais comuns, segundo alguns. Enquanto a situação europeia não se desencrava, o resto do mundo não está à espera. Alguns países do resto do mundo ocidental (ou não), procuram um modo de alavancar a sua vantagem competitiva e de um modo combinado. Um acordo comercial na zona do Pacífico está a ser finalizado e integra, velhos inimigos e novos parceiros. Esse bloco de entendimento comercial não tem a ambição de ser um plataforma de integração política - vale por si, vale pelas receitas resultantes de trocas comerciais. Há já algum tempo andava a pensar porque razão os EUA não têm estado presentes no processo europeu (como em tempos idos), e agora sei porque isso está acontecer. Os interesses estratégicos dos EUA passam por outras polaridades que não a Europa. Por seu turno, a União Europeia, por ser efectivamente uma manta de retalhos, com ambição a federação, mas sem avançar para uma verdadeira união política e fiscal, está a perder terreno na corrida aos mesmos recursos e mercados. Portugal, que é apenas um de muitos que partilham esta contradição existencial europeia, procura regressar aos mercados financeiros, mas está acorrentado por decisões excêntricas. Acresce a esta situação, a emergência de uma tendência proteccionista na Europa, para não a designar de nacionalista e xenófoba. O entendimento entre a extrema-direita de França e da Holanda não é um bom sinal. É um grave sintoma da patologia social que contagia a Europa, com maior ou menor intensidade conforme a cultura ideológica local. O eurocentrismo, mais do que uma convicção que nasce com os europeus, serve para, de um modo erróneo, interpretar o mundo como se este se reduzisse ao velho continente. Numa frase simples e porventura incompleta; a Europa está limitada pela sua visão endémica, pelo refúgio numa ideia de status quo, ou no limite, pela noção de reposição de um equilíbrio que não tornará a ser.