Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
O tema da semana terá sido a catadupa de histrionismos a respeito da Hungria. Muito se perorou quanto a um país que antes de tudo estabelece aquilo que para desespero dos irados, foi popular e soberanamente decidido nas urnas. Bastará aos críticos olharem a composição do Parlamento de Budapeste e facilmente se tornará perceptível o que até à data tem sido decidido pelos representantes do povo magiar. O pretexto parece ser a questão da separação de poderes, onde alegadamente o executivo estabelece parâmetros no Judicial. Mais ainda acrescenta-se vagamente o ataque às universidades, sabendo-se de antemão que o alvo é apenas uma, precisamente aquela que pertence a uma rede complexa onde se incluem ONG, think tanks, uns tantos media e não se sabe ainda o que mais, tendo todos os pretéritos algo em comum: a ligação a um magnata que em teoria também é húngaro e poderoso sponsor de vários grupos que em Estrasburgo vão dando ares da sua graça. Daí à organização, financiamento e intensificação do contrabando humano por razões políticas, é apenas um passo.
Os eurodeputados portugueses, por uma mera questão de pudor e da mais elementar decência, deveriam evitar o supracitado ponto da confusão de poderes, pois eles mesmos, parte interessada no esquema vigente, silenciam o estranhíssimo caso que implicou amargos de boca e irritações subitamente relevadas como suave milagre. Porquê? Porque houve decisivo empenho - no sentido oitocentista do termo - de Belém e S. Bento que desbloquearam o retomar daquilo que verdadeira e unicamente lhes interessa: os negócios com Angola.
Em princípios de 2009, assisti na Fundação Gulbenkian à apresentação de um livro escrito por um grupo de eurodeputados (entre os quais a portuguesa Maria João Rodrigues) sobre o modelo social europeu, cujo título não me recordo. Mas recordo-me que todos os autores concordavam na necessidade imperiosa de defender a todo o custo as conquistas do modelo social europeu, algo que não poderia ser posto em causa pela crise económica internacional. Crise essa que consideravam sem precedentes e que, apesar de também ninguém saber bem como tinha surgido, só poderia ser resolvida com o aprofundamento da integração europeia. Um dos eurodeputados, um escandinavo veterano da política e também (orgulhoso) do Maio de 1968 nas ruas de Paris, confessou que esta crise era tão grave, tão preocupante que o tinha levado a fazer algo que nunca tinha feito na vida: ler a The Economist e o Financial Times.
É claro que quando um decisor e representante (muito bem pago, por sinal) num órgão com poder para influenciar a vida de centenas de milhões de cidadãos nunca na sua longa carreira política se sentiu na necessidade de ler duas das publicações internacionais de referência - e não ter vergonha de o dizer publicamente -, é legítimo perguntar que espécie de gente é que os partidos mandam para Estrasburgo e até que ponto este parlamento tão pouco escrutinado deverá ser levado a sério e legitimado com o nosso voto.
Naturalmente que esta não será a regra entre os eurodeputados e que o Parlamento Europeu não é apenas isto. Mas o problema é que também é isto.
Edite Estrela tem pena de perder a casa do lago em Bruxelas (no comment).