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Imaginem por um instante que estava filiado no Partido Socialista (PS) com direito a assento parlamentar e desatava a tecer críticas a colegas, patrões de bancada e a mandar bocas sobre decisões tomadas pelo governo. Por esta altura já teria sido saneado à má-fila. Já teriam rasgado o meu cartão de sócio e me enviado para certo e determinado lugar. Não me surpreende que Ascenso Simões esteja a ser alvo de censura e de um provável processo disciplinar da Comissão Nacional de Jurisdição do seu partido. A PIDE do PS - a Polícia Interna de Difamação e Escárnio -, existe há algum tempo. A dissonância nunca foi bem aceite naquele partido que inventou a Democracia em Portugal Continental e Regiões Autónomas. Carlos César que se fez ao terreiro, vindo do refugo insular, assume a sua vocação de ditador de ilhota ideológica, de onde postula sevícias e recomenda sermões. No entanto, Ascenso Simões também é filho da casa e, nessa medida, também sofre de intolerância a lactose política (é googlar...) Mas estas querelas são coisa pequena, de quintal. A ver vamos se Centeno cumpre as ordens dos maiores accionistas do Eurogrupo - os chefes entregaram ao estafeta uma imensa lista de compras e se o rapaz torce o nariz às demandas, ainda leva com a minuta de admoestação da Comissão Europeia e dos Césares lá do sítio. Começo a perceber porque Centeno se quis distanciar do PS. É preferível ser criticado por uma cambada de estrangeiros do que por camaradas de luta - há sempre algo que se perde na tradução.
A eleição de Mário Centeno para Presidente do Eurogrupo numa altura em que a França tem um Presidente com uma visão para o futuro da União Europeia e em que a arrogante e obtusa dominação merkeliana parece ameaçada, é uma boa notícia. Mas o desfecho das negociações para a formação de governo na Alemanha será determinante para o futuro da União Europeia.
Os últimos anos da política externa Russa têm sido marcados pelo alegado imiscuir dos seus "agentes" nos assuntos do foro doméstico de um conjunto de países. Sejam hackers ou diplomatas, o axioma orientador é o mesmo - condicionar a acção política de outrém por forma a melhor servir o interesse nacional (russo, entenda-se). Não me parece de todo descabido que a Geringonça queira colocar o seu homem em Havana - Centeno no Eurogrupo. À primeira vista poderia parecer um tiro no pé. Afinal é o Eurogrupo que segura a trela para refrear devaneios orçamentais de países-membro da Zona Euro. Mas colocando lá o Mário a coisa pode dar ares de checks and balances, em nome do equilíbrio da União Europeia. A exportação do ministro das finanças também pode ser vista como um roadshow da solução de governo em Portugal, como se a mesma pudesse ser estabelecida como um template para congeminações de liderança de outros países. No entanto existe uma contradição semântica, ideológica, se quisermos - Centeno faz parte da família europeia de socialistas, e caso venha a ser o chefe do Eurogrupo, resultará desse grau de parentesco que não contempla necessariamente a linhagem comunista, ou da Esquerda mais acentuada. Por outras palavras, o Partido Comunista Português (PCP) e o Bloco de Esquerda (BE) não viajam na mala de Centeno. Deixam-se ficar pela Geringonça e já vão com muita sorte. Teremos assim, dois Centenos, um centenáurio bicéfalo - um que administra sevícias ao PCP e BE a partir do trono do Eurogrupo e outro que acomoda vontades dos mesmos partidos, mas apenas até à fronteira de Elvas. Se quisermos ser ainda mais ousados e extrapolar um pouquinho mais, Centeno, se seguisse a receita russa de um modo mais cínico, adoptaria a nacionalidade alemã e, desse modo, poderia assumir a pasta das finanças da Alemanha. Essa possibilidade erradicaria por completo qualquer forma de chauvinismo político dos alemães para com os desgraçados do sul da Europa. Centeno quer ganhar o Eurogrupo à primeira-volta. Para já veste a camisola amarela e a cor de rosa.
Maria Luís Albuquerque ainda nem sequer pôs os pés em Londres e um tribunal daquela cidade já condenou o Estado português. A isto chama-se um Swap rápido. Se tivesse trabalhado em Manchester antes de ser ministra das finanças não haveria problema (estou a reinar). E Sócrates tem mais uma história para contar aos netos. Os contratos do Banco Santander são obra sua. Os socialistas podem empurrar com a barriga, mas foi com um seu governo que a coisa foi feita. Até Jerónimo de Sousa o afirma sem rodeios, sem medo dos sócios. Mas existem mais coisas que devem pesar na consciência de certos decisores políticos adeptos de atalhos e envelopes. Lula da Silva - outro amigão socialista -, padece de sintomas de gula e abastança. Será que nunca aprendem? E há mais. António Costa, malabarista de orçamentos, vai enfrentar a pressão daqueles que não se deixam enganar por bailaricos domésticos. O homem dos acordos à Esquerda já tem o Eurogrupo à perna. As contas não convencem. Seja como for, serão os portugueses a suportar as despesas pelos estragos. Veremos o que sobra para as empresas públicas de transportes Metropolitano de Lisboa, Carris, Metro do Porto e STCP. Veremos se estas patinam ainda mais e aparece um realizador de cinema disponível para fazer um filme de glória nacional, de patriotismo de uma certa mocidade toda atirada para a frentex. Damásio. Damásio, é o que me ocorre dizer.
O impacto negativo decorrente da entrada em funções do governo de António Costa e do processo inacabado do Orçamento de Estado já é quantificável. Os títulos de dívida a 10 anos foram enjeitados pelo mercado, arrastando os juros para valores apenas registados em Março de 2014. António Costa, apontado como salvador da honra nacional, afinal não passa de um operário que trabalha à peça. Primeiro soldou as peças parlamentares para forjar um governo frágil, assente em arranjos e negociações secretas. Depois, apresentou um desenho de Orçamento de Estado que aparentemente foi um notável sucesso junto da Comissão Europeia. E agora, à luz das considerações do Eurogrupo, devemos esperar mais um passe de mágica. Uma carta sacada do baralho ideológico para servir os interesses dos camaradas filiados. A fotografia tirada pelos sindicatos e funcionários públicos parece ter muito mais valor do que o resto. Mas a prepotência de António Costa far-se-á pagar caro. Pode ser que consiga vender as suas promessas a metade do país, mas será a outra metade a pagar a conta. Mário Centeno irá ter oportunidades de sobra para atacar o ministro das finanças alemão Wolfgang Schäuble quando este subir de tom nas próximas semanas. Portugal não vai estar preparado para medidas adicionais de Austeridade. É feio mentir ao eleitorado nacional.
Tsipras não serviu o seu povo. Tsipras não vingou a ideologia. Tsipras não pode ser considerado um herói da Esquerda. Após 6 meses de desgaste, alegadamente conducente à libertação da Grécia, Tsipras regressa a casa com um pacote de Austeridade ainda mais exigente. A teoria dos jogos de Varoufakis não funcionou. Foi uma roleta sem russos. Mas isto é apenas um lado da história. Do outro lado do balcão assistimos a uma Europa vergada pela política de cosmética, do Euro a qualquer preço, da União a qualquer custo. Daqui por 3 meses regressaremos ao mesmo confronto de inoperâncias, a igual défice de confiança e à uber-falência da Grécia. A capitulação grega é completa e deve ser considerada humilhante por aquele país. Veremos como o parlamento se irá orientar. Veremos como reagirá um povo traído em Referendo. Fui e sou adepto da ideia de ruptura, do reset de um país, da reconstrução da efectiva soberania, do regresso ao Drachma. A União Europeia acaba de adiar a inevitabilidade da falência que não pertence apenas aos gregos. O resgate, assim como outras modalidades de ajuda, não passa de uma pulseira que acorrenta não apenas o futuro dos helenos, mas de todo um continente.
(não é Varoufakis)
Segundo fontainha próxima do Eurogrupo, a saída grega do Euro poderia acontecer durante um período de cinco anos. Ou seja, assistiríamos a uma suspensão, ao sacar de um cartão amarelo, até que melhores ventos económicos soprem daquelas bandas. A trégua entre a Troika e a Grécia poderia servir de epíteto para algo substancialmente mais grave. No fundo seria uma resolução à portuguesa, à "águas de bacalhau", uma nova modalidade de relacionamento entre devedores e credores. Nesse interregno do concerto das nações europeias, ganhar-se-ia tempo para rever algumas das premissas que sustentam o projecto europeu. À semelhança do período que antecede a acessão de novos membros da União Europeia, teríamos um termo de exclusão que resultaria do não cumprimento de regras estabelecidas. O Estado-membro em causa nunca deixaria de fazer parte dos processos de tomada de decisão, mas assumiria a qualidade de observador nalgumas dimensões de maior importância. Por outras palavras, algumas prerrogativas teriam de ser excluídas. Se falta à União Europeia uma genuína união política e fiscal, então estes instrumentos também poderiam fazer parte das "sanções". Qualquer Estado-membro que venha a quebrar a disciplina consagrada em tratados democraticamente concebidos, poderia eventualmente ver-lhe retirados alguns poderes respeitantes a processos de tomada de decisão. Nesta fase de campeonato tudo isto pode parecer outlandish, mas este é o momento para colocar em cima da mesa todas as cartas, mesmo as mais excêntricas. Uma outra hipótese seria proceder ao resgate da Grécia, mas em vez de agravar as condições financeiras, poderia haver uma multa política - ou seja, a Grécia deixar de poder decidir em relação a matérias em que existe conflito de interesse. Por mais idealistas e líricos que alguns intérpretes libertários queiram ser, a verdade cínica e irrefutável confirma que a Democracia tem um valor de mercado, quantificável em Referendos, mas não menos qualificável do ponto de vista de consequências políticas. O problema da Grécia e da Europa já afectou a cabeça de profissionais da política, muito mais esclarecidos e habilitados do que eu, mas à semelhança de Tsipras não atiro a toalha ao chão sem mandar uns recados que podem ser enviados directamente para o caixote de lixo se assim entenderem.
Parece que o Drachma já foi avistado. Segundo algumas testemunhas, que desejaram manter o anonimato, houve uma aparição enigmática da (re)nova divisa grega. O terror que gira em torna da ressurreição da moeda deve ser afastado. A implementação da divisa talvez seja a melhor coisa que possa acontecer aos gregos - o acaime que os humilha deixará de ser a regra. A soberania monetária será readmitida. A liberdade para escolher o seu próprio caminho de Austeridade estará aberto. E no dia seguinte, o investimento directo na Grécia será assinalável. Os tempos não serão fáceis, mas a liberdade, mesmo que negativa, será efectiva. O mercado interno, nomeadamente o do sector agrícola, será dos primeiros a ganhar relevo. Tsipras não irá trair o resultado do Referendo. Um Não é um Não. Se o fizesse estaria a apunhalar o acervo de que tanto se orgulha, o património democrático, a invenção helénica. A dor, apanágio das prioridades políticas, é inevitável, seja qual for o tema de cinismo que adoptem. A pergunta colocada e que não mereceu resposta: existe paliativo para o dogma, seja de Esquerda ou de Direita? Penso que não. Mas as ideias voltarão a ter valor real quando afastarmos os eufemismos da salvação ou a teimosia do descalabro. A história acontece por vezes.
Digam o que disserem, nada mudou. Se a Grécia chegar a acordo com os credores, apenas significa que a Austeridade será prolongada, incrementada. São analistas deste calibre que constituem um perigo público. Os aspectos fundamentais da economia grega não se alteram mesmo que libertem os fundos exigidos. O problema será apenas agravado e adiado. A Grécia, assim como tantos outros países do ocidente, é um drogado em busca da próxima dose de heroína. Podem passar cheques e mais cheques de 100 mil milhões de euros que a crise não será atenuada. A bolha da conveniência política tarda em rebentar, mas quando estoirar não quero estar por perto. Tsipras vai ser hasteado na praça pública. Vamos ver como descalça a bota. Como vai explicar aos compatriotas que afinal não deveria ter prometido o que quer que fosse? Afirma ser o revolucionário que rasga os contratos com os opressores, mas vai embarcar em nova ronda de austeridade. Vai eternizar a relação helénica com os senhores do capital fresco. Lamento muito. Prometia ser um dia auspicioso, mas será apenas um dia igual a tantos outros.
Yanis Varoufakis acaba de propor, numa carta enviada ao Eurogrupo, a contratação de bufos em part-time - inspectores impromptu para denunciar casos de evasão fiscal. Não sei o que a Esquerda das liberdades e garantias tem a dizer a este propósito, mas transformar a sociedade grega num self Big Brother temporário não resolve a questão de fundo da evasão fiscal. O seu efeito dissuasor porventura será mitigado por hiper-desvios ardilosamente congeminados por anti-colaboracionistas. E servirá, consequentemente, para acentuar as fracturas que já assolam a Grécia. Esta decisão tsipraótica parece colidir com o sagrado do alegado acervo civilizacional da Europa que baniu do seu quadro de valores as práticas de regimes autoritários. A Stasi, a KGB ou mesmo a PIDE, parecem retornar à Europa entrando pela porta mais improvável dos supostos libertários da opressão imposta pelo norte - Dear John, Dear Jeroen.
Como reza a expressão? Pela boca morre o peixe? É isso? Acho realmente extraordinário que Tsipras e Varoufakis tenham o desplante de incluir no plano que vão apresentar ao Eurogrupo medidas de combate à corrupção e evasão fiscal. Quer isso dizer que nunca antes a Grécia havia tido a iniciativa de combater esses flagelos? Estão a gozar com os gregos e os restantes membros da União Europeia. Só pode ser. Ou será que também querem mudar o nome a roubalheira e "travestir" a falta de ética de um país inteiro? Não me refiro apenas a desfalques à escala de um Onassis, às grandes fortunas. Ainda sou do tempo em Portugal, quando era tido como normal trazer do serviço papel higiénico e material de escritório (resmas de papel e caixas de lápis por estrear). Tudo isso somado leva ao declínio das nações. Como a União Europeia e as suas excelsas instituições vivem de aparências, certamente que irão arranjar um modo de acomodar os eufemismos de Tsipras. Vamos pagar pela operação de cosmética. Muitos dizem por aí que isto tudo representa o despontar da mudança que a Europa exige, que as gentes urgentemente requerem, mas tenho sérias dúvidas que esta porta seja a adequada. Há muita mobília política que não pode passar, que não deve passar. De cedência em cedência, perderemos a dignidade.
Melhor Filme - "A Crise Grega"
Melhor Realizador - "Alexis Tsipras"
Melhor Filme Estrangeiro - " Varoufakis, the man from Down Under"
Melhor Argumento Original - "Os Reféns da Dívida"
Melhor Actor Principal - "Yanis Varoufakis"
Melhor Actor Secundário - "Wolfgang Schäuble"
Melhor Actriz Principal - "Christine Lagarde"
Melhor Actriz Secundária - "Maria Luís Albuquerque"
Melhor Banda Sonora - "Don´t cry for me, Syriza"
Melhor Curta Metragem - "Somos do PS"
Melhor Filme de Comédia - "A garota do BE"
Melhor Filme de Animação - "O Cachecol Mágico"
Melhor Montagem - "Os rapazes do Eurogrupo"
Melhores Efeitos Especiais - "Quatro casamentos e uma União Europeia"
Apesar de tudo o que já foi dito e escrito, e não tendo conseguido acompanhar integralmente a conferência de imprensa de Sexta-feira (e os jornalistas portugueses de serviço não conseguiam fazer uma tradução simultânea capaz e também não deixavam ouvir o som original), estive hoje a visioná-la no Youtube.
Mesmo não me revendo minimamente nos partidos no poder na Grécia, e também não vendo grandes hipóteses de sucesso no projecto a que se propõem (a menos que a Rússia entre em cena...), há que reconhecer mérito ao ministro das Finanças grego pela postura e argumentação.
É difícil não concordar que é necessário aligeirar o pesadíssimo fardo que foi colocado sobre a Grécia pelo pagamento de uma dívida que tem sido maioritariamente canalizada para os bancos, provocando uma devastação económica e social da qual, a ser prosseguida, o país nunca recuperará. É também compreensível que, neste cenário, os gregos queiram negociar as reformas, o modo de pagamento da dívida, e decidir sobre as suas privatizações. Sobre isto, e mesmo admitindo continuar as privatizações de forma ponderada, Varoufakis diz (aos 43 minutos do vídeo):
«A ideia de liquidar os meios do Estado para ganhar uns tostões que depois serão deitados no buraco negro de uma dívida impagável não é algo que subscrevamos. Não é preciso pertencer à Esquerda radical grega para concordar com isto.»
Outro momento importante é, aos 53 minutos, quando Yanis Varoufakis se refere à postura de Portugal e de Espanha, com bastante cordialidade.
É claro que Varoufakis não é o Syriza, e obviamente não devemos cair na ilusão de que o seja. Mas vale a pena ouvir o que o lado grego tem para dizer, mesmo que o fracasso seja a hipótese mais provável.
(Em Inglês, a partir do minuto 11)
Cada um vê aquilo que quer ver. Eu olho para a União Europeia na qualidade de passageiro. Sou extra-comunitário. Não elegi nenhum europeu. A minha opinião de nada vale, mas partilho-a de bom grado. Enquanto as Esquerdas do Syriza e companhia abrem o espumante para celebrar a alegada estocada dada na cadeira de Schäuble, alimentando o sonho do descarrilamento do poder central da UE, a realidade apresenta-se de um modo distinto. Segunda-feira Varoufakis terá de apresentar por escrito as medidas de Austeridade adicionais. Foi assim que o acordo foi gizado. E é aí que reside grande parte do problema. O tal mandato de Tsipras contemplava a denúncia do clausulado imposto pelo programa de resgate e o alívio estrutural da Grécia. O que conseguiu o primeiro-ministro grego com a mesada a quatro meses? Consegui muito pouco para além de um pequeno balão de oxigénio. Um país com uma dívida de mais de 350 mil milhões de euros e ainda refém de reformas por realizar e corrupção crónica, nem por sombras conseguirá dar a volta ao texto nos quatro meses negociados por entre as estrofes de Kant e Nietzsche. Mesmo um período de quatro anos não seria suficiente. Resta saber como o povo grego irá engolir esta pastilha de mais esforço fiscal, e se uma facção ainda mais radical daquele país interpretará o novo contrato como uma verdadeira traição política. Daqui por três meses (um mês antes do fecho de contas) seremos confrontados com um déjà vu, o vira-o-disco e toca o mesmo - a cantiga do pre-default. Não sei bem quem ganhou tempo. Se a União Europeia ou a Grécia. Mas em todo o caso não importa muito. A situação é de perda seja qual for o local de residência na União Europeia. É isto a que se referem quando falam do espírito solidário da Europa? A resposta parece óbvia. Pouco esclarecedora. Por vezes choques sistémicos são desejáveis para alavancar certos impasses. Em vez disso assistimos hoje à entrega de um remendo com o aviso paternalista: vá lá, faz-te à vida.
Um questionário exigente foi colocado diante dos idealistas utópicos e homens livres. Estão com Tsipras, Varoufakis, Syriza e a Grécia na revolução que estes pretendem trazer à Europa, ou estão com aqueles que dizem proteger Portugal da hecatombe helénica(?). Estão com a inocência de Sócrates ou contra o sistema judicial português (?). Estão com os indicadores económicos que começam a ser favoráveis a Portugal ou estão com António Costa que diz que vai demolir a Austeridade(?). Estão com Putin na sua epopeia revanchista ou estão com os Atlanticistas da NATO (?). Estão empenhados na salvação solidária do povo grego ou estão mais interessados em extrair vantagens financeiras das suas iniciativas junto da ex-Troika (?). Estão mesmo com Charlie ou já estão com um pé em Copenhaga (?). Estão com a permanência da Grécia no Euro ou estão com os cumpridores de contratos assinados (?). Estão com os gregos que querem receber dinheiros da segunda guerra mundial ou estão com aqueles que podem ter de pagar a ex-colónias africanas (?). Estão no Carnaval de Torres Vedras ou preferem o de Ovar? Escolhas difíceis, sem dúvida. Especialmente a derradeira.
Vamos lá ver se a gente se entende. Foi a 12 de Junho de 1975 que a Grécia solicitou a adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE) e a 1 de Janeiro de 1981 tornou-se efectivamente membro da CEE. Foi aquele país que quis fazer parte do clube da modernidade europeia. Foram eles que analisaram as implicações do projecto europeu. Ou seja, a Grécia dispôs de 40 anos para se organizar de um modo sustentável e pôr a casa em ordem. Teve quatro décadas para praticar a economia de mercado que bem quis. Teve tempo suficiente para passar de um país economicamente atrasado a país desenvolvido (ou em vias de desenvolvimento). Recebeu rios de dinheiro a fundo perdido (tal como Portugal), ao abrigo da necessidade de nivelar as diferenças entre o norte e sul da europa comunitária - os tais fundos estruturais e outros com a mesma finalidade. Pelo meio ainda teve fôlego para brincar à "sofisticação dos ricos" e organizar uma edição dos Jogos Olímpicos. Mas lamento: agora tenho de entrar com uma componente cultural, a dimensão que determina o sucesso de uns e o falhanço de outros. Podem vir com o argumento da intenção do eixo franco-alemão em alargar os seus mercados a compradores de Mercedes e BMWs por essa Europa fora, mas essa explicação assente numa ideia de exploração colonial intra-europeia não pega. Por que razão uns se propõem a objectivos e os alcançam, e outros nem por isso? Por que razão uns são suecos e outros cipriotas? Será uma questão étnica ou racial? Não. Será uma questão ética? Talvez. Provavelmente. Certamente. Em tempos de convulsão política onde se exige a cabeça de uns e os braços de outros, estamos obrigados a esta reflexão sobre as causas profundas do descalabro existencial de certas sociedades. Esse exercício de auto-crítica é penoso, mas qualquer nação à face da terra está obrigada a encarar a sua condição existencial. Pode ser que o paradigma europeu esteja a ser posto em causa, mas a explicação exclusivamente financeira não serve para responder à totalidade do questionário. Se o casamento entre a Grécia e a Europa tiver que chegar ao fim, que assim seja, sem dramas. Provavelmente com drachmas.