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Patrik Ouředník, Europeana:
E em 1918 espalhou-se por todo o mundo uma gripe a que chamaram espanhola e que matou mais de vinte milhões de pessoas. Os pacifistas e antimilitaristas disseram mais tarde que estas também foram vítimas da guerra porque tanto os soldados como a população civil viviam em condições higiénicas miseráveis mas os epidemiologistas diziam que a gripe tinha matado mais gente em países que não tinham sido atingidos pela guerra em ilhas do Pacífico na Índia ou nos Estados Unidos e os anarquistas disseram que estava bem assim porque o mundo está podre e no caminho da perdição.
Mas outros historiadores disseram que o século XX na realidade tinha começado mais cedo que se tinha iniciado com a revolução industrial que perturbou o mundo tradicional e que a culpa era toda das locomotivas e dos barcos a vapor. E outros ainda diziam que o século XX tinha começado quando se chegou à conclusão que o Homem descende do macaco e havia quem dissesse que descendiam menos do macaco que outros por terem evoluído mais depressa. Depois apareceu gente que se pôs a comparar as línguas e a perguntar-se quem tem a língua mais evoluída e quem está mais longe no processo civilizatório. A maioria achava que era o caso dos Franceses porque em França acontecia todo o género de coisas interessantes e os Franceses sabiam conversar e usavam conjuntivos e condicionais passados e brindavam as mulheres com sorrisos sedutores e as mulheres dançavam o cancã e os pintores inventavam impressões. Já os Alemães diziam que a verdadeira civilização tinha de ser frugal e próxima do povo e que tinham sido eles a inventar o romantismo e muitos poetas alemães escreviam sobre o amor e nos vales andavam as brumas. Os Alemães diziam que eram eles os porta-estandartes naturais da civilização europeia porque sabiam fazer a guerra e o comércio mas também organizar convívios populares. E que os Franceses eram arrogantes e os Ingleses presunçosos e que os Eslavos nem tinham língua que se prezasse e que a língua era a alma da nação e que os Eslavos não precisavam nem de nação nem de Estado porque tais coisas só haveriam de lhes fazer mal à cabeça. E os Eslavos por sua vez diziam que isso não era verdade que na verdade tinham uma língua que era de todas a mais antiga e que isso era fácil de provar. E os Alemães chamavam aos Franceses COMEDORES DE LESMAS e os Franceses tratavam os Alemães por CABEÇAS DE CHUCRUTE. E os Russos diziam que toda a Europa estava em plena decadência e que os católicos e protestantes tinham estragado a Europa até ao tutano e propunham-se correr com os Turcos de Constantinopla e em seguida anexar a Europa à Rússia em nome da salvação da fé.