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Saiu-lhes a sorte grande por algo que já estava programado há muitos meses, coincidindo esta altura com a turbulência que tem abanado o regime na sua vertente militar e política.
O Comendador de La Vichyssoise, hoje na sua versão de Supremo Comandante, disse um disparate monumental, quando relativamente à Alemanha de 1914 insistiu no apodo do odioso.
Odioso era o regime que então vigorava em Portugal, capaz de todas as infâmias e violências contra a sua própria população usada como carne para canhão, fosse ele o que troava a partir dos cruzadores surtos no Tejo disparando metralha em direcção à Rotunda, ou os de 75 que em Monsanto varejavam o Torel, a zona da Duque de Loulé, o Príncipe Real, enfim, praticamente a cidade inteira. A isto acrescentaremos os caceteiros e facas de mato de Afonso Costa, os assassinatos ao domicílio, a destruição de jornais e espancar de jornalistas em plena via pública, o corte radical dos cadernos eleitorais recebidos da "ominosa Monarchia", a fome generalizada e a ruína económica que significou uma enorme vaga de emigração para o Brasil, a repressão do sindicalismo ou os massacres contínuos no qual se evidenciou o Movimento das Espadas que acabaria com montões de cadáveres.
Comparativamente àquele Portugal, o que era então a Alemanha do Kaiser Guilherme?
- Tinha no Reichstag o SPD como principal partido eleito.
- Tinha direitos sindicais e um correspondente movimento sindical determinante e muito poderoso.
- Tinha assistência social com direitos que a maioria dos países europeus apenas adquiririam décadas depois: creches do Estado e das empresas, escolas públicas e alfabetização generalizada, escolas e institutos técnicos de primeiro plano em termos mundiais, reformas de aposentação garantidas, ensino grátis e escolaridade obrigatória, saúde pública e os mais avançados hospitais do mundo, etc.
- Uma imprensa livre e bastante dinâmica.
- Era a vanguarda científica mundial onde sobressaía o Instituto Kaiser Guilherme, hoje conhecido por Max Planck
Relativamente à França, Reino Unido, Itália ou Rússia, o II Reich estava num plano de superioridade a todos os níveis, apenas destoando das democracias ocidentais por ser o imperador quem nomeava o Chanceler, geralmente em contraponto com os deputados do Reichstag. Longe de ser um ditador, de facto Guilherme II tinha a palavra final e isso era algo que colidia com a praxis francesa, britânica ou italiana, mas num plano muito diferente da situação russa, também parte integrante e vital da Entente. Passe o anacronismo, o Kaiser retinha atribuições que hoje são atribuídas ao ocupante da Casa Branca e nem sequer presidia ao Conselho de Ministros. Noutro prisma, a própria organização territorial alemã, não sendo a de um Estado unitário, acabou por facilitar os jogos de interesses e a preponderância prussiana, não apenas ditada pela sua dimensão territorial, como pela concentração dos meios materiais. Tal como hoje acontece, a Alemanha era um Estado Federal.
A descendente longínqua dessa Alemanha também hoje foi vista, incompreensivelmente afastada dos contingentes francês, americano e britânico, sendo nestes tempos todos eles aliados de Portugal. Má decisão por parte dos organizadores.
Voltando ao desfile, para além da subliminar mensagem de aviso transmitido pela presença de um forte contingente de elementos pertencentes a duas unidades militarizadas que desfilaram na companhia de equipamentos destinados à repressão interna, o Comendador poderia ter retido um lampejo de grandeza e por uma vez, deixar-se de recaduchos político-partidários. Como se comprova a tentação é insuperável e não deixa de ser alguém oriundo de um sector político que rotineiramente vai a votos. Isto é tão válido para ele, como para os seus antecessores. Pareceu no que interessava para o caso, um desfile bem realizado e com uma certa grandeza, não faltando evocações históricas e os sempre esperados espectáculos de cavalaria e respectivos uniformes que atestam a passagem de séculos que tudo o mais secundarizam.
No que ao mais se refere, apenas duas peças de artilharia, dois blindados Leopard II e a bem visível falta de uniformes de parada. Dir-se-ia estar aquela mole de gente preparada para dali mesmo ter de seguir para uma frente de combate qualquer, tal era a predominância de camuflados que camuflam a penúria geral na instituição.
Esta Madsen já é uma nossa conhecida. Não posso identificar quem com ela brinca (Quartel de Boane, Distrito de Lourenço Marques, Moçambique, 1954)
As fronteiras são menos extensas que aquelas um dia loucamente sonhadas pelos partidos do Parlamento português. O irrealista Mapa Cor de Rosa durante algum tempo ocupou a facilmente impressionável e pouco esclarecida opinião pública nacional, mas as chamadas campanhas de pacificação e o consequente reconhecimento internacional, ditaram a futura existência de um país que tomaria o nome da ilha que até então, servira de capital a uma muito vaga soberania sobre um litoral que ia de Lourenço Marques ao Rovuma.
Logo desde os primeiros anos do reinado de D. Carlos I, a acção de homens como Mouzinho de Albuquerque, António Enes, Caldas Xavier, Ayres de Ornelas, Azevedo Coutinho, Joaquim José Machado e Paiva Couceiro, garantiu a integração do sul do Save, unificou o vasto território e possibilitou a existência do Moçambique que é hoje independente e um dos mais relevantes membros da CPLP. Sem aqueles militares, Lourenço Marques-Maputo seria o porto sul-africano Delagoa Bay, a Beira talvez hoje fosse a principal cidade do Zimbabué, enquanto Nacala e Porto Amélia-Pemba serviriam as cargas e descargas dos produtos de um Grande Malawi. A língua portuguesa, insistentemente ensinada pelas autoridades do maputo, comprovam o legado.
A história deve ser vista nas suas múltiplas tramas e a acção dos Africanistas portugueses, foi de facto um cabouco fundamental sobre o qual se ergueu este promissor país.
Monumento aos soldados portugueses que comandados por Caldas Xavier, combateram em Macequece (Manica e Sofala, Moçambique). Bonita foto feita pelo meu pai aquando da sua visita ao local em 1955. A bandeira caída - aliás errada, pois não existia no momento dos acontecimentos que em 1890-91 delimitariam as fronteiras do Moçambique de hoje - já parecia uma premonição.
Dada a indiscriminada destruição de monumentos erguidos pelos portugueses em todo o território moçambicano, esta singela homenagem talvez também tenha sido arrasada.
Nem vale a pena comentar esta situação, que acontece no mesmo país onde os responsáveis muito falam da importância do mar português, da Zona Económica Exclusiva, da Plataforma Continental, e de salvaguardar os seus recursos. Os factos falam por si.
Mas isto lembrou-me o sucedido, num certo dia de 1925, com o meu tio-avô António, então comandante do Grupo Independente de Aviação de Bombardeamento (a mais importante unidade da aviação do Exército, sobretudo pela importância decisiva que poderia ter em conflitos internos) quando comunicou (não para pedir autorização mas tão simplesmente para informar) ao Comando da Arma de Aeronáutica dando conta, sucintamente, do seguinte:
- Bombardeiros em condições de voar: zero.
- Stock de peças para os reparar: zero.
- Combustível: zero.
- Verba disponível para peças e combustível: zero.
- Stock de munições: suficiente.
- «Mandei toda a gente para casa atendendo ao moral da unidade e para evitar males maiores.»
Ou seja, era melhor que fossem todos para junto das mulherzinhas antes que começassem a ter ideias e a fazer disparates.
Descansando no mato, perto do quartel de Boane (Distrito de Lourenço Marques, Moçambique, 1954), um trineto de Camilo, o meu tio Jorge. Tendo nascido na Zambézia (Moçambique, 1934), do antigo Estado Ultramarino saiu em 1976, deportado para Portugal. Definitivamente regressou à sua terra natal em 1996, vivendo hoje com a mulher, filhos e netos na zona da Polana, na capital moçambicana.