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Começo a pensar que existe relação de sangue entre Mário Soares e José Sócrates. A relação simbiótica entre os dois merece um documentário do National Geographic. Há qualquer coisa aqui de empatia entre o hipopótamo e o pássaro que cata a carraça escondida atrás da orelha. Não sabemos se Soares vê em Sócrates o filho político que nunca teve, ou se pretende, com estas afirmações tontas, ajudar as causas socialistas. E desde quando é que os portugueses tiveram de aprender com os franceses a fazer política? Sem dúvida que existiram grandes pensadores políticos franceses, mas não foram contemporâneos de Soares ou Sócrates. São intemporais e pertença inegável de todos nós - amigos socialistas ou nem por isso. Alexis de Tocqueville, embora francês, contribuiu para o pensamento e a acção política norte-americana. Ou seja, o capitalismo diametralmente oposto ao socialismo, também radica nos franceses. Rousseau, por sua vez, esteve efectivamente exilado no sentido mais dramático e político. Soares, embora se queira apresentar como membro do clube dos diasporizados, que eu saiba, nunca conheceu os calabouços que Mandela experimentou ou a tortura de compatriotas caídos na malha limoeira da PIDE. O estudo comparativo de Soares deve ser considerado insultuoso e ofensivo por distintas razões. Portugal conheceu casos mais extremos de perseguição política e os visados não tiveram a sorte de sobreviver numa gaiola dourada em Paris. Quanto a Sócrates e o seu destino academico infantil, não encontro termo de comparação com o que quer que seja. Quatro anos de estadia de Soares, somados a dois anos de lua de mel de Sócrates, não produzem grandes dividendos políticos. Se quisermos ser cínicos e pouco complacentes, poderemos dizer, ao abrigo do contraditório, que os ares franceses podem ter contribuído negativamente para o modelo económico e social sonhado para Portugal no verão quente de 74 ou em tempos políticos mais recentes (A Europa, as Comunidades e a União Europeia estão a ser postas em causa e não o contrário). Parece que cada vez que Portugal e os seus governantes se viram para o exterior a coisa não corre de feição. E se Seguro um dia quiser estudar na Alemanha, será que poderá regressar com o crachá de exilado agrafado ao peito? Soares e Sócrates regressam de diferentes passados políticos, mas nem sequer podem ser chamados de retornados. Se Soares se quiser comparar a alguém, talvez se possa equiparar a Machete. Cada vez que abrem a boca entornam o caldo.
Parece que de há uns anos a esta parte o debate público está dominado pelas oposições entre mais austeridade ou menos austeridade, menos estado ou mais estado, público ou privado. Infelizmente, porém, raramente se discute verdadeiramente o que subjaz a estes conceitos e quantificações, ou seja, não se qualifica aquilo de que se fala, pelo que muitas pessoas acabam a falar para as paredes ou a falar com outras sobre coisas que embora tenham o mesmo nome, podem e têm mesmo entendimentos diferentes e até divergentes. O debate público português (e talvez mesmo o europeu e até o americano) está afunilado e esgotado. Pior que a pobreza económica, só a pobreza intelectual. "Isto dá vontade de morrer", como diria Herculano, ou pelo menos de nos exilarmos voluntariamente como ele. É que como diria Cícero, "Se temos uma biblioteca e um jardim, temos tudo o que precisamos."
A anormal normalização do estado de excepção, em que a razão da força é superior à força da razão, é sintomática do amorfismo que tolhe qualquer eventual sobressalto cívico da sociedade de uma dita democracia que já nem soberana é. O mesmo é dizer que o maquiavelismo dos "fins justificarem os meios" tem servido apenas os fins dos amadores aprendizes de príncipe, sendo responsável pela alienação da autonomia de um país, pela revolta calada de um povo e pelo alheamento de muitos indivíduos da vida pública. Talvez emigrar nunca tenha feito tanto sentido como hoje, servindo o propósito de nos exilarmos voluntariamente para, como alguém me disse há tempos, salvarmos o Portugal que vai dentro de nós.